Há vários anos, li o livro “Esquerda e Direita: Guia Histórico para o séc. XXI”, da autoria de Rui Tavares, que me deu a compreender melhor a origem dessa distinção e as razões que levaram a essa separação ideológica – um cisma que teve origem na Revolução Francesa entre os apoiantes do rei e os apoiantes do governo da Revolução.

Os termos “esquerda e direita” passaram a definir o combate político e é conhecendo a evolução desses termos desde a Revolução Francesa que ganhamos uma melhor noção das lutas que chegaram aos dias de hoje.

Em anos recentes, começámos a observar um novo fenómeno a emergir no panorama político português, que sempre se caracterizou pela divisão clássica entre esquerda, direita e o seu centro inevitável.

O fenómeno de protagonistas e partidos políticos que escolhem, deliberadamente, não se posicionar em qualquer lado do espetro político. E assim decidem porque eles próprios não conseguem fazer essa definição sem causar rutura entre os seus membros, ou porque se trata de uma forma estratégica de se poderem mover ao sabor do vento, consoante as circunstâncias, mantendo-se ancorados em causas.

O PAN tem sido o exemplo mais paradigmático e mediático desta recente indefinição ideológica que se deixa caracterizar por uma salada russa de causas, mas estão longe de ser os únicos a navegar dessa forma nas águas da política portuguesa.

Falamos de ativistas ou militantes que se assumem como progressistas, ou ambientalistas, ou ecologistas, recusando associar esse progresso e consciência à esquerda, mesmo quando essa associação lhe pertence por direito histórico. Esta parece ser até uma tendência crescente entre novos movimentos e partidos onde a palavra “esquerda” se tornou tabu.

O posicionamento ideológico de qualquer ator político não é inconsequente nem de menor importância. O combate político que se esboçou no pós-guerra não será o mesmo de hoje, volvidas duas décadas do séc. XXI; o nosso tempo está ameaçado por desigualdades sociais crescentes e alterações climáticas que impõem a necessidade urgente de uma transição energética.

Dir-me-ão que a esquerda e a direita apenas contribuem para uma maior polarização na discussão desses temas, mas a verdade é que esquerda e direita sabem qual o ideário que constitui a sua base e a forma como pretendem atingir os seus objetivos. E se cada vez mais atores políticos se renderem a uma indefinição ideológica, é o próprio sistema político que acaba por sair fragilizado.

Num tempo em que as narrativas criadas são importantes para que o eleitorado forme as suas perceções, e numa altura em que uma das forças políticas portuguesas em maior crescimento é assumidamente antidemocrática, não basta traçar as linhas na fronteira do que é ou não democrático. Uma estrutura política sólida que se preze tem de saber definir-se para o futuro, sem procurar apenas ganhos imediatos.

Com a iminência das eleições legislativas antecipadas, e a necessidade de cada interveniente apresentar um programa eleitoral aos cidadãos, teremos nas próximas semanas uma ideia de como cada protagonista se irá posicionar perante a urgência dos nossos tempos. E se não virem escrito “nem esquerda, nem direita” em lado nenhum, pensem em como é que isso poderá beneficiar o nosso sistema a médio e longo prazo.