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“Não temos olhado para a indústria agroalimentar como um sector estratégico para o país”

O presidente da FIPA relembra o potencial de um sector que, defende, é chave para a economia nacional e reitera os pedidos de harmonização do IVA nos produtos alimentares para reforçar a competitividade nacional, sobretudo numa altura em que voltam a crescer as perturbações na logística global.
19 Fevereiro 2024, 07h30

A indústria agroalimentar precisa de continuar a investir em inovação para dar cartas num mercado global altamente competitivo, argumenta Jorge Henriques, presidente da Federação das Indústrias Portuguesas Agroalimentares (FIPA), dando sequência ao trabalho que tem permitido crescer as exportações até 7,5 mil milhões de euros em 2023. Ainda assim, o sector, que tem “um potencial enorme de resposta às necessidades da economia portuguesa”, quer chegar aos 10 mil milhões e, para tal, reforça a necessidade de um IVA mais competitivo, longe da atual “manta de retalhos”. Quanto à eleição de 10 de março, o representante da FIPA relembra aos portugueses a importância da decisão, pedindo também aos partidos um debate sério.

 

A questão do IVA foi incontornável no sector agroalimentar em 2023. Que mexidas defendem no imposto?

Há muitas legislaturas que vimos a reivindicar uma situação que tem que ser revista: a harmonização do IVA. Não podemos continuar a ter um IVA nos produtos alimentares mais alto do que aquele que encontramos em Espanha, já para não falar de França. Em Portugal, nos produtos de maior inovação – que têm vindo a investir mais em renovação, alteração de embalagem, etc. – estão a 23%. Não faz sentido esta discriminação entre produtos, muitos deles equiparáveis. É algo que vimos a debater com os sucessivos governos e com o Ministério das Finanças. As circunstâncias que estivemos a viver nos últimos anos – em que saímos de uma pandemia, fomos confrontados com uma guerra na Europa e segue-se a isto a inflação, porque houve um bloqueio ao normal fluxo de matérias-primas essenciais à indústria agroalimentar, mas também de outros componentes necessários para produzir matérias-primas – com toda esta conjugação de fatores, deviam ser tomadas algumas medidas, entre as quais o IVA zero.

Finalizado o IVA zero, que avaliação faz deste regime?

O IVA é um imposto absolutamente regressivo. Era importante tomar medidas que atendessem às necessidades das famílias, mas também olhassem para as questões do IVA de forma séria. A redução para IVA zero foi uma ajuda às famílias, para amortecer vários fatores, incluindo o poder de compra. As análises feitas a um cabaz de produtos mostraram impactos por vezes positivos, por vezes negativos. É preciso perceber que nós, na indústria agroalimentar, dependemos muito do exterior. Somos grandes importadores de cereais, estamos dependentes das oscilações de mercado. Na análise que fazemos na FIPA consideramos que o saldo foi positivo. Teve efetivamente um impacto no cabaz, ajudou a amortecer e permitiu que não subisse mais. E consideramos também negativo chegar-se a 31 de dezembro e interromper este ciclo. Tentamos defender junto do Governo que fosse prolongado e, numa última fase, admitimos que se prolongasse, no mínimo, por três meses, para que se fizesse uma amortização deste impacto. Fomos dos primeiros a defender esta medida. Com aumentos de preços, o nosso sector certamente não enriquece, porque é uma indústria organizada, que funciona com contratos que, muitas vezes, nem salvaguardam os interesses dos industriais. Foi uma medida importante, mas não mágica. Na FIPA dizemos que não pode haver produtos a 23%, não faz sentido, a não ser por terminações decorrentes das regras europeias.

Em termos de impacto para a indústria, que medida seria mais importante: harmonização ou IVA zero?

Estamos conscientes de que não pode haver IVA zero ad eternum. A maior parte das categorias temos o consumo per capita mais baixo da Europa. E não é por acaso; é porque não temos olhado para a indústria agroalimentar como um sector estratégico para o país. O impacto do IVA, por um lado, se favorece o consumo das famílias, com o aumento do consumo vem a tornar a indústria agroalimentar com maior capacidade de resposta para os desafios do futuro. Temos de continuar a investir em investigação, desenvolvimento e inovação, porque competimos num mercado global com milhares de industriais. O tecido fiscal à volta do IVA é uma manta de retalhos completa onde têm sido postos remendos ao longo dos anos. É um sistema antigo em que sucessivos governos foram retalhando ainda mais. Estamos convencidos que o consumo, em muitas categorias, aumentaria passando de um IVA de 23% para 6%. Temos um edifício fiscal absolutamente perverso em relação aos nossos competidores.

Como pode Portugal beneficiar do processo de relocalização de indústrias na Europa?

Temos vindo ao longo dos anos a aproximar-nos cada vez mais do tecido produtivo primário, abastecermo-nos em proximidade desde que as matérias-primas existam em quantidade, qualidade e preço competitivo. Em muitos sectores, temos aumentado largamente a produção de matérias-primas e a sua valorização. Estamos convictos e conscientes de que não é possível produzir em Portugal cereais. Não teríamos a competitividade necessária, nem agricultores interessados. Podemos aumentar a nossa produção, mas de forma muito reduzida, por isso temos sempre de recorrer nesse capítulo à importação. Podemos é adicionar valor acrescentado. Ao exportar, acrescentamos valor, seja com a constituição de unidades industriais, emprego, marketing… As importações não devem ser vistas de forma negativa, quando são bem feitas adicionam valor ao sector. Temos é de, nalgumas circunstâncias, aumentar a capacidade instalada, inovar, adotar as melhores tecnologias e continuar um plano muito aprofundado de investigação e desenvolvimento. Basta ver a indústria do concentrado de tomate, conservas, vinhos.

