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O Costa d’África

Costa e Silva é uma sumidade nas ciências geológicas, competente e conhecedor dos dossiers enquanto gestor, profundamente culto como humanista, e arguto em termos de planeamento e estratégia.
23 Junho 2020, 07h15

“Já estamos a ganhar 1-0 ao Nacional”. Estas foram as primeiras palavras de António Costa e Silva, ansioso ao olhar para um dos primeiros smartphones que surgiram no mercado, após uma entrevista que lhe fiz, há tanto tempo que parece um episódio tirado de outra vida. O seu brilhantismo e comprovado benfiquismo fez-me sugerir imediatamente uma possível candidatura à liderança do Glorioso, utopia que elegantemente afastou de imediato. Serve esta introdução para revelar que, contrariamente a 99% dos comentadores, que têm repetido indistintamente ” não o conheço pessoalmente mas parece-me muito competente”, eu já estive in loco com o homem mais falado da actualidade nacional.  A história pessoal de Costa Silva tem sido recuperada nos últimos dias, desde a simpatia de extrema esquerda na juventude, à militância em movimentos fundadores da nacionalidade Angolana, à tortura física e psicológica de que foi alvo ( relembre-se que foi vítima  de simulações de fuzilamento, encapuçado), à sua vida académica e excelência enquanto gestor. Mas há, porventura, pormenores muito interessantes numa pessoa com traços desconcertantes, para aqueles que têm o defeito de associar o prestígio técnico de que goza, com algum tipo de cinzentismo. O Costa e Silva que conheci não é assim. Desde logo pelo episódio ocorrido quando o contactei para a entrevista, sabendo que viria à Madeira proferir uma conferência.
Por uma razão que o tempo já esqueceu, consegui o seu número de telemóvel (algo que hoje terá algum valor, imagino!) e, quando lhe liguei, Costa e Silva responde-me com um surpreendente “Estou a presidir a um exame de pós-doutoramento, mas logo que possa, devolvo-lhe a chamada, pode ser?”. Claro que pode ser, professor. Desculpe lá eu por estar a interrompê-lo em momento tão importante.
Da minha conversa com Costa e Silva, quando o fui buscar do Hotel para o Estúdio, durante a gravação, e quando o devolvi aos ocasionais aposentos, pude comprovar tudo aquilo que antevia: Costa e Silva é uma sumidade nas ciências geológicas, competente e conhecedor dos dossiers enquanto gestor, profundamente culto como humanista, e arguto em termos de planeamento e estratégia. Arrisco até que muito próximo da minha área ideológica (nada de estranho naqueles que, da sua geração, militaram na extrema-esquerda). Quando se fala que Costa e Silva pode ser uma espécie de “paraministro”, “supraministro”, conselheiro do primeiro-ministro, ou futuro ministro da economia (é curioso como Costa arranja sempre alguém de fora para fazer o trabalho de facto do titular da economia), o que posso dizer é que o Presidente da Partex seria melhor Ministro que a actual tutela da economia. Mas também seria melhor que o responsável das infraestruturas. Seria mesmo melhor no cargo do que a actual ministra da Cultura. E só não digo o mesmo relativamente às finanças pois a contabilidade pública tem labirintos que se revelam imperscrutáveis até mesmo para o mais destacado gestor privado.
Sendo insuspeito de apoiar António Costa, não consigo encontrar melhor escolha para planificar o jackpot do fundo de recuperação europeu que Bruxelas (em princípio) nos dará, já a partir do início do próximo ano.
O problema, claro está, é o do costume na política. Se falamos de Costa (sem Silva) ainda mais: coerência. Vou enfileirar o eco que lembra as críticas à “chamada” de António Borges por parte de Passos, em 2012, para função similar e externa ao governo. Eram as instituições e o escrutínio democráticos que estavam em causa, na altura. Tudo esquecido agora.

Engolido pela deriva Ideológica

É pertinente lembrar que a missão mais relevante de Costa e Silva, a Partex, sofreu mudanças revelantíssimas nos últimos anos, fruto da pressão e deriva ideológica, que o gestor contestou, e que motivou a que a empresa anunciasse o fim do investimento no país em que tem a sede, no dia dos namorados de 2018. O motivo invocado baseava-se na rescisão por parte do “governo de esquerda” dos contratos de exploração de hidrocarbonetos na plataforma continental portuguesa, nomeadamente após o polémico caso do Algarve. Costa e Silva dizia nesse momento que os contratos tinham partido de um pressuposto de “reindustrialização e criação de riqueza”, obra de um “ministro com visão” chamado Álvaro Santos Pereira, enquadramento entretanto alterado após a entrada em cena de “um governo mais preocupado com a pressão de autarcas e de alguma opinião pública”. Costa e Silva dixit. Os projectos no Alentejo e em Peniche foram igualmente encerrados.
Dir-se-ia que estes tipo de investimentos estão em contra-ciclo com a visão de um mundo descarbonizado. Não posso concordar, como não concordava o agora conselheiro de António Costa. A viragem de um mundo assente em hidrocarbonetos faz-se de passos seguros e bem suportados. E o mundo tem de se mover enquanto o paradigma verde não toma definitivamente conta dos mecanismos de propulsão da vida contemporânea. Veja-se o exemplo da Noruega, porventura o maior produtor de petróleo e gás natural da Europa. Os proveitos do seu comércio alimentam um fundo soberano que, além de investimentos em dívidas de outros países, financia um série de programas de economia verde.
Era essa a visão de Costa e Silva.
Mas a mesma deriva ideológica que dinamitou os investimentos exploratórios em Portugal, precipitou a venda deste histórico activo da Fundação Calouste Gulbenkian a um grupo Tailandês. Aparentemente, a actual gestão do legado do filantropo arménio considerou que ter 20% do seu financiamento proveniente duma petrolífera não se enquadrava com o novo paradigma do politicamente correcto. Encaixou 555 milhões de euros da PTT Exploration and Production, que lhe garantirá a sobrevivência durante uns anos… e depois vê-se. O Grupo asiático garantiu a manutenção da sede em Portugal, essencialmente devido à expertise da equipa montada pelo novo dom Sebastião do futuro de Portugal. Se este sair, nomeadamente para o Governo, poderemos perder para sempre um centro de decisão que, por exemplo, tem parte dos interesses petrolíferos do Iraque e de Abu Dhabi.
Aos Antónios Costas (principalmente o Silva) desejo as maiores das fortunas, até porque os proclamados 26 mil milhões são pavlovianamente salivados pela nossa economia como balsa de salvação. Não esquecer que esta jangada Atlântica de onde vos escrevo tem legítimas expectativas no pacote em questão. Se aplicarmos o factor população, como noutros fundos comunitários, serão cerca de 715 milhões, entre subsídios a fundo perdido e instrumentos financeiros, que nos caberão. Se a ponderação incluir PIB, Dívida Pública e descontinuidade territorial, talvez seja um pouco mais. Aguardemos, atentos.

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