O Dragão é o único ser mitológico que tem lugar na dimensão astrológica tradicional chinesa. Existem doze signos no zodíaco chinês, todos animais, com exceção do Dragão. Este é o ano do Dragão e desenvolveram-se diversas atividades mundo fora para comemorar esse dia de transição para um novo ano. Fosse na China ou nas comunidades de diáspora, esse dia assinalou-se com a devida relevância que a cultura tradicional chinesa lhe reconhece.

O Ano Novo Chinês representa o renascimento, a passagem do inverno para a primavera e a esperança renovada de boas colheitas. No caso do Dragão, o signo é reconhecido como o mais forte do zodíaco, trazendo um ano auspicioso, em que, com trabalho, permite todas as concretizações.

Associada a esta visão positiva de movimento progressivo existe, também, a de turbulência, ou seja, de anos de alguma forma disruptivos. Na história chinesa contemporânea ocorrem em anos do Dragão a morte de Mao Zedong ou a chuva de meteoritos que assolou o país, considerados factos disruptivos, mas que, podendo redirecionar a história, acabaram por iniciar processos de renovação relevantes.

De facto, 2024 apresenta-se desafiador, por várias razões, tais como a manutenção de dois conflitos armados que introduzem fatores de instabilidade e imprevisibilidade no quadro das relações internacionais. Ademais, surge um outro foco de instabilidade, o Mar Vermelho, com os ataques cirúrgicos dos hutis, impedindo a navegação habitual por aquelas paragens e o livre acesso ao Canal do Suez.

A acrescentar às contendas militares que mais perturbam a Ordem Internacional, é de assinalar os vários ciclos eleitorais que vão afetar quase todas as geografias do mundo. Em particular, na Europa e, mais especificamente na União Europeia, onde é expectável um Parlamento Europeu com uma constituição particularmente diferente da habitual, com uma maior presença de partidos anti-Europa e uma maior polarização política.

Também as alterações climáticas começam a provocar instabilidade nos ritmos produtivos e logísticos habituais, com a disrupção da tradicional rota do Canal do Panamá, devido à seca prolongada na América Central, e outros fenómenos climáticos extremos a ameaçar a segurança alimentar de diversas regiões do planeta.

Um mundo em transformação

Coincidência ou não, o signo chinês atribuído à maior parte do ano de 2024 é o Dragão, prevendo-se, por isso, alguma turbulência e mudança no mundo. Mesmo antes deste ano chegar, sabíamos que assim seria.

Os resultados destas possíveis alterações permanecem imperscrutáveis, mas percebe-se pela tendência que se tem vindo a afirmar que estaremos em presença de uma maior tendência para a polarização. A par da polarização incrementam os riscos de conflitualidade sempre que as partes com potenciais conflitos em curso ou a espoletar, encontrem em um dos múltiplos polos um apoio para a sua causa.

Portanto, mesmo ainda antes da entrada do Dragão em cena, já o mundo assistia ao aumento da imprevisibilidade e a indicadores de mudança, a qual pode tornar-se abrupta se os fatores de equilíbrio até agora estabelecidos forem rapidamente abalados.

Uma das questões é quem poderá beneficiar destes momentos de agitação e desequilíbrio? É claro que são as forças que esperam pelas disrupções para atuar.

Assim, nos cenários políticos internos, também se espera uma maior polarização política, associada a agitação social que vem tanto da disrupção das cadeias de produção e distribuição, causadas por razões várias que se estendem das alterações climáticas aos conflitos armados, como a uma reação negativa às políticas públicas tradicionais, consideradas desajustas e malsucedidas para resolver estes desafios paulatinamente mais globais.

Esta situação de insatisfação ao nível nacional, muito visível, por exemplo, nas recentes revoltas setoriais em quase todos os países, em que a dos agricultores se destaca pela sua transnacionalidade no seio da União Europeia, acompanha uma conjuntura de instabilidade internacional. Ambas contribuem para a mudança poder estar ao virar do próximo dia. Nesse sentido, o Dragão trará aquilo que já esperávamos, um turbilhão de argumentos, sensações, medos e surpresas.

Contudo, diz-se também que atrás de um desafio vem uma oportunidade. Quem poderá melhor aproveitar o ensejo deixado por esta instabilidade? Essa é a grande questão.

Entre ventos e marés, quem se salvará?

Nem sempre é claro quem pode sair vencedor de processos transformacionais. Por exemplo, quando a globalização económica se foi expandindo no mundo, esta foi implementada, sobretudo, a partir da orientação das potências ocidentais e com base no seu desenvolvimento económico. Contudo, à medida que a globalização decorria, países menos relevantes, que apareciam apenas como suporte não liderante do processo, acabaram por ganhar a sua importância.

O seu novo papel resulta de terem ao seu dispor mercados internos de mão de obra e consumo assinaláveis, de terem incorporado a lógica de mercado e nesta terem participado de forma ativa, de terem garantido transferência de conhecimento e de tecnologia e de conseguirem garantir a capacidade de gerar capitais próprios.

Países como a China, a Índia ou a Turquia passaram por este tipo de processo. Outras potências regionais crescem à sombra de ativos energéticos, como o gás natural ou o petróleo, que lhes permitem depois alavancar outros setores de atividade, como são, por exemplo, os casos da Arábia Saudita, do Catar ou dos Emirados Árabes Unidos.

Este crescimento é tributário da relevância que o setor energético veio a ter e da sua volatilidade e escassez, que obrigou os países empenhados no seu crescimento económico a criar estratégicas de conexão económica permanente a estas nações.

A novidade está na capacidade que estes países tiveram de capitalizar os seus esforços e de integrar a esfera internacional, agora reivindicando um papel mais ativo na governação regional e global. Deste modo, instituições como os BRICS, recentemente alargados, e o G20 ganham novas proporções e podem mesmo desafiar os equilíbrios estabelecidos ao longo de décadas.

Ao contrário das expectativas iniciais e até agora, elementos de disrupção como os conflitos militares, as tentativas de diminuição das interdependências e até as sanções económicas contra alguns destes países, não causaram um efeito de distensão das solidariedades estabelecidas em nome de um Sul Global que enseja por um lugar na governação dos destinos do mundo.

Mediante as perturbações verificadas até agora, as interdependências económicas têm-se mantido em larga escala e as potências globais do Sul Global parecem continuar a agir de forma concertada, ou seja, mantendo os seus objetivos de aumento da sua influência na esfera nacional e garantia de crescimento económico interno.

Nestes novos tempos e marés, que até obrigam a desviar dos canais que desde há muito encurtavam distâncias, o futuro é imprevisível, repleto de riscos, mas também traz transformações que poderão tornar-se uma oportunidade. Para quem ainda não sabemos. Neste ano, o Dragão mitológico trará mudança, é certo, e isso não será um mito, mas antes um ensejo para a ação dos que querem voltar ao status quo que se viveu até aqui e dos que almejam a sua alteração.