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Nuno Santana: “Na área da restauração e eventos o novo lucro é zerar”

Nuno Santana, empresário na indústria de Eventos (através da NIU) e de Restauração (através do Grupo Praia), em entrevista ao Jornal Económico, explica como é que está a gerir o pós-confinamento e como é que perspetiva o futuro próximo de duas das áreas mais afectadas pela pandemia. Sobre o dinheiro que vem da Europa, defende que “é muito importante que esse dinheiro chegue às PME e não apenas às grandes empresas”.
10 Outubro 2020, 17h00

Com a pandemia Covid-19, o Estado decretou o estado de emergência a 18 de março, o qual vigorou por períodos sucessivos de 15 dias até ao passado dia 2 de maio, passando o país no dia seguinte para o estado de calamidade, que vigorou até 24 de junho. No dia seguinte Portugal entrou em estado de alerta. Mas a Área Metropolitana de Lisboa apenas reduziu a calamidade para estado de contingência, que foi prolongada agora até 14 de outubro.

É neste cenário que o CEO de um dos maiores grupos de organização de eventos e dono do já icónico restaurante Praia no Parque, em Lisboa, e do Praia na Vila no Algarve, falou ao Jornal Económico da reabertura da atividade e do impacto que ainda está a sofrer na faturação.

A NIU, uma das maiores empresas de eventos, e o Grupo Praia que junta restauração e entretenimento, foram áreas especialmente afetadas pela pandemia do Covid-19 e pelo lockdown económico decretado pelo Governo em março. Nuno Santana explica que ambas as atividades continuam a sofrer o impacto das restrições,  mesmo no atual estado de contingência, que foi prolongado até 14 de outubro, e que é menos restritivo. O impacto negativo não desapareceu com o fim do confinamento, e a atividade continua a sofrer o efeito do medo nas relações sociais.

“Todos os nossos negócios são de gethering people, juntar pessoas, que é precisamente aquilo que não se pode fazer agora”, explica Nuno Santana.

É mais conhecido pelo seu restaurante trendy Praia no Parque, em Lisboa e pelo Praia na Villa, no Algarve, mas a atividade económica do seu grupo vai muito mais além. A sua principal actividade é na área de Eventos e Activação de Marca com a Agência NIU, projectos como a feira de natal Wonderland no Parque Eduardo VII; o Arena Portugal (fun zone do Mundial no Terreiro do Paço/Parque Eduardo VII, Alameda); a organização de 6 edições do mega Picnic do Continente;  o MEO Spot em Portimão,  “entre muitos outros conceitos na área do entretenimento, restauração e eventos”, explica.

Nuno Santana conta ao Jornal Económico como é que reagiu ao fecho abrupto da economia em março: “Na indústria de eventos e restauração houve uma consciência coletiva gigante porque praticamente, decidiram fechar a atividades antes do Estado o decretar”, diz.

“Por exemplo, nós tínhamos programado um mega-evento para o Continente aqui no Pavilhão Carlos Lopes para o fim de semana de 14 de março, e que estava a ser preparado há um ano, mas no dia 1 de março decidimos adiá-lo”, lembra o empresário. No restaurante foi a mesma coisa, “encerramos quatro dias antes de ter sido decretado o Estado de Emergência, por responsabilidade para com a situação de saúde pública, quando ainda se estava à espera que surgisse o primeiro caso de Covid-19”, acrescenta.

Nuno Santana explica que “na NIU tínhamos um “pipeline” de eventos para o ano 2020 que provavelmente iria encerrar o melhor dos 26 Anos de história”, disse. Já no Praia no Parque “em termos de faturação  estávamos a crescer 30% like-to-like face ao ano passado”, lembra o empresário.

O restaurante Praia no Parque esteve dois meses fechado, durante o Estado de emergência, mas reabriu com as adaptações à nova realidade. Isto é, com os cuidados sanitários e com a ampliação da área das esplanadas.

“Há que dizer que a Câmara de Lisboa teve um comportamento exemplar. Como se sabe isto [o espaço do Praia no Parque] é um edifício municipal, e a Câmara decretou imediatamente o cancelamento das rendas durante três meses, para todo o município”, lembra Nuno Santana.

 

Grupo recorreu ao lay-off

Sendo uma das áreas económicas que foi mais afetada pelo Covid-19, o grupo, como não podia deixar de ser, recorreu ao lay-off para manter os empregos.

