A mudança de comportamento, por opção ou indução, marca a forma de estar do ser humano desde sempre. E se até há bem pouco tempo o “AP-DP” – antes da pandemia, depois da pandemia – era uma constante na nossa narrativa, o pendor para esquecer episódios mais desagradáveis abriu caminho a novos comportamentos, ou acelerou outros.
O turismo é também espelho disso. É certo que as macrotendências no setor do turismo serão confirmadas ao longo do ano, mas comecemos por lembrar que o barómetro da Organização Mundial do Turismo (OMT), relativo ao turismo mundial, evidencia que as chegadas internacionais alcançaram, no primeiros trimestre de 2023, 80% dos níveis anteriores à pandemia Covid-19. As estimativas indicam que nesses meses, 235 milhões de turistas fizeram viagens internacionais, mais do dobro do que em igual período do ano anterior.
Os dados da OMT também ilustram a recuperação por sub-região, sendo que a Europa mediterrânica e do Sul, assim como o Norte de África, regressaram aos níveis pré-pandemia no primeiro trimestre de 2023, enquanto a Europa Ocidental e do Norte, a América Central e as Caraíbas estão muito perto de alcançar esses níveis.
Mas, mais do que números, o que se pretende aqui é elencar as principais macro e microtendências identificadas a nível do turismo mundial e, em particular, no segmento de viagens. Uma definição simples de macrotendências remete para mudanças em grande escala que afetam diferentes segmentos da sociedade e do consumo, e que, em regra, correspondem a grandes inovações.
Dados de 2022 da ETC – European Travel Commission, OMT e Expedia Group, American Express e Altiant, identificam o turismo regenerativo como macrotendência. Falamos de quê? De uma mudança de valores que vai além da minimização de impactos proposta pela sustentabilidade. Ou seja, o turismo regenerativo parte do conceito de desenvolvimento regenerativo e procura não só conservar, mas também recuperar, resgatar e regenerar os diversos impactos negativos nos ecossistemas, culturas e indivíduos enquanto atividade turística. No fundo, é partir da transformação pessoal para impactar positivamente a recuperação de áreas naturais degradadas e/ou o desenvolvimento socioeconómico de destinos e comunidades locais.
As viagens com propósito também se enquadram nas macrotendências, segundo o IPDT Turismo (2022). Porquê? Porque cada vez mais as viagens têm subjacente a responsabilidade e contribuição positiva para as comunidades que recebem turistas, procurando estes preencher sentimentos como autorrealização e confiança. Já Jack Kerouac defendia o seguinte mantra: “Viva, viaje, aventure-se, abençoe e não se arrependa”. Ora, se muitos viajantes em todo o mundo têm descoberto o poder transformador que as viagens podem ter, o foco passou a ser “deixar o destino melhor do que encontrámos”, o que constitui, na prática um dos princípios do Turismo Responsável.
O nomadismo digital, de acordo com a Woba (2022) e a Digital Nomads (2023), soma e segue. Viajar e trabalhar remotamente é uma prática cada vez mais frequente entre os trabalhadores que procuram mais flexibilidade longe da rotina. Sendo um nicho que consome produtos e serviços no destino durante um maior período tempo, e que continua em crescimento, há destinos como Portugal, Espanha, Tailândia e México, por exemplo, que já apostaram no desenvolvimento de programas destinados a atrair os nómadas digitais.
A vontade de desacelerar e carregar “baterias” tem alimentado outra tendência que segue em crescendo, o slow travel. Ou seja, as viagens longas e mais tranquilas, onde o objetivo é fazer um reset à mente, ao corpo e ao espírito, têm conquistado cada vez mais viajantes, segundo dados de 2022 da OMT, European Travel Commission (ETC), Expedia Group, American Express e Altiant, para contrabalançar a sobrecarga e ritmo acelerado da sua vida profissional. Na prática, é ir além dos pontos turísticos tradicionais para apreender melhor o lugar e contribuir para a sustentabilidade do seu desenvolvimento.
O bleisure – do inglês “business” e “leisure”, i.e., conciliar viagens de trabalho com lazer e turismo – também está em alta. Isto significa que tem aumentado o número de viajantes que procuram experiências turísticas no local onde se deslocam em trabalho. Dados de 2023 da Booking, ETC e OMT assim o atestam, com ênfase nos fins de semana, utlizados para prolongar a estada do turista de negócios que, terminadas as suas atividades profissionais, vestirá a pele de viajante em lazer, seja individualmente, seja em família.
