O fim da regra da unanimidade no processo de decisão da União Europeia (UE) em matéria fiscal pode vir a favorecer a implementação de um conjunto de novos impostos europeus, em áreas como a energia e o consumo. Esse pacote fiscal, que deve entrar em vigor em 2021, faz parte de um plano apresentado para redesenhar o modelo de financiamento do projeto europeu e fazer com que este não esteja apenas assente em contribuições dos Estados-membros. Se o plano avançar, esses impostos podem vir a ser pagos diretamente à UE, sem terem de ser discutidos a nível nacional, em sede parlamentar.
A intenção de reformular o atual modelo de financiamento da UE levou à constituição de um grupo de trabalho, em fevereiro de 2014, com a missão de encontrar formas “mais transparentes, simples, justas e democraticamente responsáveis” de financiamento. Após dois anos de trabalho, o grupo, liderado pelo antigo primeiro-ministro de Itália, Mario Monti, publicou em dezembro de 2016 um relatório em que sugeria a criação de novos impostos para compensar a saída do Reino Unido da UE e o impacto das migrações, terrorismo e outras situações que nos últimos tempos têm vindo a sobrecarregar o orçamento comunitário.
Fonte da Comissão Europeia dá conta ao Jornal Económico de que algumas das propostas feitas por este grupo de trabalho devem ser incluídas no plano orçamental da UE para o período 2021-2027. A mesma fonte indica que, para já, deve avançar um cabaz de novos recursos próprios da UE que inclui “20% das receitas do regime de comércio de licenças de emissão, uma taxa de mobilização de 3% aplicada à matéria coletável comum consolidada do imposto sobre as sociedades [que deve ser introduzido progressivamente à medida que for adotada a legislação necessária] e uma contribuição nacional calculada sobre a quantidade de resíduos de plástico não reciclados em cada Estado-Membro [de 0,80 euros por quilo]”.
Ao mesmo tempo, para evitar “aumentos repentinos e significativos das contribuições de determinados Estados-Membros” a partir de 2021, a Comissão Europeia propõe reduções de montante fixo das respetivas contribuições baseadas no rendimento dos países, que serão “progressivamente eliminadas ao longo de cinco anos até desaparecerem por completo até 2026”.
As previsões apontam para que estas três novas formas de financiamento possam vir a representar 12% do orçamento da UE, contribuindo com um montante de até 22 mil milhões de euros por ano. “As negociações sobre o atual orçamento de longo prazo da UE levaram demasiado tempo, o que provocou o atraso no lançamento de programas financeiros essenciais e o adiamento de projetos com grandes potencialidades em termos de retoma económica”, sublinha fonte da CE. Como tal, Bruxelas está empenhada em encontrar um acordo antes das eleições europeias.
No relatório de Monti, que esteve na base para este pacote fiscal da CE, era sugerida a entrada em vigor de outros impostos, como a criação de um IVA europeu, a criação de um novo imposto sobre as empresas e transações financeiras, um imposto “mais justo e transparente” sobre a eletricidade e a harmonização do imposto do petróleo. Mas grande parte das medidas presentes no pacote fiscal proposto pelo grupo de trabalho devem ficar por uns tempos na gaveta.
Estas medidas têm encontrado como entrave a regra da unanimidade, mas, neste terreno, o comissário europeu para os Assuntos Económicos, Pierre Moscovici, está a travar uma luta em duas frentes. Após ter feito parte da equipa encarregue de elaborar um plano a longo prazo para repensar o financiamento das contas da UE, Moscovici é agora uma das vozes mais ativas na defesa do fim da regra da unanimidade.
CDS recusa impostos da UE
O CDS veio alertar para o consentimento de Portugal com a intenção de acabar com a regra da unanimidade da UE em matéria de impostos, defendendo que tal “lesa o interesse dos portugueses” e coloca em causa a soberania dos Estados-membros. Mais grave do que isso, o CDS considera que o Executivo de António Costa está “a formatar a posição do Estado português com a de CE numa matéria tão relevante como a criação de impostos ao nível europeu sem passar pela Assembleia da República”.
Bruxelas garante, no entanto, que a ideia não é reforçar os poderes da UE, nem reduzir as competências dos Estados-membros. “O caminho que estamos a seguir não afeta os direitos dos Estados-membros de definir as taxas de imposto aplicadas aos indíviduos e empresas. O que isto vai permitir é que os Estados-membros exerçam a sua soberania para que os desafios conjuntos possam ser resolvidos”, explica fonte da CE.
“As ameaças fiscais aos Estados-membros, onde se incluem a concorrência fiscal prejudicial e a política tributária agressiva dos intervenientes não pertencentes à UE, não podem ser evitadas unilateralmente. São essenciais respostas coordenadas e oportunas da UE”, acrescenta. Ao mesmo tempo, o fim da unanimidade permitiria “responder às expectativas dos seus cidadãos” e fazer avançar novas formas de financiamento do orçamento europeu.
Atualmente, as contribuições dos 28 Estados-membros, baseadas no imposto sobre o valor acrescentado (IVA) e taxas baseadas no rendimento nacional bruto (RNB), correspondem a cerca de 80% do orçamento da UE. A estas duas fontes de receitas juntam-se os direitos aduaneiros cobrados aos operadores económicos nas fronteiras externas da União. Em menor escala, há ainda os impostos e deduções de salários de funcionários da UE, juros bancários, contribuições dadas por países não pertencentes ao projeto europeu a determinados programas da UE, juros de mora e multas.
Artigo publicado na edição nº1976 de 15 de fevereiro, do Jornal Económico
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