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Nos confins da Ibéria

Sei que faço parte duma minoria pessimista, mas pelo menos estou bem acompanhado, e destaco aqui o Portugal Economic Snapshot recentemente publicado pela OCDE, no qual se realçam desempenhos preocupantes em termos nacionais, nomeadamente em economia, desigualdade e ambiente.
7 Junho 2021, 07h15

No século I a.C. o patrício Gaius Iulius Caesar afirmou que «Há nos confins da Ibéria um povo que não se governa nem se deixa governar…» Referia-se aos Lusitanos, cujos guerreiros eram conhecidos entre os Romanos como “latro”, termo que seguiu uma evolução semântica que originou o termo “ladrão” na língua portuguesa. No século XXI há em Portugal um povo com características que, de forma semelhante, permanecem marginais no contexto europeu. Vejamos.

Desenvolvimento Humano e Desigualdade. Entre os 27 países da União Europeia, Portugal tem o 6.º pior indicador no Índice de Desenvolvimento Humano e o 13.º pior no Índice de Gini (que mede o nível de desigualdade financeira duma população).

Economia. Entre os 19 países da Zona Euro, Portugal situava-se, em 2019, na 16.ª posição no indicador que mede o Produto Interno Bruto per capita. Se preferirem, tem o 4.º pior desempenho em 19. Este péssimo desempenho conjuga-se com outro péssimo desempenho da dívida pública em proporção do PIB, que é a 3.ª mais alta da Zona Euro.

Educação. Segundo os dados do Eurostat sobre os jovens que abandonam precocemente o ensino e a formação, Portugal tem a 4.ª taxa mais alta da União Europeia. Em Portugal, um aluno socialmente desfavorecido tem quase 4 vezes maior probabilidade de reprovar do que um aluno com perfil socialmente favorecido.

Política. A República Portuguesa foi o único país da Europa Ocidental que alguma vez se autodeclarou como um estado Socialista, sendo o único da Europa que mantém essa declaração (em forma de referência preambular da sua Constituição). Poderíamos pensar que tal fenómeno fosse de certa forma algo imposto de cima para baixo. Não sei, é discutível, mas se alguma vez o foi, já foi incorporado por uma maioria da sua população eleitora: nas últimas eleições para a Assembleia da República, uma maioria superior a 80% dos eleitores ou não votou numa força política ou votou numa força política socialista ou comunista. É o único país da União Europeia em que tal acontece.

Perante este panorama, apetece concluir que 21 séculos depois os herdeiros dos povos lusitanos mantêm a sua peculiaridade no contexto europeu. Talvez uma parte importante da explicação seja a base genética da população portuguesa manter-se bastante estável ao longo de todo esse tempo, apesar dos 7 séculos de ocupações germânicas (bárbaras) e mouras. Portugal tem alternativas para o seu futuro? Destaco algumas propostas efetuadas na história recente. Reflitamos.

No livro “Portugal e o futuro”, de autoria de António de Spínola e publicado em 1974, o autor propôs uma solução política como saída para a Guerra do Ultramar. No rescaldo, o Presidente do Conselho de Ministros pediu a demissão, mas o Presidente da República não aceitou. 3 meses depois aconteceu um golpe de Estado que ficou conhecido como Revolução de 25 de Abril. No livro “Portugal, Que Futuro?”, de autoria de Medina Carreira e de Eduardo Dâmaso e publicado em 2009, os autores propõem a seguinte reflexão: «Portugal suporta uma crise, grave e duradoura, que é só sua e que só aos Portugueses compete resolver. Já desperdiçámos um tempo precioso e nada fizemos para atenuá-la, muito menos para superá-la. Poderemos empobrecer lentamente até que da Europa só nos reste a geografia. Poderemos fingir que tudo está no bom caminho, mesmo quando sabemos que não está. Poderemos confiar nos acasos, com um otimismo que é apenas uma imensa irresponsabilidade. Uma coisa, porém, é certa: se não conseguirmos “mudar” o essencial da nossa sociedade, teremos o futuro comprometido». Ninguém lhes deu ouvidos. 2 anos depois Portugal assinou o PAEF (Programa de Assistência Económica e Financeira).

Em 2021 há avisos contundentes. Sei que faço parte duma minoria pessimista, mas pelo menos estou bem acompanhado, e destaco aqui o Portugal Economic Snapshot recentemente publicado pela OCDE, no qual se realçam desempenhos preocupantes em termos nacionais, nomeadamente em economia, desigualdade e ambiente. Este relatório aponta o dedo para o fraco desempenho económico salientando o PIB per capita 37% e a produtividade 38% abaixo do país de topo da OCDE. Aponta o dedo para a desigualdade fazendo sobressair que a desigualdade é maior do que na maioria das economias avançadas, sendo que os 20% mais pobres recebem menos de 8% dos rendimentos, e ainda para um índice de Gini superior à mediana das economias avançadas. Aponta também o dedo para o desempenho ambiental ilustrando com o fato das emissões de gases de efeito de estufa não terem diminuído nos anos recentes.

As reformas sugeridas como essenciais e prioritárias para Portugal, as quais subscrevo como parte das que considero como prioridades, são as seguintes:

1) Mercado de trabalho: Reforçar a proteção social para empregos atípicos para reduzir a precariedade e a pobreza;

2) Educação e habilidades: aumentar as habilidades para fortalecer a produtividade, promover a criação de empregos de maior qualidade e melhorar a equidade e o bem estar;

3) Concorrência e regulamentação: fortalecer a concorrência nos setores não manufatureiros para aumentar a competitividade e a produtividade das exportações;

4) Insolvência: reduzir a alta alavancagem corporativa para aumentar o investimento e promover a criação de empregos;

5) Sistema tributário: reduzir isenções e taxas especiais para aumentar a eficiência do sistema tributário e fortalecer a sustentabilidade das finanças públicas. Alguém dará ouvidos? Quem tem ouvidos para ouvir, ouça! (Lc 8, 8)

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