Convencido de que a ideia do governo de salvação nacional para fazer frente à crise económica causada pela pandemia de Covid-19 tem origem no Palácio de Belém, Nuno Garoupa, professor na Universidade George Mason, nos Estados Unidos, reconhece vantagens táticas para António Costa, Rui Rio e Marcelo Rebelo de Sousa, mas aponta o risco de essa solução governativa aumentar o peso eleitoral dos extremos do espetro político português. Para o ex-presidente da Fundação Francisco Manuel dos Santos, autor de “Portugal – Um Retrato” e “A Direita Portuguesa – Da Frustração à Decomposição”, a “geringonça ao centro” seria a melhor solução para assegurar condições de governabilidade em tempos muito difíceis.
Acredita que estão reunidas condições para que Portugal tenha um governo de salvação nacional com ministros dos dois maiores partidos?
É uma ideia que agrada a Belém. Tenho muitas dúvidas que isso possa ser feito agora. Só quando a crise de saúde pública acalmar, lá mais para o verão. No curto prazo até pode entender-se o interesse dos socialistas e dos sociais-democratas. Seria um seguro de vida para o PS, pois a situação vai ser muito complicada, e para Rui Rio seria ideal para se manter na liderança, porque finalmente regressava à esfera do poder. Posso entender que isso tenha vantagens táticas para os dois partidos no período muito complicado dos próximos 18 meses. O grande problema é que seria deixar a oposição às franjas numa situação que vai ser muito difícil. O Bloco de Esquerda e o Chega iriam liderar a oposição e iriam crescer.
E se nas próximas eleições legislativas o PS e o PSD concorrerem juntos e tivermos de escolher entre o Bloco Central, o Bloco de Esquerda e o Chega?Seria quase a base de apoio de Marcelo Rebelo de Sousa contra as franjas do eleitorado.
Por isso é que digo que esta seria uma ideia agradável em Belém. Percebo que facilite a reeleição do Presidente da República e percebo que possa agradar taticamente às lideranças do PS e do PSD. No caso de Costa até lhe permitiria explicar que sempre foi contra o Bloco Central, mas que agora o aceita por ser uma situação absolutamente excecional. Dar-lhe-ia algum resguardo. Mas como seria nas legislativas seguintes? Se isso acontecer vamos ter um Bloco de Esquerda com 15% e umChega com 10%.
E será que o regresso do Bloco Central é necessário para o país nas condições económicas em que se vai encontrar?
Não é necessário, porque se o problema é a estabilidade do Governo, o PS e o PSD podem sempre fazer um acordo de incidência parlamentar. Podem criar um órgão como havia na legislatura anterior, com a “geringonça”. Um conselho de coordenação entre os dois partidos, sendo toda a legislação, incluindo o Orçamento do Estado, negociada nesse conselho. Mas o Governo continuaria a ser do PS e o PSD continuaria a ser tecnicamente um partido de oposição. Isso assegura perfeitamente a estabilidade. Não é preciso o PSD ter ministros, tal como não é preciso haver formalmente um governo de coligação.
Seja como for, Rui Rio não tem dado sinais claros de estar disponível para uma solução governativa desse género…
Estou convencido de que a ideia do governo de salvação nacional vem de Belém. Não é por acaso que isto sai numa altura em que Marcelo Rebelo de Sousa sofreu um tombo na popularidade. Precisa de alguma ajuda de Costa e de Rio para recuperar espaço, pois seria capaz de não repetir nas presidenciais de 2021 os 60 ou 70% que chegou a ter nas sondagens. Mas o problema de Portugal não é janeiro. Faltam três anos para o fim da legislatura e o tsunami irá sentir-se ao longo de 18 meses ou dois anos.
Um entendimento com o PSD torna-se mais interessante para o PS por a legislatura não estar a correr particularmente bem ao Governo mesmo antes da crise da Covid-19?
O PS ficaria numa posição taticamente complicada, pois largar o Bloco e o PCP – mas principalmente o Bloco – a favor do PSD também teria custos, pois existe um eleitorado entre o PS e o Bloco que ficaria perturbado. Mas continuo a insistir: do ponto de vista do país parece-me que a solução melhor seria uma “geringonça ao centro” e não o governo de salvação nacional. Que o PSD fosse um parceiro privilegiado, com uma coordenação e os orçamentos e as leis principais negociados a dois. As contas parlamentares são muito favoráveis a esse equilíbrio, pois bastaria ao PSD abster-se para as leis passarem. A coordenação até teria um trabalho facilitado em relação à legislatura anterior, quando os parceiros do PS tinham mesmo de votar a favor.
Entrevista publicada no Jornal Económico de 27-03-2020. Para ler a edição completa, aceda aqui ao JE Leitor
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