O novo embaixador americano em Portugal já vem com um caderno de encargos preparado para o seu mandato. O aumento dos gastos com a defesa é um dos pontos principais. Mas John Arrigo também está preocupado com a presença de empresas estatais chinesas em companhias portuguesas e garantiu que vai endereçar estas questões quando chegar a Lisboa.
O dossier inclui a presença chinesa nos setores da energia e da construção em Portugal, isto é, o facto de empresas estatais chinesas serem os maiores acionistas da EDP (China Three Gorges, CTG, com 21%), REN (China State Grid, CSG, com 25%) e Mota-Engil (China Communications Construction Company (CCCC, com 33%)).
“Será correto que algumas das maiores empresas da China sejam proprietárias de algumas empresas de energia de Portugal? Será correto que algumas empresas de construção da China sejam proprietárias de algumas das maiores empresas de construção em Portugal?”, disse John Arrigo na semana passada durante a sua audição de nomeação no Senado norte-americano.
“Isso terá de ser discutido. Gostaria de me sentar e discutir todas as ameaças que temos entre o setor energético, a construção e os gastos com defesa em Portugal, para que faça a sua parte justa”, acrescentou o empresário do ramo automóvel.
Este é um embaixador político de Washington, isto é, não fez carreira diplomática e é nomeado diretamente pelo presidente dos EUA, como tem sido habitual nas nomeações anteriores para o cargo em Lisboa.
As preocupações não são de agora. Washington não tem hesitado em mostrar o seu músculo quando pode, isto é, quando estão em causa operações nos EUA. As participações acionistas chinesas já tinham estado debaixo de foco do Governo de Trump 1.0. A maior demonstração de força foi quando Washington cancelou a Oferta Pública de Aquisição da China Three Gorges (CTG) sobre a EDP para passar a controlar totalmente a empresa.
“Opomo-nos absolutamente a esse negócio. Ora, a EDP está localizada nos Estados Unidos. Em nenhuma circunstância os chineses vão controlar o que a EDP tem nos Estados Unidos, o terceiro maior produtor de energia renovável”, disse em março de 2019 o então embaixador dos EUA em Portugal, George Glass, ao Jornal Económico cancelando o negócio na hora ao garantir que a operação não iria passar no crivo dos reguladores americanos.
Já o ministro da Energia dos EUA, Dan Brouillette, veio a Portugal em fevereiro de 2020 com uma mensagem clara de hostilidade para com o investimento chinês.
“A preocupação é, à medida que a EDP cresce nos Estados Unidos, e esperamos que continue a crescer, a presença do investimento chinês na EDP pode representar problemas, à medida que o crescimento continua. E é isso que vamos avaliar muito diretamente”, disse então o responsável.
Nesse encontro com jornalistas em fevereiro de 2020, Dan Brouillette pediu disse que as autoridades portuguesas tinham de analisar se a presença chinesa na REN era uma questão. “Vou deixar isso para os decisores políticos em Portugal, se isso representa ou não uma ameaça para a infraestrutura em Portugal”, afirmou na altura.
A entrada dos chineses da CCCC na Mota-Engil também foi criticada pelo então embaixador dos EUA, George Glass, considerando que a companhia vendeu 30% da empresa por “30 moedas de prata”, tendo chegado a admitir a imposição de “sanções”, que nunca aconteceram.
“É uma empresa bandeira de alta qualidade que agora tem uma enorme influência de uma entidade estrangeira. Se forem fazer negócios em Angola, em Moçambique ou no México, esses países têm respeito por uma empresa portuguesa de topo. Mas agora devem ter a consciência de que há uma influência maligna que pode ter intenções diferentes em relação ao negócio”, afirmou o diplomata ao Expresso em setembro de 2020.
Na sua audição, o novo embaixador também defendeu que Portugal tem de acelerar os gastos com despesa militar para ir de encontro aos desejos de Donald Trump.
“Durante décadas estiveram no fundo da tabela em termos de gastos com defesa. A minha tarefa é discutir a modernização militar. A frota de F-16 está envelhecida. O programa F-35 seria uma das minhas prioridades de topo. Colocaria [o país] no topo a caminho dos 5%” de gastos militares com o PIB, defendeu John Arrigo.
Recordando a história conjunta dos dois países, os EUA “recorreram a Portugal para apoio político e material em muitos esforços de manutenção de paz” e o país tem sido um “apoiante entusiasta dos EUA e da NATO em todo o mundo”.
Destacou também a base militar dos EUA nas Lajes, Açores, um “centro logístico essencial no Atlântico”, prestando um “apoio crítico a aeronaves” e nos serviços de comunicações entre os EUA e os seus aliados.
No seu discurso também destacou a “expansão dos laços comerciais entre Portugal e os desafios de segurança nacional que rivais como a China representam. Os EUA são o maior parceiro comercial de Portugal extra-UE, existe potencial significativo para aumentar esta relação económica”.
A sessão no Senado foi apadrinhada pelo senador republicano Lindsey Graham que elogiou o seu ‘afilhado’.
“A população de Portugal teria sorte de o ter. Não há amigo mais próximo do presidente Trump do que John Arrigo. E um país quer ter como embaixador dos EUA, alguém que tenha acesso ao presidente Trump, ou a qualquer outro presidente, e ele tem certamente”.
Graham apresentou o novo embaixador como o neto de um imigrante italiano que “chegou aos EUA com 6 dólares no bolso”. “Não sei quanto seria agora, mas certamente não seria muito”, afirmou.
“De 6 dólares a ser um dos principais retalhistas automóveis nos EUA vai um longo caminho. John Arrigo viveu literalmente o sonho americano”, segundo o senador que o qualificou como sendo um “homem muito generoso e próximo do presidente” Trump.
John Arrigo foi apresentado na audição como “dono de concessionários automóveis”, fruto de ter sido fundador e vice-presidente da Arrigo Automotive Group durante 35 anos, de uma retalhista localizada no estado da Florida de marcas como a Chrysler, Dodge, Jeep ou Ram. Em 2020, os 5 stands da Arrigo Automotive Group foram comprados pela Morgan Auto Group.
No final de 2024, Donald Trump qualificou John Arrigo como um “empreendedor com muito sucesso na indústria automóvel e um golfer campeão. Por mais de 30 anos, foi um líder incrível de negócios em West Palm Beach e é respeitado por todos. Conheço o John há muito tempo. Vai fazer um trabalho incrível pelo seu país e colocar sempre os EUA em primeiro lugar”.
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