Os concessionários de espaços públicos deixaram de pagar rendas até maio. Nos recursos humanos, e até à chegada do lay-off, o restaurante pagou todos os ordenados no primeiro mês de encerramento da economia (março). “A medida [lay-off] foi muito positiva, mas a implementação foi mais lenta do que o esperado, tendo em conta que a Segurança Social é um aparelho pesado e pouco digitalizado”, explica.

Os custos são elevados. “O grande ativo das empresas são as pessoas, mas o grande passivo numa situação de “lockdown”   também são as pessoas”, lembra Nuno Santana para realçar a importância das medidas de apoio à manutenção dos postos de trabalho.

Uma vez acabado o estado de emergência e decretado o estado de calamidade, em que a economia abriu mas com algumas restrições em relação aos ajuntamentos de pessoas, em relação ao horário dos espaços de entretenimento, e à venda de álcool; com imposição do uso de máscara nos espaços fechados e uso constante do gel desinfetante, o Praia do Parque foi reabrindo, tal como uma grande parte dos restaurantes.

“Quando decidimos reabrir [no fim de maio] tivemos uma reunião interna para determinar o que diferencia o Praia no Parque numa situação de pandemia. Basicamente temos três pilares que nos diferencia: a localização, pois estamos no meio de um parque e com uma grande zona exterior”, disse lembrando que a Câmara de Lisboa isentou de taxas e licenças as esplanadas, “o que nos ajudou bastante porque nos permitiu duplicar a esplanada, e portanto a esplanada é sem duvida um “asset””. Por último o restaurante é feito de janelas grandes de cima a baixo e é muito fácil transformar o restaurante interior numa quase esplanada sob um tecto com vista para o lago”, refere o empresário.

A quebra de facturação do restaurante esperada para 2020 de 35% a 40%, explica Nuno Santana, que confessa ter sofrido o peso dos investimentos para adaptar o restaurante às novas exigências da pandemia. “O novo lucro é zerar. O grande desafio dos empresários é zerar as operações no ano em que nós estamos”, diz o empresário de restauração e de organização de eventos.

“Os players que consigam zerar as operações nestas indústrias até que a situação volte à normalidade vão ter um futuro mais promissor ”, diz Nuno Santana que acredita que irá conseguir atingir esse objetivo em 2020.

O empresário explica que todos os seus investimentos foram feitos com capitais próprios. “Quem é que vai sentir menos o impacto da crise? Quem não tem dívida e tem dinheiro em caixa”, defende o empresário.

“Com o atual contexto, tivemos que antecipar tudo, alargamos o horário do almoço, como se pode ver neste momento são quatro da tarde e há pessoas a almoçar”. O Praia no Parque decidiu manter a cozinha aberta o dia todo, para que as pessoas possam vir almoçar às horas que quiserem e não haver uma grande concentração na hora de almoço. “Por outro lado, o facto de termos aumentado a esplanada permitiu-nos ter mais oferta de exterior, que é o que as pessoas procuram hoje em dia”, revela o empresário.

Nuno Santana realça que “a dinâmica de férias das pessoas também se alterou este ano. Foram fazer aquilo que se pode chamar de ‘shopping around’, ou seja, iam passar um fim de semana à Comporta e depois vinham, iam quatro dias ao Algarve e vinham, depois iam ao Douro, etc. Houve mais turismo interno, e menos quinzenas”, o que ajudou a manter o restaurante em Lisboa com alguma dinâmica, ainda que sem a componente de bar e noite que caracterizava o Praia no Parque.

O restaurante no Algarve não abriu por causa da pandemia. “Não abrimos o Algarve porque é um conceito que vive muito da componente bar, já que é um restaurante que só abre a partir das oito da noite”, explica Nuno Santana referindo-se ao Praia na Vila.

A restauração é definitivamente um dos setores mais afetados com a crise da pandemia. Só no mês de Agosto, 70% das empresas do sector de restauração e bebidas registaram uma quebra de facturação acima dos 40%, de acordo com um inquérito da associação do setor, a AHRESP, divulgado recentemente. Ainda segundo a AHRESP, no setor da restauração e bebidas, 38% das empresas ponderam avançar para insolvência, dado que a esmagadora maioria refere que não irá conseguir suportar os encargos habituais, como pessoal, energia, fornecedores e outros.

