O facto

Economistas do banco italiano UniCredit realizaram um relatório para investidores sobre as férias de verão, ou seja, as férias longas (que) prejudicam a acumulação de capital humano, reduzem a empregabilidade feminina e acentuam a desigualdade educacional”, sintetiza Edoardo Campanella, economista-chefe da UniCredit Research, de acordo com o ‘elEconomista’.

Porquê em Itália?

Segundo o mesmo relatório, Itália é o país onde a pausa de verão encerra as escolas 99 dias por ano, seguido de Portugal (92), Grécia (87) e Espanha (84), ao invés da Alemanha (46), França (56) ou Países Baixos (42).

Enquadramento

Trata-se da organização do calendário escolar, de periodicidade anual, com tempos para pausas educativas e letivas, normalmente associadas aos denominados períodos escolares, já que a escola tem como pressuposto a divisão do ano por períodos, definidos, nos países mais católicos do mundo ocidental, em particular da Europa, conforme o Natal, o Carnaval e a Páscoa. O relatório italiano diz que este modelo se prende com tradições agrárias e com fatores climáticos, sendo mais adequado este do que aquele, pois o fator religioso é muito mais determinante. Conclui-se, assim, que o calendário escolar é definido sobremaneira pelo fator religioso, apesar da natureza laica dos estados.

O caso de Portugal

É certo que Portugal obedece muito a essa característica religiosa do calendário escolar, pois o Natal e a Páscoa (é muito pouco significante a pausa de dois a três dias do Carnaval) são os marcos temporais que estabelecem o fim do primeiro período (e também o início do segundo período), que começa em setembro, bem como fim do segundo período (e também o início do terceiro período). A opção por duas pausas longas tem como justificação a calendarização educativa e letiva por intervalos de tempo suficientemente robustos curricularmente, de acordo com a substância de conteúdos programáticos a incluir no processo de ensino e aprendizagem e ainda com as formas de avaliação (destacando-se a avaliação sumativa, através de testes internos das escolas ou de provas e exames externos, e ainda de testes de aferição).

O problema

Mudar a calendarização é alterar a natureza das atividades curriculares da escola e o conjunto significativo de todas as suas práticas, desde a planificação até à avaliação. Seria de perguntar: por que razão o lado inovador dos projetos de intervenção pedagógica, que incluíam a avaliação semestral, e não a trimestral, de acordo com os períodos escolares, não foram generalizados?

A existência de dois intervalos definidos pela avaliação não termina com a estrutura de pausas longas, mas ameniza-as, contribuindo para a introdução de mais tempos de pausa. Se com o Processo de Bolonha a tipologia de uma unidade curricular passou de anual para semestral, é natural que, nos ensinos básico e secundário, haja mais intervalos, pois só desse modo haverá espaço para redefinir as atividades educativas e pedagógicas.

A não-questão

Responder à questão das férias longas de verão é um contrassenso ou até uma não-questão, na medida em que, e veja-se na legislação portuguesa o Despacho n.º 8368/2024, de 25 de julho), os docentes desempenham atividades diversas, nomeadamente letivas e não letivas, e nestas predominam atividades ligadas à avaliação, à organização administrativa das escolas e das turmas, à participação em projetos, à gestão de topo e intermédia e à coordenação curricular. É em agosto que os horários letivos geralmente são elaborados e nessa tarefa estão os professores. A férias grandes são assim um quase-mito, que tem muitos fatores na sua base.

Consequências

A elaboração a médio prazo do calendário escolar por um conjunto de anos letivos (presentemente de 2024-2025 a 2027-2028) contribui para uma maior revisibilidade dos tempos escolares, com vantagens para as agendas culturais da comunidade e familiares dos encarregados de educação, ou mesmo para setores da economia, incluindo a que existe ao redor da escola (centros de explicações, restauração, etc.). Num estudo realizado no Brasil, um estudante de Economia concluiu que a faturação de determinados restaurantes sobe significativamente nas pausas escolares, pelo que entre ganhos e perdas há dinâmicas económicas que precisam de ser analisadas.

Voltando ao relatório italiano, é dito que os alunos podem perder entre 25% e 30% do que aprenderam durante o ano, sobretudo em disciplinas como a matemática. Esta situação deve-se ao prolongamento excessivo de certos períodos escolares, agravados ainda mais pela sua desproporcionalidade, já que, face à duração constante do primeiro período, o segundo e o terceiro período dependem do calendário religioso móvel, intercalado pela Páscoa.

Com períodos escolares mais uniformes no tempo e com mais tempos para os alunos (porque nem sempre as paragens escolares equivalem a paragens efetivas para os professores), é de admitir que a perda de aprendizagens teria valores mais baixos, o que, de facto, será o mais desejável.

É também notório que com um modelo de calendário escolar mais prolongado no verão – e a questão não será a de saber quando efetivamente deve ser iniciado o ano letivo, até pelos fatores climáticos que agravarão ainda mais o problema –, há alunos prejudicados, sem atividades culturais e lúdicas que os favorecem em ternos de capital humano, face aos que pertencem a famílias que sabem muito bem como podem substituir a escola.

Proposta

Relativamente a estas questões, julgamos que seria desejável um maior (e melhor) equilíbrio entre os períodos escolares. Ao longo do ano, para além das férias entre os diferentes períodos, são necessárias pausas curtas (por exemplo, uma semana no Carnaval), que permitam aos alunos descansar e aos professores realizarem tarefas de natureza administrativa e burocrática, incluindo questões ligadas ao desenvolvimento do currículo).

Quanto às férias de verão, podem não ser excessivas, pois alunos e professores chegam a junho exaustos e com pouca energia. O que poderia ser repensado seria o tipo de atividades dinamizadas pelas escolas no final do ano letivo, privilegiando, em particular, atividades de natureza mais prática. Não há razão suficientemente defensável para que o ano escolar não comece em inícios de setembro.

Portugal é um dos países com o calendário escolar mais extenso e com maior carga letiva. Porém, os nossos resultados académicos – considerando, por exemplo, as tão afamadas avaliações externas como o PISA – estão na média europeia. É evidente que este tema deve levar-nos a refletir sobre a necessidade de mais pausas para descanso, um maior equilíbrio entre os períodos escolares, além de uma revisão das práticas de forma a respeitarem o desenvolvimento das crianças e dos jovens, bem como os tempos de trabalho e de descanso dos professores.

É também fundamental uma reflexão, ao nível das políticas públicas, sobre os apoios dados às famílias para acompanharem os períodos de férias dos seus filhos. As crianças precisam, sem dúvida, de férias fora da escola – mas nem todas as famílias têm condições financeiras para pagar atividades ou garantir apoio familiar durante esses períodos. Assim, é necessário criar condições que permitam aos pais de crianças, pelo menos até aos 12 anos, estarem com os seus filhos durante as férias. Esta medida poderá ter, a curto prazo, implicações económicas negativas, mas acreditamos que trará benefícios a longo prazo, contribuindo para um desenvolvimento mais saudável das nossas crianças e jovens.