Quais as perspetivas de exportação do sector para este ano?

Como todos os sectores, sofremos o impacto da crise mundial que se está a viver. A indústria agroalimentar tem vindo, nos últimos anos, a consolidar uma posição exportadora. estamos a trabalhar para, no final da década, sermos exportadores líquidos e acho que, trabalhando bem, conseguiremos atingir esse objetivo. Dos números conhecidos de 2023, o sector está a crescer 6,8%. Ou seja, consolida a base de 2022 acima dos 7 mil milhões, que pode parecer pouco, mas é uma ‘lança em África’, porque falamos apenas dos transformados, só na indústria transformadora. Mas temos um objetivo maior: atingir os 10 mil milhões. Estamos numa situação regressiva, em que as indústrias tradicionais estão a sofrer um grande choque pela queda do poder de compra dos consumidores, mas estamos convencidos que o trabalho que temos feito nos últimos anos, nomeadamente na produção externa, […] continuará. É um sector com um potencial enorme de resposta às necessidades da economia portuguesa.

Que produtos estão mais expostos a aumentos de preços devido à tensão no Mar Vermelho, quer nas importações, quer nas exportações?

Todos os conflitos desta dimensão nos preocupam. São situações que podem ter uma enorme implicação na economia mundial, desde logo numa coisa fundamental, o petróleo. Estamos preocupados com o que se pode vir a repercutir no crude, que pode voltar a subir nos mercados mundiais, perturbar o nosso abastecimento e afetar todas as matérias-primas. Neste momento há perturbações pontuais que não afetam os nossos stocks de segurança. Temos muito presente o que aconteceu com a guerra na Ucrânia, o impacto que teve e como nos obrigou a procurar fontes alternativas, o que fizemos. Dependíamos muito da Ucrânia e consideramos alternativas – mas a que custo, em muitas circunstâncias? A sociedade por vezes esquece-se que, em Portugal, não houve um minuto desde a pandemia de interrupção no fornecimento da cadeia. Fomos empurrados para um abastecimento de segurança, mas ninguém perguntou quanto custava, se precisávamos de ajuda, como o íamos fazer ou se éramos capazes. Fomos, mas a custo, porque foram aumentos de preços, stockagens para as que não estavam preparados… Estamos em contacto permanente com os nossos associados e não se regista nenhuma dificuldade que vá implicar uma rutura. O mesmo não acontece nas exportações. O que está a acontecer na Europa, com cortes de estradas e protestos dos agricultores, está a impedir a saída dos nossos transportes de exportação e a entrada de alguns materiais importantes, incluindo maquinaria. Dizendo claramente: não vai faltar nada à mesa, isso não vai acontecer, mas o impacto depende de quanto demorarem estas perturbações.

Teme que isto possa prolongar a dinâmica de inflação elevada?

Os especialistas dizem que não haverá um aumento aos mesmos níveis recentes. No entanto, a Europa é hoje altamente dependente do exterior. Há uma circunstância interna que não é passível de ser alterada de um dia para o outro: a indústria funciona por contratos que pressupõem condições não alteráveis, mesmo a razões atendíveis. Sentimos que não tem havido esse aumento de preços que muitos temiam, até porque há alguns travões – embora alguns não os mais corretos, porque impedem o normal funcionamento da economia. As empresas não são uma caixa sem fundo. Não obstante os aumentos dos últimos anos, a indústria não conseguiu repercutir o impacto do aumento dos custos e das taxas de juro, que têm um impacto enorme nas atividades sazonais.

Qual a expectativa para as eleições de março? Acredita numa solução estável a resultar deste ato eleitoral?

Estamos expectantes. Já nem uma maioria absoluta dá essa garantia. Precisamos de uma estratégia e uma política clara. Este saldo de medidas sem critério que estão a acontecer, em que cada um vende uma pescada maior que a do vizinho, não é o melhor para um país com sérias dificuldades. E não sei se os portugueses estão bem convictos dessa dificuldade e da importância da decisão deste ano. É preciso que os partidos apresentem propostas claras e digam o que farão. Nós, enquanto federação, estamos disponíveis para colocar à disposição dos nossos associados essa informação, mas completamente apartidários. Queremos promover o debate e esperemos que a inteligência suba à cabeça dos homens, porque se for por necessidade estamos mal. O dia 10 será decisivo para o nosso futuro e uma oportunidade para escolher os melhores.

Como avalia a execução do OE24 apesar da queda do Governo? Foi uma solução positiva ou negativa?

O país funciona melhor com regras claras do que por duodécimos. O governo que vier, se quiser fazer um retificativo, pode fazê-lo. Isto não dá à gestão nenhuma desculpa para não realizar as circunstâncias que têm de ser cumpridas de acordo com as possibilidades de um governo de gestão. Mas não é um momento de festa. A aprovação do OE2024, que tem muitos defeitos e não responde, numa série de itens, às necessidades do país, encerra este aspeto positivo de termos um orçamento. Não concordamos com as questões fiscais nalgumas matérias, na internacionalização não cria atrativos nem instrumentos importantes para as empresas exportarem, precisamos de uma reforma que nos leve ao crescimento e a mais produtividade, mas [termos OE] foi positivo.

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