 

“O grande desafio dos empresários da indústria de eventos e entretenimento é a incerteza”

O fator da incerteza é o que mais preocupa Nuno Santana. “O grande desafio dos empresários da indústria de eventos e entretenimento é a incerteza num futuro próximo. Pode dizer-se que estão a navegar à vista, porque não se sabe como vai ser a situação da pandemia daqui a três meses”, diz o empresário. “A NIU tem um grande evento previsto para dezembro, estamos a prepará-lo, mas pode ser que a 30 de novembro decidam que não se pode fazer, e esse é o grande desafio. Esta é uma atividade em que é preciso criar estruturas e condições que demoram tempo, e no fim pode não passar de um investimento de recursos desperdiçado, porque o evento pode não se realizar”, diz  o empresário. Isto, acrescenta, com a agravante de ser uma atividade que “já traz meses de passivo atrás, fruto dos meses em que a atividade dos eventos esteve fechada, o que leva a que por vezes se opte por nem tentar fazer”, confessa.

“Os projetos vivem muito da nossa energia, e neste momento o Praia no Parque é o nosso bebé”, diz Nuno Santana para explicar que decidiram concentrar a energia do grupo no restaurante em Lisboa. O Praia no Parque, que faz dois anos em novembro, teve um investimento muito grande e ainda não atingiu o break-even, e com o atual contexto é difícil prever quando será possível atingi-lo, admite.

O restaurante Praia no Parque, tinha uma componente de bar e uma pista de dança (parte de clubbing), que com a pandemia deixou de existir, e que teve um impacto negativo na faturação do espaço, revelou Nuno Santana.

“O que procuramos fazer para criar uma experiência divertida dentro da nova realidade? A música continua alta, à quinta, sexta e sábado ao jantar, mas não podemos deixar as pessoas dançarem como antes, o horário mudou, passámos a fechar à 1h da manhã e a partir da meia-noite não podemos deixar entrar ninguém”, explica. Para além de não poderem servir álcool depois das oito da noite, sem comida, como em toda a restauração.

Nuno Santana acredita que quando começarem a comercializar a vacina tudo vai voltar ao normal. “Mas tem de haver uma mudança de narrativa mundial na comunicação social sobre o medo, porque, se não, mesmo quando houver vacina as pessoas vão continuar com medo”, alerta.

“Quanto mais tarde houver essa mudança de narrativa, mas tarde será a retoma à normalidade” defende Nuno Santana que espera um regresso à normalidade diferente consoante as faixas etárias. “Os mais novos vão regressar à normalidade mais rapidamente, mas tenho a noção que há pessoas que nunca mais vão viver da mesma forma, mesmo que venha a vacina”, refere ainda.

 

“Sem economia não há saúde”

Em termos de medidas que o Governo deve adoptar para o setor dos eventos e restauração, o CEO da NIU lembra que “sem economia não há saúde pública”. “Em termos de assegurar os postos de trabalho o Governo teve uma dinâmica inicial excelente, mas as medidas têm de ter uma sequência e uma continuidade, senão é impossível”. Nuno Santana lembra que na organização de eventos, a NIU perdeu 80% da faturação desde março, e é uma empresa que tem no quadro 70 pessoas. “Não é exequível continuar com estas quebras de faturação e manter estes postos de trabalho sem apoio”, diz lembrando que a situação afectou também todos os trabalhadores que eram contratados em outsourcing para os eventos. “Havia eventos em que tínhamos 400 pessoas a trabalhar connosco e estas pessoas com contrato a termo praticamente não tiveram direito a lay-off”, lembra.

“A indústria de eventos vive da venda de bilhetes e de patrocínios.  Ora há marcas que estão disponíveis para continuar a investir e outras que não, porque têm medo. Logo a maior parte dos eventos deixaram de ser exequíveis, porque os custos da organização são insuportáveis”, refere o empresário. “E há coisas que não fazem sentido. Não percebo porque é que não é possível ter 10.000 pessoas num estádio com 50 mil lugares, onde nem se vende álcool, e depois pode haver 15 mil pessoas na Festa do Avante, não faz sentido. Porque é que há corridas de toiros e depois não há concertos?”, questiona.

Em termos de negócios novos, “na NIU criámos uma linha Covid-19, uma linha de produtos de proteção para o setor HORECA [acrónimo de hotéis, restaurantes e cafés]”, revela Nuno Santana.

A NIU opera também em Espanha, na área dos eventos, onde o impacto está também a ser muito negativo, como nos conta o CEO.

