Conhecido colunista, polemista e crítico das atuais políticas para a Educação, Santana Castilho, com 43 anos de atividade docente, considera que o sistema de ensino é baseado em experimentalismos. O homem que foi subsecretário de Estado dos Assuntos Pedagógicos de Fraústo da Silva no Ministério da Educação e das Universidades, no governo de Francisco Pinto Balsemão, e consultor do Banco Mundial, da União Europeia e da Unesco, analisa o estado atual da educação.
Há 44 anos, o principal problema da educação em Portugal era o analfabetismo. A batalha foi vencida. Hoje qual é o maior problema?
São muitos, mas dir-vos-ei que o maior problema está nos políticos com responsabilidade pela educação não perceberem do que é que se fala quando se fala em educação.
Como assim?
A educação tem uma série de problemas enormes, mas o primeiro é o país ter políticos que percebam que as políticas de educação não dão resultados imediatos. É o que podemos ver agora com uma série de iniciativas completamente desastradas. E sempre que querem fazer isso, quem perde é o país. Aquilo que nos falta é uma política para o país que tem, necessariamente, que ser a longo prazo e consensual. É uma palavra gasta mas necessária. E é neste quadro que eu vejo a necessidade, de um ponto de vista político, de deixarmos de ter cenários de competitividade, de conflitualidade na educação e de nos entendermos sobre aquilo que é fundamental num sistema de ensino. Não gosto de falar num sistema de educação, porque educação e ensino são coisas diferentes. É sistema de ensino.
Sim, mas não podemos encarar a iliteracia a todos os níveis da sociedade como o maior problema a carecer de solução?
É. Há muitos problemas dentro de uma sala de aula. Uns são originários do próprio contexto de aula e outros vêm de fora, mas influenciam terrivelmente o que se passa na sala de aula. Hoje discute-se muito a questão do aluno do século XXI, do cidadão do século XXI, a flexibilidade curricular, os meios e os materiais de ensino, o choque geracional, a dicotomia entre a valorização intrínseca do conhecimento e a valorização das pedagogias e das práticas. Tudo isto nos remete para o primeiro problema: o Governo tornou gratuitos os manuais escolares para todos os níveis de ensino obrigatório. Um disparate que só quem não percebe nada dos problemas da educação, nem tem uma visão sistémica do país faz. Seria bom termos ensino totalmente gratuito? Obviamente que sim. O Luxemburgo acaba de tornar gratuitos os transportes públicos para todos os luxemburgueses. Seria bom que em Portugal também fosse assim? Obviamente. Seria bom não termos 1,2 milhões de portugueses no limiar da pobreza? Sim. Mas permanece a velha questão: temos dinheiro para tornar tudo isto gratuito…?! Os puristas da Constituição dirão que está escrito na Constituição, que o ensino obrigatório, que são 12 anos nesta altura, deve ser tendencialmente gratuito. Mas quantas coisas estão escritas e não são cumpridas?
Qual é o problema em relação aos manuais escolares?
Nenhuma criança ou jovem, em Portugal, deixava de estudar por não ter manuais à sua disposição. Quem não tinha dinheiro para os pagar, o Estado através da ação social escolar disponibilizava esses livros. Mas o que este sistema vai dar é uma despesa do erário público da ordem dos 120 a 140 milhões de euros, que vai ter como consequência que os netos do falecido Belmiro de Azevedo ou do falecido Amorim tenham manuais gratuitos. Entretanto há milhares de crianças que chegam à escola sem alimentação suficiente, com fome – um problema na sala de aula. Por outro lado, propinas do ensino superior gratuitas – é a discussão de agora. Obviamente que aprovaria essa medida se tivesse dinheiro, mas não é prioritária. Gerir é isto, definir o que é prioritário. Se não podemos aceder a tudo, temos de fazer escolhas.
Afinal, o que é fundamental num sistema de ensino?
