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Novas regras internas travam regresso de vice de Santana

Medidas tomadas por Santana Lopes, após suspensão de Carlos Pinto, podem travar o seu regresso à vice-presidência. O líder do recém-formado Aliança quer membros eleitos a apresentar registo criminal e contas em dia com o Fisco e Segurança Social.
17 Março 2019, 17h00

As acusações do Ministério Público contra o vice-presidente do Aliança Carlos Pinto geraram incómodo no recém-formado partido de Pedro Santana Lopes. Pinto apresentou a demissão, mas a Comissão Executiva entendeu que a suspensão de funções seria a “solução mais adequada”. O partido ainda não nomeou ninguém para substituir Pinto, deixando a porta aberta a um eventual regresso, que pode vir a ser inviabilizado pelas novas regras internas, que obrigam à apresentação do registo criminal, que no caso de Pinto não está inteiramente limpo.

Ao Jornal Económico, o vice-presidente suspenso não nega a possibilidade de regressar ao partido, apesar de estar a ser investigado pela Justiça. O ex-presidente da Cãmara da Covilhã lembra que que, na Assembleia da República, há deputados que também enfrentam processos judiciais e continuam a exercer as suas funções, pelo que considera que também ele está “apto” para exercer as suas. No entanto, sublinha que conhece o país em que vive, “com gente impiedosa” e “com os chamados ‘imaculados’ não averiguados” e, por isso, optou por apresentar a demissão a Santana Lopes. “Perante o sensacionalismo estabelecido, quis mostrar o desprendimento dos cargos e deixar à vontade quem dirige a Aliança”, afirmou.

Santana Lopes submeteu a decisão à Comissão Executiva do partido, que concordou com “a suspensão das referidas funções [de Pinto] até ao cabal esclarecimento da situação pelas entidades competentes”. Pinto diz que recebeu de Santana Lopes “provas de solidariedade” e que este o terá tentado convencer “a converter o pedido de demissão em missiva apenas pondo o lugar à disposição”. Mas o mal-estar gerado pela dedução da acusação do Ministério Público contra Pinto terá forçado Santana Lopes a tomar medidas duras para impedir o aparecimento de novas surpresas, num partido que poucos dias antes, no seu primeiro congresso, anunciava a luta contra a corrupção e os crimes cometidos no exercício de funções públicas, como uma das suas bandeiras.

Pena suspensa

O vice-presidente do Aliança está acusado dos crimes de peculato, prevaricação e participação em negócio. A acusação do Ministério Público partiu de uma denúncia ao Tribunal Constitucional, que dá conta de que Pinto terá construído, em 2007, uma casa de família num terreno fora do espaço urbano, desrespeitando o plano diretor municipal. A investigação indica ainda que, para legalizar a construção, o agora vice de Santana Lopes terá requerido pareceres jurídicos junto de vários especialistas, que terão, segundo a acusação, sido pagos com cerca de 50 mil euros pertencentes à Câmara Municipal da Covilhã, a que presidia à época.

Esta não é, no entanto, a primeira vez que o ex-autarca enfrenta a Justiça. Em julho de 2017, foi condenado a três anos de prisão com pena suspensa por crimes de prevaricação. Em causa esteve a construção de 63 moradias unifamiliares numa área protegida do Parque Natural da Serra da Estrela. Terá autorizado a Turistrela, concessionária da Serra da Estrela, a avançar com a construção das moradias, entre 2000 e 2005, mesmo sabendo que tal era ilegal. Caso se venha ma confirmar os crimes de que está acusado, e tendo em conta a mesma natureza das infrações, Pinto arrisca-se ser condenado a cumprir pena efetiva.

O Jornal Económico sabe que o alegado envolvimento de Pinto em crimes no exercício de funções gerou mal-estar entre os membros do Aliança. Para limpar rapidamente a primeira nódoa na imagem da direção do recém-criado partido, Santana Lopes expressou a vontade de que os membros eleitos apresentem o registo criminal, para assegurar a coerência entre o que o partido defende e aquilo que os seus membros fazem. Além disso, foi proposto também aos membros do Aliança a assinatura de uma declaração de compromisso ético, em que se comprometem a informar imediatamente a direção do Aliança para que sejam aplicadas as devidas sanções, no caso de o cadastro criminal se alterar entretanto ou falharem as contribuições ao Fisco e à Segurança Social.

Santana Lopes não só o propôs como quis servir de exemplo para a equipa que o acompanha. No início desta semana, formalizou a entrega no partido do seu registo criminal, onde se pode ler que não está acusado ou pronunciado nem foi condenado por sentença transitada em julgado “pela prática de crime doloso contra a vida, a liberdade das pessoas ou por crime de falsificação ou falsidade, de usurpação de funções, crime cometido no exercício de funções públicas, crime fiscal, ou crime de natureza económico-financeira”. Dezenas de outros membros do partido aproveitaram para fazer o mesmo.

Um caminho sem V de volta

Confrontado com os procedimentos que Santana Lopes quer implementar para assegurar a boa conduta de conduta dos membros diretivos do Aliança, Pinto recusa-se a comentar, explicando que se tratam de decisões tomadas após a sua saída e nas quais não teve voto na matéria. Mesmo que o tribunal venha provar a sua inocência na acusação do Ministério Público que enfrenta agora, Pinto deve chumbar no teste de idoneidade no campo judicial. Isto porque já foi condenado anteriormente por crimes de prevaricação na altura em que ainda desempenhava as funções de presidente na Câmara da Covilhã.

O vice-presidente do Aliança disse estar a ser vítima de um “julgamento na praça pública sem igualdade de armas” e confessou ter saudades de “políticos de liberdade”, que “não cedem ao sacríficio dos direitos individuais” e “não se impressionam com a espuma dos dias e a ditadura dos telejornais”. “Não se pode agradar a muitos, sacrificando o direito à presunção de inocência nem que seja de uma única pessoa”, afirmou, sublinhando não estar a referir-se a ninguém em particular mas a dar “uma abordagem geral”.

Num comunicado publicado no fim de semana passado na página de Facebook da Aliança, Santana Lopes afirmou que “não faz qualquer sentido o dispêndio de energias em disputas eleitorais ou pessoais ainda por cima sem diferenças políticas que as justifiquem”. O líder do partido afastou a possibilidade de serem feitas eleições internas antes das legislativas e apelou aos militantes e dirigentes do Aliança a “empenharem-se num trabalho de convergência e unidade em prol da prossecução dos grandes objetivos”.

Artigo publicado na edição nº1978 de 1 de março do Jornal Económico

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