Segundo o governo alemão, o político russo pró-ocidental Alexei Navalny foi envenenado com “Novichok”, uma substância neurotóxica. Políticos e comunicação social (OCS) ocidentais, sobretudo na Alemanha, apontaram unanimemente e sem reservas Putin como o mandante do envenenamento. Altos dirigentes alemães subiram a parada e acusaram o “sistema de Putin” de ser um “regime agressivo, sem escrúpulos que recorre à força para impor os seus interesses por meios violentos desrespeitando as boas normas de comportamento internacional.

Embora não disponha de informação privilegiada sobre o assunto, não posso deixar de considerar intrigante o acontecimento e os desenvolvimentos que se seguiram. É preocupante a ausência de interrogações sobre algo tão perturbador cujo momento em que ocorre sugere, independentemente de quem estiver por detrás, uma operação política de alto calibre.

Quando nos interrogarmos sobre quem poderia ter sido o mentor do envenenamento surgem três suspeitos, mas apenas dois têm a ganhar: o grupo de oligarcas apoiados pelos EUA, que se opõe a Putin e defende o desmembramento e a regionalização da Rússia, agências de espionagem estrangeiras e o próprio Putin. Não podem ser deixados de fora os inimigos internos do Kremlin, nomeadamente o grupo de oligarcas que compete com Putin, empenhado em o desacreditar. Navalny tem relações com esses grupos e ligações a grupos organizados de extrema-direita.

A imediata ligação do envenenamento de Navalny à suspensão do North Stream 2 conduz-nos para outro possível suspeito. É conhecida a imensa pressão dos EUA sobre o Governo alemão para abandonar o North Stream 2, e sobre as empresas europeias que nele trabalham negando-lhes acesso ao mercado americano e ao sistema bancário. Vieram recentemente a público notícias de que os EUA se preparam para impor severas sanções à indústria automóvel alemã nos EUA, se a Alemanha não ceder às exigências americanas.

Em última análise está em causa a viabilização da indústria americana de shale gas muito mais onerosa do que a russa. Sem a concorrência russa, os EUA poderão vender o seu gás à Alemanha e à Europa ao preço que quiserem, o que será difícil com a competição do Nord Stream 2, muito mais barato. Para o secretário da Energia norte americano Rick Perry faz mais sentido comprar gás americano em vez de russo, apesar de ser mais caro, porque é o gás da liberdade. Não explica, no entanto, porque é que os EUA compram petróleo à Rússia.

Fica no ar o motivo e o interesse de Putin em aniquilar fisicamente Navalny, e porque o teria feito de um modo tão incompetente e ilógico. Navalny está longe de fazer sombra a Putin. Dificilmente se pode considerar um rival político. Não é fácil entender o que teria a beneficiar. Como poderia ter sido tão estúpido ao ponto de o envenenar e de o deixar partir para a uma clínica na Alemanha, onde o envenenamento iria ser descoberto? É masoquista e gosta de ser condenado internacionalmente e dar pretextos aos opositores para o isolarem e o tratarem como pária? Falta informação crucial não acessível ao comum dos mortais para perceber o que se está a passar, para lá da bruma da propaganda.

A fabricação de pretextos é recorrente na história, e não é preciso relembrar o Iraque. Não deve ser excluída a possibilidade de o caso Navalny ser mais um pretexto para justificar ações “mais ponderosas”.