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Nos 20 anos da Cimeira das Lajes: os três (ou quatro) cavaleiros do apocalipse

Na sequência dos atentados de 11 de setembro de 2001, George W. Bush, Tony Blair e José Maria Aznar foram aos Açores (com José Manuel Durão Barroso como cicerone) apresentar uma ação punitiva que esteve muito longe de ser consensual e para pouco parece ter servido.
19 Março 2023, 08h00

Lugar de estacionamento de barcos e marinheiros em demanda do sul, do oeste e do desconhecido, a Base Aérea n.º 4, também conhecida por Base das Lajes, voltava há precisamente 20 anos a estar na rota da geopolítica internacional. Não porque a sua decrescente importância geográfica tivesse sentido um sopro de rejuvenescimento, mas porque ali tinha lugar, a 19 de março de 2003, um concílio inesperado na sua composição, bizarro na sua agenda e duradouro nas suas consequências, que acabaria por transformar-se num dos mais perfeitos conciliábulos da primeira década do milénio: a Cimeira das Lajes, assim passaria à história o encontro entre George W. Bush, presidente dos Estados Unidos, Tony Blair, primeiro-ministro do Reino Unido, e José Maria Aznar, líder do governo espanhol. A abrir as cancelas do Base Aérea n.º 4 estava o primeiro-ministro português à data, José Manuel Durão Barroso, ascendido à condição de cicerone daquelas importantes personalidades da cena política de então.

Ali foi decidido que as forças de libertação do ocidente iriam avançar com tudo o que tivessem sobre o país do oriente que na altura cumpria a função de ser o pior inimigo da humanidade. Na altura e para desgraça do iraquianos era o Iraque, e os Estados Unidos lá foram na sua missão salvífica – estranhamente nunca sancionada pelas Nações Unidas – com o intuito de desarmarem o então líder do país, Saddam Hussein, que tinha uma forte propensão para o Mateus Rosé, como à data a Sogrape gostava de recordar aos seus clientes – juntamente com a rainha Isabel II. Mas não era por isso que a NATO (um heterónimo de Estados Unidos, como costuma dizer o embaixador Francisco Seixas da Costa) o pretendia perseguir: era porque o Iraque tinha em sua posse assassinas armas de destruição em massa. Antes de esta questão se ter transformado num dos maiores embustes da história contemporânea, pessoas com um ar sério como o general Colin Powell e outras com um ar muito menos sério como Donald Rumsfeld, asseguraram ao mundo que o Iraque tinha armas de destruição em massa. A ONU nunca quis acreditar, a CIA parece que também não estava muito convencida, mas isso não tinha importância nenhuma: os Estados Unidos lá foram, os britânicos acompanharam (assim como australianos, polacos, espanhóis, portugueses, dinamarqueses e curdos) e todos juntos acabaram por encontrar Hussein escondido num buraco qualquer. Uns anos depois, o ex-presidente iraquiano acabaria na ponta de um laço corredio, a 30 de dezembro de 2006, caído em desgraça, acabrunhado e sozinho – como acontece muito a amigos asiáticos e africanos do ocidente que pelas mais diversas razões deixam de o ser. Muammar al-Kaddafi seria o seguinte, salvo erro.

Para além das muitas dúvidas já na altura existentes sobre a possibilidade de haver armas de destruição em massa no Iraque – como as principais potências europeias não se cansaram de assinalar – também não era nada provável que Osama bin Laden, autor dos atentados de 11 de setembro de 2001, por ali se acolitasse: andaria no Afeganistão ou no Paquistão numa saltitante fuga que só terminaria em maio de 2011, precisamente neste último país. Mas isso aparentemente também interessava pouco. Resta por isso, para explicar a expedição punitiva, uma razão preventiva: tirar Saddam Hussein do poder no Iraque era uma espécie de medida profilática para manter o ar respirável naquelas paragens, sempre conspurcado pelas substâncias mais lesivas. Já tinham bastado as suas anteriores aventuras no Irão e no Kuwait. Outro tanto seria (mais ou menos) feito uns anos mais tarde, desta vez na Síria – com resultados assinalavelmente diferentes mas de igual modo pouco auspiciosos para as hostes ocidentais.

A expedição evidentemente que não correu bem: não havia vestígio das perigosas e tóxicas armas, bin Laden não foi encontrado em parte nenhuma e Barack Obama acabaria por herdar uma posição de força no Iraque que de todo dispensava. Hussein lá acabou por ser apanhado e singularmente levado a tribunal e o presidente norte-americano que substitui o aguerrido George W. Bush lá teve que se haver com as consequências da missão. Acabaria por envolver-se no Afeganistão até à triste retirada de agosto de 2021 – já o seu vice se havia sentado na cadeira deixada de vago por Donald Trump (que ninguém pode acusar de ter sido um presidente especialmente beligerante, há que convir) – e no Paquistão, onde apanharia Osama bin Laden com direito a imagens em direto postas à disposição de um restrito grupo de boquiabertos governantes norte-americanos. Vieram embora as tropas como se nunca lá tivessem posto os pés: a boçalidade criminosa dos talibans tomou conta dos gabinetes afegãos ainda as tropas norte-americanas tentavam entrar aos empurrões nas últimas aeronaves que partiam do aeroporto quando as pistas não estavam cobertas de candidatos a refugiados e no Iraque instalou-se rapidamente uma balbúrdia de espécie similar que impede o país, até hoje, de se parecer com isso mesmo: um país.

Entretanto, José Manuel Durão Barroso foi para a Comissão Europeia com funções de liderança. Diz a lenda – e vale a pena recordar a absoluta ineficácia de desmentir as lendas – que houve entre as Lajes e Bruxelas uma relação de causa-efeito. Certo é que o na altura primeiro-ministro de um país que estava “de tanga” (sic) tratou de abandonar o cargo que ocupou entre 6 de abril de 2002 e 17 de julho de 2004 – uma comissão de serviço de pouco mais de dois anos antes de optar por moer a paciência dos europeus pelos longos dez anos seguintes. O país entrou rapidamente em crise política, com o então Presidente Jorge Sampaio a tentar colar os cacos da retirada estratégica do social-democrata sem ter conseguido encontrar a substância adesiva correta.

Dez anos depois, e apesar das recomendações, apelos e sofridas súplicas, José Manuel Durão Barroso tratou de aceitar ser contratado para o banco Goldman Sachs – instituição que está abaixo de qualquer suspeita ética ou de governance – motivo pelo qual teve de passar pela maçadora (mas não muito) perda dos privilégios que tinha em Bruxelas por ser um ex-líder da Comissão Europeia, passando a ser tratado como mais um lobista. O salário compensa as maçadas, mas não muitas, dizem os que sabem destas coisas. Entretanto, já carregando no costado idade suficiente para a reforma (faz 68 anos dentro de quatro dias) e depois de ter sido nomeado presidente de uma instituição chamada Aliança Global para as Vacinas, optou por vida mais folgada no banco. Mais recentemente, disse em público que não está no seu horizonte político candidatar-se às eleições presidenciais em 2026. A sério?!

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