As dificuldades a que temos assistido no controlo da pandemia mostram como é fácil cair na armadilha da propaganda. Após o sucesso na primeira fase da pandemia, o país entrou numa espécie de wishfull thinking coletivo, segundo o qual seria possível desconfinar quase sem risco, se utilizássemos máscaras e evitássemos ajuntamentos. Até poderíamos – pasme-se – ir à discoteca para dançar no nosso quadradinho. Os casos que iam aparecendo deviam-se certamente à ignorância e à falta de higiene, pois Portugal é clean and safe.

Os pobres que vivem em alguns bairros da periferia de Lisboa, que já eram alvo de discriminação, sofrem agora com o estigma que na Idade Média era reservado aos leprosos e aos pestilentos. São o bode expiatório perfeito para alimentar o nosso mecanismo de defesa coletivo, tal como antes o foram os nortenhos a quem um triste oráculo televisivo atribuía pouca educação.

De resto, assistindo a algumas notícias que passam nas televisões, ficamos a saber que existem ajuntamentos ‘bons’, protagonizados por gente fina e aparentemente imune à pandemia, a quem a DGS atribui um selo de sanidade. E depois existem os ajuntamentos ‘maus’, que reúnem aquelas pessoas que não têm militâncias ou ativismos. Tal como existem países maus, governados por loucos que vomitam disparates e onde as pessoas caem como tordos, em contraste com outros onde – milagre – parece que ninguém morre.

Na verdade, a Covid-19 é uma doença tão contagiosa como democrática, que não olha a classes sociais, escolaridade, ideologias ou profissões. Mesmo tendo todos os cuidados, qualquer pessoa corre o risco de ser contaminada. Basta sair à rua. Não acontece apenas aos outros e não é crível que, numa metrópole como a Grande Lisboa, onde milhões de pessoas se deslocam diariamente entre diferentes autarquias, seja possível compartimentar o vírus em duas dezenas de freguesias. É uma pandemia e não existem soluções infalíveis, fáceis ou indolores.

Por outro lado, a economia não vai voltar ao normal só porque queremos que assim seja, pois enquanto a doença estiver à solta os turistas não vão regressar, as lojas e os restaurantes não terão clientes em número suficiente e as empresas não vão laborar como antes. Quantos mais novos casos da doença surgirem, mais tempo a situação se arrastará e pior será em termos económicos.

Claro que o país não pode ficar fechado e temos de desconfinar, tomando as precauções humanamente possíveis, mas há que encarar a realidade tal como é, com otimismo, mas sem ilusões. A propaganda é útil para mobilizar esforços e passar para o estrangeiro a ideia de que o país é seguro. Mas, no fim do dia, a realidade tem sempre mais força. E o Presidente da República e o Governo, que desde o início têm feito uma gestão competente desta crise, não podem agora cair no erro de acreditar na própria propaganda, como se viu na decisão de trazer a Liga dos Campeões para Portugal, sob pena de se agravar a situação.