A área de eventos é a que mais preocupa Nuno Santana, apesar de a NIU continuar a organizar eventos. “Ainda agora vamos organizar uma convenção de quadros para um grande grupo português e é tudo digital”, diz.

A migração para os eventos digitais nos não convence, no entanto, o CEO da NIU. “Acredito no digital para a área da formação e corporate, mas para a área do entretenimento parece-me que o digital não é solução, porque o contacto físico não se substitui”, refere.

 

“Mais certo ou mais tarde tudo terá de voltar à normalidade”

Nuno Santana defende mesmo que “toda esta situação de isolamento social valorizou a importância da socialização”.

Já quanto a expetativas sobre quando é que a economia vai abrir completamente e os eventos passam a poder realizar-se livremente, Nuno Santana diz que só com o aparecimento dos testes rápidos, “simples e baratos, que sejam pelo menos fiáveis para detetar que está positivo”. Isso é essencial para mapear as pessoas que estão positivas e sobretudo os assintomáticos, defende.

A experiência, nunca antes vivida, de um vírus poder fechar a economia a nível global, trouxe um fator de incerteza aos investimentos de muito longo prazo no setor da hotelaria, turismo, restauração e eventos. Nuno Santana concorda que hoje a decisão de investimentos de raiz é mais arriscada, mas acredita que mais certo ou mais tarde tudo terá de voltar à normalidade, mas não arrisca a antever um prazo para esse regresso.

“Nós aqui no Praia no Parque, em termos de almoços e jantares, estamos com um número superior ao que tínhamos antes, porque aumentámos muito a esplanada e tivemos a sorte de termos tido noites quentes”, revela Nuno Santana.

Com a chegada do inverno Nuno Santana já está a estudar uma solução com a Câmara de Lisboa.  “Estamos a ver a possibilidade de pôr uma tenda aberta na atual esplanada, com aquecedores interiores”, explica o empresário.

 

“Impacto real da crise ainda está adormecido”

“O verdadeiro impacto na economia ainda não se deu”, defende Nuno Santana. O CEO do NIU explica que a crise “para já mexeu no consumo, mas ainda há as moratórias e lay-off, e por isso o impacto real está adormecido”.

Sobre o Plano de Recuperação Europeu, que prevê um investimento europeu de 12,9 mil milhões de euros a fundo perdido, para o país fazer a recuperação económica (resiliência) e a transição climática e digital, Nuno Santana realça o tempo que demorará o dinheiro a chegar às empresas, e questiona se chegará a tempo a alguns setores mais afectados. Recorde-se que o Plano de Recuperação e Resiliência tem o prazo de três anos para comprometer o dinheiro e mais três anos para executá-lo (até 2026).

Do total estimado de 12,9 mil milhões de euros de subvenções, só 9,1 mil milhões já estão disponíveis e confirmados – os restantes 2,7 mil milhões estimados serão alocados em 2022 em função do crescimento económico das diversas economias em 2020 e 2021.

O Estado, para a recuperação e resiliência, reservou 7,2 mil milhões de euros, sendo que a fatia maior irá para as empresas, de forma direta (2,5 mil milhões de euros para aumentar o potencial produtivo) e indireta (mais 1,5 mil milhões de euros para políticas de competitividade e coesão territorial.

Para a transição climática o Estado reservou 2,7 mil milhões de euros, sendo que a maior fatia é para o próprio Estado. A terceira parte é para a transição digital onde o Estado reservou 700 milhões de euros para a Escola Digital, 1,8 mil milhões de euros para a Administração Pública e apenas 500 milhões de euros para o programa de digitalização das empresas. A modernização da Administração Pública acaba por ajudar as empresas já que traz seguramente desburocratização, um alívio a nível de burocracia, e isso dá facilidade à envolvente empresarial.

“É muito importante que esse dinheiro chegue às PME e não apenas às grandes empresas, porque a maioria do tecido empresarial português são pequenas e médias empresas”, defende Nuno Santana.

“É um grande desafio que as ferramentas que o Estado encontrar para apoiar o tecido empresarial cheguem ao pequeno comércio, ao café, ao pequeno restaurante e que não chegue apenas a quem tem grandes escritórios de advogados e trabalhe com grandes consultoras”, salienta.

O empresário defende também que “é muito importante o Governo apoiar a economia real com medidas estruturais, depois das medidas de emergência que foram tomadas, quer às empresas, quer às famílias”.

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