Provavelmente já todos ouvimos a expressão utilizada pela primeira vez por Edward Lorenz: “o bater de asas de uma simples borboleta poderá provocar um tufão do outro lado do mundo”.

Se a probabilidade de causa-efeito destes dois eventos é baixa, podemos apenas imaginar quais as consequências e ramificações por todo o mundo das continuadas subidas de taxas de juro por parte da Reserva Federal norte americana, em simultâneo com o conflito armado entre a Rússia e a Ucrânia, que tem polarizado o mundo em torno dos EUA e seus aliados, incluindo a NATO, ou em torno da Rússia e seus parceiros, China e Coreia do Norte.

O impacto poderá até ser ampliado, uma vez que tais eventos têm lugar num contexto de saída de uma pandemia que danificou as cadeias produtivas e a capacidade de resposta logística em todo o mundo, onde a inflação foi anormalmente baixa durante mais de dez anos e as taxas de juro foram zero ou negativas durante um longo período de tempo, levando países, empresas e particulares a tomarem valores de dívida muito acima do que seria recomendável.

Paralelamente, a China tem sido um dos principais motores do crescimento mundial, tendo alcançado, nos últimos 20 anos, taxas de crescimento do seu PIB muito superiores às da economia mundial (por decreto?), o que lhe permite já hoje começar a ameaçar a hegemonia económica e militar dos EUA. No entanto, numa altura em que seria importante manter-se como farol do crescimento económico mundial, o modelo chinês parece estar agora a enfrentar as consequências de alguns problemas do seu passado recente, que foram crescendo por nunca terem sido debelados pela política interna de crescimento obrigatório e de afirmação mundial.

O elevado nível de investimento e especulação imobiliária, a política de Covid Zero, a necessidade de afirmação como potência regional dominante, a acumulação de financiamento em dólares por parte das maiores empresas e de algumas das suas regiões são fatores que, na atual conjuntura mundial, fragilizam a capacidade chinesa para responder aos desafios externos ao mesmo tempo que mantém a anterior trajetória de prosperidade.

No que toca à afirmação como potência dominante regional, o recente incidente criado pela visita de Nancy Pelosi a Taiwan (território reclamado pela Chinapolítica de Covid Zero), especialmente no ano do 20º Congresso do Partido Comunista Chinês (PCC) – e numa altura em que existe alguma contestação interna pela política de Covid Zero e pela falência de algumas promotoras imobiliárias (só a Evergrande tem 19,2 mil milhões de dívida em dólares colocada fora da China, fora os compromissos locais) que colocaram pressão no setor bancário, ao ponto de alguns depósitos terem sido congelados e os depositantes terem deixado de pagar as suas hipotecas sobre propriedades ainda em desenvolvimento – trouxe ao de cima a capacidade chinesa para responder de forma musculada às provocações ocidentais.

A criação de um inimigo externo comum ajudaria a narrativa interna do PCC e o reforço do mandato do Presidente Xi, pelo que a China, entre várias medidas, optou pelos maiores exercícios militares de sempre junto a Taiwan; após a partida de Nancy Pelosi, suspendeu as exportações para Taiwan, nomeadamente de areia de sílica que serve de base à maior indústria da ilha – a indústria de semicondutores – e anunciou que as maiores empresas públicas chinesas, como a Sinopec, a PetroChina e a China Life, somam mais de 300 mil milhões de dólares de capitalização bolsista e que os respetivos ADR vão sair da bolsa de Nova Iorque.

Tudo isto ao mesmo tempo em que a economia falha as previsões de crescimento e o Banco Central Chinês tem de cortar taxas de juro para apoiar a economia em contraciclo mundial.

Assim, o país que poderia estar mais preparado para aproveitar a baixa preparação do Ocidente para enfrentar choques económicos e energéticos, bem como o seu elevado nível de endividamento, acaba por se encontrar também numa situação frágil, devido a problemas não endereçados e cuja dimensão é de difícil avaliação, devido à opacidade dos indicadores relativos à economia chinesa.

A China é, sem dúvida, um destino de investimento a considerar no médio e longo prazos mas, de momento, para quem não conhece ou não tem a capacidade para avaliar os riscos envolvidos nesta alocação, será recomendável um acréscimo de prudência, inclusivamente pela possibilidade de, em caso de conflito, poder ver o seu capital imobilizado durante vários anos, à semelhança do que acontece atualmente com os investimentos financeiros na Rússia.