A menos de 10 dias da data de entrega da proposta de Orçamento do Estado para 2021, e sem acordos assumidos ou pelo menos conhecidos, o tema é incontornável e encontra-se bem vivo na agenda política. Do ponto de vista económico, financeiro, social e de saúde pública, vivemos um momento de exceção, e numa enorme incerteza coletiva, que torna este jogo de sombras nas negociações do Orçamento do Estado (OE) à esquerda absolutamente incompreensível.

Há um contínuo abuso do bluff político na praça pública, sem contenção, traçando cenários catastróficos, acima do que já o são, por parte do taticismo político dos partidos que compõem a esquerda portuguesa. Todos dramatizam, até António Costa avisa que se não houver acordo prévio não haverá orçamento, e o Presidente da República alerta que uma crise orçamental pode implicar uma incompatibilidade do processo de recuperação económica do país.

Encenações deste tipo quando um OE tem de ser negociado sempre existiram e sempre existirão. Mas este processo está a ultrapassar na esquerda todos os limites e devia ser muito mais contido, sob pena de se radicalizar o discurso e as negociações e se poderem colocar a si mesmos num ponto de não retorno.

O PCP critica as preocupações do Presidente da República, que em ano eleitoral para a Presidência, mesmo que haja ruturas, não pode convocar eleições no prazo de um ano, e o Bloco de Esquerda não se quer comprometer com medidas mais difíceis. O que é expectável é que este OE passe no Parlamento com o contributo da esquerda, e isso é por todos considerado normal, pois a mera abstenção bloquista é suficiente para a viabilização orçamental.

Mas, na verdade, a história das negociações orçamentais à esquerda está longe de ser uma narrativa fácil, pois todos assumem que o problema está nos detalhes, para a necessária recuperação económica e transformadora da vida das pessoas.

E seria muito simples: os partidos da esquerda deveriam anunciar, sem reservas, que, após cinco anos de inversão da democracia, e sem qualquer maioria governativa constituída, neste momento mais difícil, têm a obrigação de aprovar com os seus votos maioritários (PS, PCP e BE) a viabilização do OE2021. A pandemia trouxe momentos absolutamente dramáticos para as pessoas e o maior problema não poderá ser a política e os partidos que agora têm de assumir as suas responsabilidades.

Tanta teatralidade à esquerda, com anúncios de crise política, não tranquiliza os portugueses e nem robustece a confiança das pessoas na atividade política para além do resultado da votação do Orçamento. Pede-se um pouco mais de atenção e de contenção aos agentes políticos. Os tempos são de exceção. É bom que os decisores também o sejam.