Fundamentalmente, é um conjunto de conhecimentos que uma geração mais velha e madura transmite e define como sendo essencial fornecer a todos os cidadãos, isto do ponto de vista da organização do Estado. Toda a investigação feita no domínio da psicologia cognitiva diz-nos coisas absolutamente incontornáveis. Depois, a investigação no domínio da pedagogia, que não é uma ciência mas uma área de atuação social, que se serve de uma série de ciências. No caso da pedagogia especulativa, que nos diz milhentas coisas, estamos perante… demagogia. Um exemplo concreto é o atual secretário de Estado da Educação que é um demagogo de primeira linha, que apanha uma série de diletâncias da pedagogia e tenta impô-las no sistema educativo, não respeitando a autonomia pedagógica e científica que os professores devem ter.
No fundo, não conhecemos um método que seja “O” método. Temos muitos métodos, e depois? Depois um professor deve, perante o aluno, escolher a pedagogia que melhor se adapta a esse mesmo aluno.
Em síntese?
O valor intrínseco do conhecimento e a preponderância das metodologias e da pedagogia têm aparecido na história do sistema de ensino quase com uma atitude bipolar.
Hoje em dia, a educação de um jovem na escola passa mais pela tabuada ou pelos meios tecnológicos?
O mecanismo de aprendizagem não é diferente da criança de há 200 ou 300 anos. A ideia que tem passado é que meter um iPad na mão, pôr uns pufs nas escolas e mais umas tonterias deste tipo, modificam a maneira como as crianças aprendem. Mas isso não modifica coisíssima nenhuma. Pelo contrário, prejudica. Um exemplo. Nuno Crato é um homem que valoriza o valor intrínseco do conhecimento. Aí eu estou com ele. É importante o valor do conhecimento, porque a maneira como o cérebro de uma criança aprende hoje, os chamados nativos digitais, em termos de neurociência, diz-nos que o seu cérebro não aprende.
Terá Portugal um sistema educativo baseado em experimentalismos, que serve de tubo de ensaio a cada legislatura?
Sem dúvida. Experimentalismos motivados por puro ‘achismo’. Há uns rapazes que um dia se veem secretários de Estado ou ministros, que estudaram pouco, que leram pouco e que acham que é assim. E ao acharem que é assim, irresponsavelmente, colocam no sistema de ensino uma série de iniciativas completamente destituídas de sentido.
O secretário de Estado, agora, diz que criaram um indicador que tem alguma sustentabilidade estatística e que agora o terceiro ciclo de avaliação das escolas vai ter aquele indicador como peça fundamental. Basicamente estão a falar da chamada inclusão.
Aquilo que é responsabilidade da escola e do sistema de ensino é definir um conjunto de conhecimentos que todos devem preferencialmente ter. O Estado não pode certificar a ignorância, nem dar um diploma de ensino secundário a quem não termine o ensino secundário, provando que sabe aquilo que é suposto saber. O problema está no facto de crianças e jovens chegrem à escola em situações de partida completamente diferentes.
Qual é a responsabilidade do Estado?
Certamente não é dar as mesmas oportunidades a todos. É dar oportunidades diferentes em função do ponto de chegada à escola. Isto é, o filho de um casal desestruturado e disfuncional pode ter uma condição inata fabulosa que vai ser sempre condenado pelo meio em que nasceu e pelas carências económicas da sua família, nunca será salvo pelas suas qualidades inatas. É esta a obrigação do Estado – e sei, evidentemente, que estou a falar no domínio da utopia, mas deve ser este o objetivo do Estado. Dar a cada criança aquilo que ela necessitar para tornar em ato as suas potencialidades.
O que fica deste Governo na área da Educação a oito meses das eleições?
Fica, para já, a questão das propinas. É uma medida eleitoralista e populista.
Quem tem perdido mais na questão educativa: o aluno, o professor ou a política?
Claramente, perde o país.
Onde se encontram as maiores fragilidades: no ensino primário, secundário, superior ou profissional?
Há fragilidades em todos os níveis da escolaridade, mas a maior encontra-se no ensino básico, porque é aí que tudo começa em termos de estruturação e maturação do aluno.
No ensino secundário há escolhas que têm de ser feitas. O que se sente é que essas escolhas limitam o aluno, em vez de lhe abrir horizontes. Concorda?
As escolhas devem pertencer ao aluno, naturalmente.
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