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Negócios da ‘era Covid’: ventilador, capacete médico e avião nacional

Indústria e engenharia nacionais reinventam-se para conseguir agarrar oportunidades que surgem na conjuntura de crise da “nova normalidade”.
31 Maio 2020, 15h00

Já é conhecida a produção de ventiladores portugueses, concebidos pela engenharia nacional durante a crise da pandemia de Covid-19 – o modelo ‘Atena’, financiado por 98 mil mecenas privados –, mas ainda é desconhecido o projeto de produção de um capacete destinado a ortopedistas e dentistas, para estes médicos poderem trabalhar em segurança. O mesmo centro de engenharia portuguesa que desenvolveu o ventilador e o capacete vai investir numa nova fábrica de aviões de transporte misto de 19 passageiros e de carga, no Alentejo, daquele que será o primeiro avião nacional, desenvolvido, produzido e montado em Portugal, e com possibilidade de utilizar motores elétricos. Estes são apenas três exemplos de como a engenharia portuguesa continua a lutar pelo crescimento da economia nacional, mostrando que Portugal surpreende por bons motivos, muitas vezes imprevisíveis.

Isto está a acontecer agora, alimentando o otimismo e reavivando na memória coletiva o excedente orçamental apresentado em 2019, de 0,2% do Produto Interno Bruto, correspondente a 403,9 milhões de euros – que foi o primeiro saldo orçamental positivo desde 1973.

Depois do confinamento praticado pelos portugueses na sequência do estado de emergência decretado pelo Presidente da República a 18 de março – face à trágica pandemia de Covid-19 – a paragem da economia nacional foi sentida com uma intensidade nunca antes vivida, fazendo disparar, em poucas semanas, o desemprego que, segundo dados oficiais (do IEFP), atingiu, no final de abril, 392.323 pessoas, ou seja, mais 71.083 desempregados do que no mês homólogo de 2019.

Mesmo neste enquadramento desfavorável, a agilidade das empresas foi notória, pela adaptação imediata ao teletrabalho – desde logo, o Jornal Económico, que tem sido assegurado pelo trabalho desenvolvido em casa de cada jornalista e de cada um dos restantes profissionais –, com soluções criativas, novos produtos e serviços adequados à nova realidade. Do take-away, na restauração, à produção de máscaras de proteção sanitária assegurada por muitas indústrias.

O engenho dos portugueses aproveitou as primeiras medidas de apoio à economia colocadas à disposição dos empresários e gestores (mas sem pouparem críticas a estas medidas). São os casos do lay-off simplificado, das moratórias de crédito, dos apoios à tesouraria das empresas, dos diferimentos de impostos e contribuições e dos apoios às startups (a informação sobre cada uma das medidas está no site covid19estamoson.gov.pt.).

Em suma: as empresas portuguesas não cruzaram os braços na conjuntura de crise em que o Estado apresentou um défice orçamental de 1.651 milhões de euros em abril, evidenciando um agravamento de 341 milhões de euros nas contas públicas, face ao período homólogo anterior, com a receita a crescer menos que a despesa, segundo dados do Ministério das Finanças.

 

Mecenas apoiam indústria
Como referiu ao Jornal Económico o CEO do CEiiA – Centro para a Excelência e Inovação na Indústria Automóvel, José Rui Felizardo, “o trabalho da engenharia nacional, conjugado com a experiência hospitalar e com as necessidades dos médicos, deu bom resultado no ventilador português, cuja produção teve um modelo de financiamento inovador, apoiado nos contributos de 98 mil mecenas”.

“Foi envolvida uma cadeia de fornecedores que incorpora um elevado nível de empresas nacionais; o ventilador foi testado evidenciando fiabilidade; e, dentro de dias, vamos concretizar o envio da primeira grande encomenda destinada ao Brasil”, revelou José Rui Felizardo. “Mas todos os passos têm de ser acompanhados com rigor, para assegurar que não é perdido um cêntimo do dinheiro disponibilizado por 98 mil pessoas e instituições”, refere.
A seguir veio o projeto do capacete médico. “Este desafio foi lançado por um ortopedista do hospital de São João, para poder operar em segurança doentes infetados”, explica José Rui Felizardo. “Analisámos o projeto e estudámos a viabilidade de produção com um parceiro da indústria de moldes, complementado com as observações feitas pelo médico dentista Miguel Stanley, que permitirão que o capacete também seja utilizado por dentistas. Assim foi criado um protótipo”, adiantou o CEO.

Além destes equipamentos, o CEiiA aceitou um desafio na área da aviação, que surgiu da parte de um grupo técnico com ligações ao construtor de aviões Embraer, para lançar o projeto da produção de uma pequena aeronave – a ATL100 –, de transporte misto de 19 passageiros, mais 2,5 toneladas de carga.

“O ATL100 faz todo o sentido, porque há muita procura para aeronaves de pequena dimensão, com utilização regional”, diz José Rui Felizardo. Trata-se de uma parceria com o grupo brasileiro Desaer para desenvolver, produzir e comercializar uma aeronave de transporte leve, destinada a uso civil e militar, capaz de aterrar em pistas curtas.
O desenvolvimento deste projeto pelo CEiiA está previsto para três anos, implicando um investimento de 20 milhões de euros numa fábrica em Évora. Segue-se a fase de industrialização e depois a comercialização, contando com a participação de portugueses e brasileiros, com fábricas em Portugal e no Brasil.

O pequeno avião terá a possibilidade de vir a utilizar motores elétricos, sendo encarado como um projeto relevante para dinamizar a atividade económica na sequência da crise da Covid-19. Já foi apresentado um protótipo do ATL100 na última feira de aeronáutica realizada em São Paulo. Cabe ao CEiiA destacar 60 engenheiros para trabalharem no Parque de Ciência e Tecnologia de Évora, enquanto a Desaer utilizará 120 engenheiros. Entre os parceiros do ATL100 podem estar a Coptar e a Leonardo Helicopters. A montagem será feita no Alentejo, atendendo às facilidades aeronáuticas existentes no cluster local, em Évora, Beja e Ponte de Sôr. De resto, a sua dimensão é ideal para responder às necessidades do transporte regional na atual conjuntura, com menos passageiros, enquadradas no tipo de serviços rápidos que as empresas de logística precisam de assegurar em percursos da ordem dos 1.600 quilómetros.

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