Os Luanda Leaks expuseram os esquemas do império de Isabel dos Santos, mas a enxurrada de informação com que temos sido confrontados leva a que existam ângulos mortos em relação a outros casos relacionados com Angola. E não me refiro apenas a situações protagonizadas por outras figuras da elite de Luanda, mas ao que aconteceu com a participação de 25% que a Portugal Telecom (PT) detinha na operadora angolana Unitel. Esta participação, que a PT entregou à Oi em 2014 com um desconto na avaliação, devido aos conflitos que existiam entre acionistas da Unitel, foi vendida há dias à Sonangol por mil milhões de dólares. Após este negócio, os gestores da Oi pretendem pagar a si próprios um bónus de 100 milhões de reais.

O encaixe bilionário da Oi com a venda da Unitel era o capítulo que faltava na incrível história de destruição de valor ocorrida numa empresa que foi um símbolo do país no mundo. O fim da PT merece figurar numa antologia de grandes patifarias empresariais do século e devia servir de advertência para quem ainda defende as golden share e o capitalismo de compadrio que vive da promiscuidade entre política e negócios.

Durante anos, a PT investiu capital e know how para transformar a Unitel numa das telecoms mais rentáveis do continente. Mas a sua principal sócia nessa cash cow em Angola chamava-se Isabel dos Santos, com outros 25%. A partir de certa altura, a empresária passou a controlar a gestão da Unitel e, em 2011, suspendeu o pagamento de dividendos à PT. Desde então, a Unitel acumulou uma dívida de mil milhões de dólares.

Com Isabel dos Santos fora de jogo, a Unitel passou a ser controlada pela Sonangol, que prometeu dar cumprimento à decisão do tribunal arbitral que obriga a Unitel a pagar os dividendos atrasados. Porém, já vem tarde, pois a PT de 2011 já não existe.

Com a benção de Lula e de Sócrates – que usou a golden share para vetar a primeira tentativa de venda da Vivo à Telefónica, para obrigar a PT a encontrar uma alternativa no Brasil – a operadora investiu na Oi metade da fabulosa soma de 7,5 mil milhões de euros que recebera dos espanhóis. Na altura, a Oi já era vista no mercado como uma empresa problemática.

De seguida, em maio de 2014, teve início a fusão entre as duas empresas, tendo a PT entregue à Oi a sua operação em Portugal, a Unitel e todos os outros ativos em África e na Ásia. Descontada a dívida, o negócio avaliava estes ativos em apenas dois mil milhões de euros, ficando os acionistas da PT com o equivalente a 39,7% da nova operadora.

Porém, tudo mudou quando no verão desse ano teve lugar o colapso do Grupo Espírito Santo (GES) e a resolução do BES. A PT, que investira quase 900 milhões em papel comercial do GES (seu principal acionista), foi arrastada. Ricardo Salgado foi colocado fora de jogo, tal como Bava e Granadeiro. E os brasileiros, dizendo-se desconhecedores dos empréstimos ao GES (o que é contrariado por correspondência trocada com Ricardo Salgado, que foi divulgada pelo “Expresso”), exigiram renegociar a fusão.

Nos meses que se seguiram, os brasileiros da Oi deram início à venda dos despojos. Primeiro, a PT, agora com uma gestão onde pontificava o homem forte da Ongoing, Rafael Mora, aceitou o novo acordo com a Oi. Após isso, os brasileiros, já com a faca e o queijo na mão, venderam a PT Portugal à Altice, por 7,4 mil milhões de euros. Os outros ativos do grupo fora do Brasil acabaram também por ser vendidos, matando de vez o sonho da grande operadora lusófona em que assentava o acordo de fusão entre os dois grupos.

Com a venda da operação portuguesa, a holding PT SGSP passou a chamar-se Pharol, uma entidade que hoje se confunde com uma comissão liquidatária e cujo maior ativo são uns irrelevantes 5% da Oi.

A majestática Portugal Telecom morreu assim de forma inglória, vítima da ganância de alguns acionistas e de um negócio onde, em troca de uma ilusão, deu tudo aquilo que tinha e não tinha. Enquanto isso, a Oi ficou na Unitel e vai ganhar mil milhões de dólares com uma posição que recebeu com uma avaliação que correspondia a cerca de metade deste valor. Feitas as contas, foram parar à Oi – e sobretudo a alguns dos seus acionistas, que usaram o negócio para limpar dívidas antigas -, mais de 12 mil milhões de euros em investimentos da PT e receitas da venda dos ativos desta última (ou seis mil milhões, se descontarmos a dívida da PT Portugal em 2014). Uma destruição de valor que não teria sido possível sem a ajuda de pessoas-chave deste lado do mar. Mas, surpresa, ainda ninguém foi responsabilizado.


Artigo corrigido às 9h00 de 31 de janeiro, com a informação de que os dividendos em atraso da Unitel já estão incluídos nos mil milhões de dólares que a Oi vai receber. E ainda com a informação sobre a dívida da PT Portugal em 2014.