Em linha com as tendências fortes está o turismo de experiência. Não é de agora, mas ganhou novo ímpeto no pós-pandemia. Os viajantes querem ampliar horizontes e trazer na bagagem a sensação de terem adquirido conhecimento e de, com isso, trazerem consigo experiências que vão perdurar na memória. Os dados de 2022 da ETC, OMT e Expedia Group confirmam a crescente procura de viagens que proporcionem momentos únicos através de novas vivências.
No que respeita às microtendências – que, por oposição às macro, refletem mudanças de comportamento no curto prazo e tendem a prolongar-se menos no tempo – os orçamentos mais criteriosos figuram, contudo, entre as que poderão ser mais longevas.
Segundo uma publicação da European Travel Commission, a “Tourism Economics” prevê um crescimento de cerca de 10% do turismo na Europa. Outro estudo do Expedia Group refere que 46% das pessoas consideram mais importante viajar agora, do que pensavam antes da pandemia. Mas sendo 2023 um ano em que a incerteza na economia global vai impactar os orçamentos familiares, é natural que os turistas que decidem viajar sejam mais criteriosos ao nível das suas escolhas, nomeadamente, optando por destinos e experiências aos quais reconheçam valor e qualidade. Exemplos? Viajar mais no seu país ou em época baixa.
Assim, não admira que outra microtendência que ganhou lastro seja viajar fora da época alta. Segundo dados de 2022 da ETC, OMT e Expedia Group, corroborados por dados já deste ano da Booking, economizar nas viagens será uma escolha consciente para quem quer viajar em tempos de inflação alta.
O turismo urbano volta a estar em alta. Se nos últimos três anos a procura por destinos e atividades de natureza, ao livre e longe de multidões disparou, na sequência da Covid-19, os destinos de cidade poderão a breve trecho recuperar para os números registados no pré-pandemia, visto as ligações aéreas terem sido repostas e existir uma perceção de segurança sanitária.
Em 2023 a procura por destinos de natureza deve-se manter em alta, porém, é expectável que também as cidades, sobretudo as capitais europeias, alcancem os registos pré-pandemia. As atividades culturais e as visitas a monumentos e museus tenderão a crescer, até porque o quase completo restabelecimento das ligações aéreas e a perceção de segurança sanitária ajudam a fomentar a procura desses destinos. O turistas tenderão, contudo a adotar uma postura diferente, procurando participar e partilhar mais momentos com as comunidades locais.
O turista consciente da importância da preservação dos destinos, procurará evitar comportamentos de “massificação” e tenderá a privilegiar viagens únicas e diferentes, muitas vezes marcadas pelo choque cultural. Sair da zona de conforto é outra microtendência que pressupõe uma experiência turística mais imersiva, que permita conhecer a cultura e as tradições dos destinos mais aprofundadamente. Uma sondagem da Booking revelou que 58% dos turistas querem sair da sua zona de conforto em 2023 e 40% dos respondentes manifestaram o desejo que experienciarem um verdadeiro choque cultural, em destinos menos turísticos e com uma cultura totalmente diferente.
A importância do video content na escolha dos destinos. Os conteúdos audiovisuais disponíveis nas plataformas digitais têm como principal característica captar a atenção do utilizador e influenciar o processo de decisão de compra. Quer sejam utilizados pelas entidades responsáveis pela gestão do destino, quer pelo público em geral, os viajantes tendem a confiar mais nestes conteúdos, o que faz destes poderosas ferramentas de marketing. Youtube e TikTok são exemplo disso. Nestas redes sociais é possível encontrar inúmeros conteúdos como “os melhores destinos para visitar em 2023”, assim como diversos tops de “coisas para fazer no destino x”.
Viver apenas com o essencial, ou “off-grid travel”, na expressão inglesa, ganhará mais adeptos ao longo de 2023. Objetivo? Desconectar-se e viver apenas com o essencial. Sem chegar a experiências extremas, mas sim mantendo o equilíbrio entre segurança e liberdade para se desafiar, a ideia é pôr o instinto de sobrevivência a funcionar em ambientes mais hostis. Esta tendência também traz consigo a vertente do “desligar do mundo”, i.e., de detox digital, reconexão com a natureza e consigo mesmo, esquecendo o stresse e pressão do quotidiano.
Nem só de conteúdos vídeo vive o turista. O poder inspirador de filmes e séries nas plataformas de streaming também segue em crescendo. Muita gente até pode nem ver televisão, mas está a par da oferta que existe em plataformas como a Netflix ou a HBO. Esta mudança de comportamento dos consumidores faz com que o streaming seja um dos principais triggers na escolha de um destino. Um estudo do Expedia Group, concluiu que 44% dos inquiridos admitem ser influenciados pelos locais que vêm nas séries e filmes. E assim “nasceu” uma nova categoria de turistas, os set-jetters, que viajam para conhecer os locais onde se realizam a gravação das mais diversas produções audiovisuais.
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