Em meados de março, o consumo de eletricidade em Portugal continental foi assegurado integralmente por fontes renováveis durante 69 horas. E já em 2016, o país funcionou apenas com energia solar, hídrica e eólica ao longo de 107 horas consecutivas. Apesar de obtidos em situações meteorológicas excecionais, estes valores confirmam, por um lado, que as fontes renováveis garantem um abastecimento fiável e seguro à produção elétrica e, por outro, que é possível, no longo prazo, tornar Portugal apenas dependente deste tipo de energias de menor impacto ambiental.
Hoje, mais de metade (54%) da produção de eletricidade do país é assegurada por energias renováveis, segundo a associação do setor, a APREN. Aliás, Portugal encontra-se em 7.º lugar entre os Estados-membros da UE no que toca à utilização de fontes renováveis, que representam 28,5% do total de energia consumida, de acordo com o Eurostat 2016. Mas o nosso país tem potencial para aumentar esta quota, considerando a sua situação geográfica e condições meteorológicas.
Não faltam bons argumentos para continuarmos a promoção e o investimento nas energias renováveis: redução da emissão de gases com efeito estufa, diminuição das importações de combustíveis fósseis e consequente benefício para a balança comercial, entre muitos outros. Acresce que, segundo a APREN, o setor das energias renováveis já emprega mais de 56 mil pessoas e é responsável por um volume de exportações de cerca de 400 milhões de euros por ano (aerogeradores, torres eólicas, painéis fotovoltaicos e componentes elétricas e eletromecânicas). Além disso, é expectável que Portugal venha a exportar excedentes de energia renovável para a Europa e África, através da interligação com Marrocos que está a ser estudada.
Para maximizar a utilização das energias renováveis, importa, contudo, encontrar um equilíbrio e uma complementaridade entre as fontes que contribuem para a produção de eletricidade. Se, por um lado, a energia hídrica tem um peso médio nessa produção da ordem dos 28% e a eólica próximo dos 25%, por outro, a biomassa só representa 6% e a energia solar menos de 2%.
No caso da energia solar, é pouco compreensível o seu peso. Sobretudo tendo em conta os incentivos que este Governo tem dado ao setor, através da atribuição de licenças para novos parques fotovoltaicos com venda da eletricidade a preço de mercado, não penalizando os contribuintes. O caminho tem de ser este, mas deve igualmente ser criado conteúdo local que promova a indústria e o emprego do país, e não meramente a importação de componentes.
Interessa, pois, replicar o que se fez em 2005 com os concursos de atribuição de potência eólica, em que era obrigatória a produção em Portugal dos componentes. Desta forma criaram-se verdadeiros clusters industriais, garantindo know-how e postos de trabalho.
Por tudo isto, faz hoje muito sentido, quer para privados, quer para empresas (através do autoconsumo ou da venda na rede a preço de mercado), o investimento numa fonte energética com grandes potencialidades num país que tem uma exposição solar das maiores da Europa.
Outro paradoxo é a biomassa. Os detritos das florestas e das matas que todos os verões servem de combustível dos incêndios podem, ao invés, alimentar centrais de biomassa, reduzindo-se assim o risco de deflagração e propagação de fogos ao mesmo tempo que se gera investimento, se criam empregos e se fixa população nas regiões do Interior.