O meu último artigo, “O PRR e as Autarquias”, suscitou o envio de uma dezena de comentários que apontam para duas questões cruciais:

  • Ausência de planeamento e falta de confiança no funcionamento das Autarquias (grande morosidade de decisão) para aplicar no prazo previsto, ou seja, até 2026, os montantes do PRR em termos de Habitação, por comparação com o tempo que hoje leva, por exemplo, a aprovação de um projecto de construção ou de reabilitação numa Autarquia. Houve quem escrevesse “se o prazo de realização fosse a duplicar talvez…”;
  • O País não oferece uma política de qualidade no que se constrói e menos ainda um processo de controlo da mesma. Tem leis mas não monitoriza a sua aplicação. Registo uma frase que me chocou mas, por experiência própria, traduz uma situação bem real e generalizada: “Adquirir um apartamento é como uma caixa negra, nunca se sabe o que contém… Só depois, quando já não há saída sem conflito demorado… e quase sempre em perda de quem o adquire”.

O Governo e a Habitação

A dezena de comentários que penso ter sintetizado bem, cada um contando o seu caso pessoal em Autarquias de cidades, por acaso de cidades médias, admito que nas cidades maiores a realidade seja ainda mais caótica, identificam situações reais, indesmentíveis e muito generalizadas a merecerem profunda atenção e medidas urgentes bem articuladas nos princípios e execução.

Um grande caos existe. A partir daqui as pessoas questionam-se. Como vai ser possível cumprir um PRR exigente, ambicioso, e de que tanto o País precisa para se atingir um patamar habitacional recomendável?

Uma oportunidade perdida?

Ouvindo e lendo os nossos governantes reina a esperança. António Costa já por várias vezes se pronunciou sobre o tema afirmando que o mercado sozinho não resolve a Habitação e que fixar jovens é o “desafio”!

Antes do PRR, o Governo tinha avançado com linhas gerais para a política habitacional, sob a designação de “Nova Geração de Políticas de Habitação (NGPH)” como podemos ler no Portal da Habitação. A  Resolução de Conselho de Ministros n.º 50 – A/2018, de 2 de maio, estabelece, a traços largos, o sentido estratégico, a missão e objectivos.

A Missão:

  • Garantir o acesso de todos a uma habitação adequada, entendida no sentido amplo de habitat e orientada para as pessoas, passando por um alargamento significativo do âmbito de beneficiários e da dimensão do parque habitacional com apoio público.
  • Criar as condições para que tanto a reabilitação do edificado como a reabilitação urbana passem de excepção a regra e se tornem nas formas de intervenção predominantes, tanto ao nível dos edifícios como das áreas urbanas.

Os Objectivos:

Objectivo 1: Dar resposta às famílias que vivem em situação de grave carência habitacional. Neste objectivo, se encaixa o 1.º Direito – Programa de apoio ao Acesso à Habitação.

Objectivo 2: Garantir o acesso à habitação a todos os que não têm resposta por via do mercado. Neste objectivo se integra, entre outros, o Programa do Arrendamento Acessível como a Porta 65 – Jovem.

Objectivo 3: Criar as condições para que a reabilitação seja a principal forma de intervenção ao nível do edificado e do desenvolvimento urbano. Reabilitar para Arrendar.

Objectivo 4: Promover a inclusão social e territorial e as oportunidades de escolha habitacionais.

Pedro Nuno Santos diz que o Estado falhou na Habitação e reconhece que “as Autarquias foram deixadas a sós, durante décadas”, na resolução deste direito constitucional e “hoje sentimos de forma mais dura as consequências de ausência de uma política de habitação consistente e perene para todo o território”.

O que me sugerem estas linhas avançadas…

O reconhecimento de grande negligência, ao longo dos tempos, deste direito constitucional é sempre uma atitude positiva. Mas não chega.

Algumas questões a propósito.

Primeira questão. Estas grandes linhas, estabelecidas num contexto anterior, já deveriam ter sido alvo de um trabalho de ajustamento ao PRR. Agora há muito mais disponibilidades financeiras. Por outro lado, há eleições autárquicas de cujos programas deviam constar as Estratégias Locais da Habitação para enquadramento dos acordos assinados com os Municípios, no âmbito do Programa 1º Direito.

Segunda questão. Devia ser formulada de forma clara e aos diferentes níveis a quem compete a responsabilidade de velar pela qualidade da obra, de forma que o adquirente não seja lesado.

Sobre esta questão coloquei no online a seguinte pergunta: “que Entidade monitoriza em Portugal a qualidade da Habitação em termos de construção?” Encaminharam-me para o Portal da Habitação que depois aponta para vários documentos de muitas páginas, nomeadamente um de 524 páginas sobre a História da habitação!

Resposta simples e clara à pergunta não há. Em Portugal intervêm sempre várias entidades, uma forma de não haver responsabilidade de ninguém. Muito papel, sim. Responsabilidade real…

Terceira questão. A Habitação é um primeiro Direito (constitucional) num sentido bem mais amplo que o Programa 1ºDireito. Mas este programa, se for levado a bom termo até 2026, significa uma revolução neste país. Mas por favor não me falem de “habitação social” no velho conceito – o que significa Habitação desqualificada. Um exemplo muito simples. Habitação social equivale a casas sem varandas e materiais e equipamentos de qualidade duvidosa.

Uma quarta questão. As sociedades estão em transformação. Introduza-se o espírito dessas mudanças no conceito da Nova Geração de Políticas de Habitação. Um exemplo. Hoje, a partilha e o uso da habitação comum entre o homem e a mulher é bem diferente do que era há umas dezenas de anos. Introduzam-se essas ideias nos projectos de habitação.

Tudo isto e muito mais terá de ser incorporado nos novos projectos e nas reabilitações, para além das características físicas básicas do anti-ruído, isolamento, temperatura, impermeabilidade de terraços e varandas (o que até à data funciona mal).

Os nossos governantes não se cansam de dizer: “o que não formos capazes de executar até 2026 vai ser perdido”. Essa é uma realidade. Mas falta indicar as condições básicas de sucesso e montar a máquina para que se execute bem o PRR e a tempo. Fundamental ajustar as ideias que existem ao novo contexto e construir na realidade a nova geração de políticas de habitação bem concertadas com as estratégias locais (Autarquias).

E termino com a pergunta: quem fiscaliza e garante a qualidade material da construção da Habitação?

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.