Perturbando a paz e sossego de veraneantes e turistas a gozarem os últimos dias de férias, a cidade costeira francesa de Biarritz recebeu nos últimos dias a cimeira anual do Grupo dos 7 (G7). Este grupo é composto pelos líderes da Alemanha, Canadá, Estados Unidos da América (EUA), França, Itália, Japão, Reino Unido, e União Europeia (UE).

De 1997 a 2014, o G7 havia sido renomeado G8 para incluir a Rússia mas, após a anexação da Crimeia pelo regime de Vladimir Putin em 2014, deixou de fazer parte do grupo. Esta cimeira foi igualmente aberta a outros líderes mundiais vindos da Austrália, Índia, Egito, Espanha e África do Sul, entre outros, que foram convidados a participar em reuniões bilaterais para discutir tópicos específicos. Finalmente, o ministro dos Negócios Estrangeiros do Irão foi também convidado para discutir os próximos passos do acordo nuclear.

Recebidos pelo presidente francês Emmanuel Macron – a França detém em 2019 a presidência rotativa do G7 –, os líderes do G7, bem como os outros líderes convidados, tinham em cima da mesa inúmeros temas essenciais para a estabilidade global, tais como o acordo nuclear iraniano (e uma iniciativa francesa para trazer o regime de Teerão de novo para a mesa das negociações), as crescentes guerras comerciais ou a luta contra as alterações climáticas. Na cimeira foram ainda discutidos os recentes desenvolvimentos em Hong Kong (ainda que sem a presença da China), a crise na Venezuela e um desejável cessar-fogo na Líbia.

Uma das prioridades centrais da política de Macron é a implementação do Acordo de Paris sobre as alterações climáticas, o qual os EUA decidiram abandonar em 2017. Assim, e motivado também pela recente calamidade dos incêndios na Amazónia, bem como em vários países africanos, a luta contra as alterações climáticas teve lugar de destaque durante a reunião do G7, com o grupo a comprometer-se com pelo menos 20 milhões de euros para combater os fogos no Brasil, a discutir medidas adicionais para reduzir a poluição causada por plástico e a formalmente adotar a Carta de Metz para a Biodiversidade (que havia sido acordada em maio de 2019).

Revelador da falta de interesse de Trump em responder a estes desafios foi a sua ausência da reunião sobre o tema das alterações climáticas. Apesar de ter procurado justificar a ausência com conflitos de agenda (teria agendadas reuniões bilaterais com a Alemanha e a Índia para a mesma hora), o que é certo é que os líderes destes dois países participaram na reunião em causa. Isto gerou uma embaraçosa fotografia com a cadeira americana vazia a demonstrar inequivocamente a falta de interesse do governo americano neste tópico.

Aliás, muitos viram nesta imagem uma metáfora que representa a liderança diminuída dos EUA no clube das democracias mais desenvolvidas do mundo assim como na esfera internacional.

No fim da cimeira, e ao contrário do que era habitual, o G7 emitiu uma curta declaração com uma lista de tópicos discutidos e alguns pontos acordados em vez da tradicional declaração conjunta, usualmente mais desenvolvida e detalhada. Isto evitou uma possível repetição do que sucedeu em 2018 na cimeira do G7 no Canadá, quando Trump retirou o seu apoio à declaração conjunta já depois de estar finalizada. Aliás, situação semelhante já havia ocorrido depois da reunião de junho passado do Grupo dos 20 (um fórum internacional que junta os 19 países mais desenvolvidos do mundo e a UE), onde todos os países, exceto os EUA, aprovaram uma declaração sobre alterações climáticas.

Nesta cimeira do G7 tornou-se ainda mais evidente que Donald Trump é o principal elemento desestabilizador da ordem internacional, não só por causa dos conflitos comerciais que começou – com a China, o México, o Canadá e a EU, entre outros –, da sua aproximação a Boris Johnson para “empurrar” o Reino Unido para fora da UE e para um acordo comercial com os EUA, das divergências quanto à forma de lidar com a Rússia, mas também devido à sua decisão de abandonar o acordo nuclear com o Irão e o Acordo de Paris sobre as alterações climáticas.

