Só quando houver justiça para as vítimas do BES, caro Carlos Costa.

“(…) os lesados do GES foram enganados de todas as maneiras. Foram enganados pelo GES porque colocou um produto no que não devia colocar, pelo BES que os vendeu na altura e pelo Banco de Portugal que ficou a tomar conta de uma conta criada propositadamente para que o BES não pudesse gastar o dinheiro que era devido aos lesados. Depois de aplicar a medida de resolução, o Banco de Portugal apropriou-se dessa conta (…)”. Estas são palavras do deputado Miguel Tiago, no arranque do julgamento do processo-crime no dia 15 de outubro de 2024, que integrou a Comissão Parlamentar de Inquérito ao GES/BES pelo PCP.

Estes factos estão provados e estabelecidos. Também está provado que, após a resolução, o Novo Banco foi blindado contra quaisquer processos ou reclamações: as deliberações do Banco de Portugal funcionaram como uma espécie de lei nos tribunais. Não leis da Assembleia da República, mas de um poder não eleito — o próprio Banco de Portugal.

Onze anos depois, espanta ver responsáveis a elogiar o seu próprio trabalho. O antigo Governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, afirmou ao Jornal Económico que “O Novo Banco é uma história de sucesso”. Desculpe, “como disse?” ou, “importa-se de repetir?”. Mas para quem?

Para António Ramalho, ex-presidente executivo do Novo Banco, foi certamente favorável: 1,1 mil milhões. Para a Lone Star, que arrecadou um ganho líquido de 2,2 mil milhões, também foi altamente favorável. Para o Estado português, que injetou 3.405 milhões de euros de dinheiro público, não foi nada favorável. Para as vítimas, famílias identificadas por peritos do próprio Governo em 2019, que perderam as poupanças de uma vida, ainda menos.

Em português simples: alimentaram o monstro com o dinheiro das vítimas e com os impostos dos contribuintes, blindaram tudo contra contestação e, no fim, repartiram os lucros entre si, deixando de fora os verdadeiros donos: o Estado e as vítimas. Um educado colarinho branco que nos diz “Desculpe, isto é um assalto”.

A solução existe e está à vista: O fundo de recuperação de créditos já está constituído, de forma semelhante ao que foi feito para os lesados do papel comercial. A diferença é que, neste caso, a solução não teria impacto para o contribuinte.

Neste momento, há 5,4 mil milhões de euros arrestados à guarda do tribunal e do IGCP, somando-se ainda as receitas das multas e custas judiciais. Não existe qualquer desculpa para que as 1.900 vítimas não recebam já os meros 300 milhões de euros que perderam.

O risco para o país: O pior que Portugal pode permitir é que este caso passe a mensagem de que crimes económico-financeiros ficam impunes: fintam o Estado, fintam o Banco de Portugal, fintam a Assembleia da República – e podem até fintar a Justiça.

Como sabemos, só é possível restabelecer a confiança no sistema financeiro português se, e só se, ocorrerem cumulativamente: a reparação às vítimas, o ressarcimento ao Estado (do qual por acaso as vítimas fazem parte), a condenação na justiça e a mudança estrutural para evitar novo caso no futuro.

Num processo cheio de zonas cinzentas, a única coisa que está a preto e branco é isto: o chamado “Novobanco”, ou “BES Bom”, só é um ativo valioso porque o Banco de Portugal e os Governos usaram as poupanças dos cidadãos e afastaram as Vítimas do processo. O Novobanco só é “Bom” porque foi capitalizado com provisões que deviam cobrir a venda fraudulenta de produtos e com dinheiro vivo dos contribuintes. As vítimas foram lesadas duas vezes: pelas poupanças que perderam e pelos impostos que pagaram para sustentar a operação.

Vamos continuar a defender as 1.994 pessoas — pequenos depositantes, famílias, cidadãos comuns, financeiramente iletrados e não qualificados — que foram as verdadeiras vítimas do BES. Não seria tempo de, finalmente, assumir que existem, e usar uma pequena parte dos dividendos e lucros do banco privatizado para repor a equidade?

Enquanto isso não acontecer, não nos tentem vender a narrativa: o Novo Banco não é um caso de sucesso, caro Dr. Carlos Costa, é vergonha nacional!