Trump considera a questão climática meramente secundária, e não quer deixar de explorar todos os recursos naturais disponíveis (carvão, gás, petróleo, etc.), sendo este o principal motivo da intenção na “aquisição” da Gronelândia, motivo de chacota internacional, daí que, mesmo sem a presença da China, a sua prioridade durante esta cimeira tenha sido o comércio internacional.

O presidente americano chegou a Biarritz para discutir questões económicas, e em particular para convencer Macron a abandonar a ideia de taxar as empresas americanas do setor tecnológico (os chamados “tech Giants”, como a Google ou a Apple), e para exigir à Índia para baixar as suas tarifas comerciais. Durante a cimeira Trump também deu sinais contraditórios quanto ao futuro da guerra comercial com a China, que agora parece mais próxima de uma resolução com as partes perto de retomar negociações.

O primeiro mandato de Trump como presidente americano tem sido marcado por políticas destinadas a isolar os EUA de grande parte do consenso global, sem oferecer um caminho alternativo para a solução de problemas globais. Assim, a sua doutrina “America first” tem levado a que os EUA se encontrem cada vez mais isolados e a divergir dos seus aliados tradicionais em múltiplos tópicos, e, ao mesmo tempo, mais próximos de regimes autoritários como a Rússia ou até a Coreia do Norte. Esta situação é preocupante, e parece claro que o resto do mundo espera ansiosamente pelas eleições presidenciais americanas de 2020 como forma de regressar a uma situação de normalidade internacional.

Infelizmente, e olhando para a boa saúde da economia americana e para a ausência de um líder democrata capaz de galvanizar e unir o partido e alargar a respetiva base de apoio –Joe Biden não parece inspirar os membros do seu partido, enquanto tanto Bernie Sanders como Elisabeth Warren propõem políticas demasiado à esquerda para o eleitorado em geral –, é perfeitamente possível (e até provável) que Trump seja eleito para mais quatro anos. Se tal suceder, situações com as verificadas na cimeira do G7 acontecerão de novo, e mais cedo ou mais tarde futuras cimeiras poderão ser canceladas (ou deixar de incluir representantes americanos em determinadas reuniões).

Até aqui os restantes líderes internacionais procuraram lidar com Trump de forma cautelosa, provavelmente a pensar que só teriam de lidar com este tipo de comportamento por um curto período de tempo. Se tal não se verificar, e se o mundo tiver de lidar com mais quatro anos de incerteza e dúvida, estruturas essenciais como o G7, o G20, a Organização Mundial do Comércio ou a NATO poderão ser postas em causa pelo isolacionismo preconizado pela Casa Branca e dar espaço à China e à Rússia para aumentar a sua influência.

Assumindo a próxima presidência do G7, os EUA terão a responsabilidade de organizar a próxima cimeira, que terá lugar em 2020, imediatamente antes das próximas eleições presidenciais americanas. A administração Trump terá um papel essencial em determinar a agenda e tópicos principais para discussão. Recordando o sucedido em 2018 e 2019, parece inevitável que os outros membros do G7 continuem a discutir tópicos como as alterações climáticas, o que poderá levar a uma situação em que o anfitrião Trump se encontre à parte destas discussões, o que seria, sem dúvida, embaraçoso.

Em acrescento, e para além do local onde a cimeira terá lugar – Trump já publicamente defendeu que a reunião deveria ter lugar numa propriedade sua em Miami, Florida – o presidente americano defende a ideia de incluir de novo a Rússia de Putin neste seleto clube de nações. Veremos se os outros membros do G7 terão força suficiente para o impedir ou se, pelo contrário, Trump conseguirá reintegrar a Rússia no G7 e prosseguir uma política de, ao mesmo tempo, alienar aliados tradicionais enquanto se aproxima perigosamente de inimigos declarados do denominado mundo livre e democrático.