Sobre as políticas sectoriais e opções das diversas áreas governativas com expressão no Orçamento do Estado para 2019 (OE19) pouco tem chegado a público. O lado A do OE19, isto é, o mais falado, como o descongelamento das progressões, o aumento de pensões, o passe família ou o alívio no IRS nos escalões mais baixos têm chegado para focar a atenção.

Referem alguns analistas que são medidas de tipo eleitoralista, porque se focam em segmentos da população que, com a melhoria da sua situação, por mais pequena que seja, se podem tornar mais “amigos” das forças da gerigonça. Também a redução do valor das propinas, ou a redução do IVA em actividades culturais são certamente boas notícias desse lado A do Orçamento…

Mas, quando analisada a situação de Portugal em vários indicadores de desenvolvimento, como há poucos dias chegaram a público através do Retrato de Portugal, só podemos esperar que este Orçamento do Estado tenha também um “lado B”. Um lado que, embora menos falado, reflicta opções com vista à concretização de medidas aprovadas em diferentes áreas governativas, que reúnem consenso generalizado na sociedade portuguesa, apoiando o desenvolvimento de novos projectos e actividades, e a busca de soluções inovadoras e criativas.

Apesar do indispensável equilíbrio das finanças públicas, importa retomar o investimento em sectores determinantes para o desenvolvimento, como a saúde, a educação ou a mobilidade. Existem escolhas, há muito inescapáveis, com eco regular na opinião pública.

Pedem-se decisões consequentes e, por isso, seguidas de planos de execução orientados para resultados, credíveis e passíveis de avaliação pela sociedade. Um orçamento que explicite as medidas que propõe e que indique aquelas que retoma, algumas já referidas, que foram travadas pelas razões que conhecemos mas que não deixam de ser relevantes. Os cidadãos merecem informação pública transparente que vá além das meras duas linhas do Comunicado divulgado.

Desde a construção do Hospital Pediátrico do Porto, à criação de novas condições de alojamento para estudantes, à facilitação do acesso à justiça, à disponibilização de assistência aos idosos, ao acesso e fruição da arte pelos cidadãos, à obra de reconstrução do Conservatório Nacional, situações tão diversas mas simultaneamente tão necessárias sobre as quais os portugueses aguardam por decisões transparentes e, sobretudo, pela execução das medidas anunciadas, sem cativações, sem mais demora. São apenas exemplos. Que tocam a nossa vida em sociedade.

Ora, é precisamente esse lado B do Orçamento do Estado que ainda não conhecemos bem. Quais as alternativas escolhidas em domínios que não tocam, porventura de modo tão direto, os portugueses?

Assistimos há poucos dias ao anúncio de um programa público de aquisição de obras de arte contemporânea, com uma dotação inicial de 300 mil euros para 2019. Quanto? Sim, leu bem. É um primeiro passo, referem alguns. Mas, como serão consideradas as posições diversas dos vários representantes de organizações do sector, contendo nalguns casos propostas inovadoras, ou como serão tratadas as recomendações, mesmo que centradas sobretudo em medidas de melhoria incremental do modelo em vigor, propostas pelo Grupo de Trabalho criado pelo Governo?

Quando se está a poucas horas do debate generalizado do próximo OE, o que sabemos sobre as medidas concretas em áreas como a valorização do interior, o património, a cultura ou a inovação? O que sabemos sobre a execução das medidas anteriormente aprovadas?

Existem resultados do trabalho em curso sobre a avaliação dos benefícios fiscais que já tenham sido incorporados neste Orçamento? Como irá evoluir o sistema de incentivos fiscais à I&D empresarial no ano 2019, essencial para a inovação, reforçando por exemplo a contratação de investigadores, cientistas, doutorados, gestores de ciência, tecnologia e inovação e as atividades de investigação e inovação no sector privado?

Se parece indiscutível o papel que a Administração Pública pode ter na inovação, incluindo a criação ou reforço de centros de excelência e de competências, parece também consensual a necessidade de discriminação positiva das empresas que mais investem em inovação, possibilitando o seu desenvolvimento mais rápido e a sua inserção em redes internacionais capazes de atrair e reter trabalhadores cada vez mais qualificados.

Os parceiros sociais (veja-se, por exemplo, a proposta da CIP para o OE 2019) têm vindo também a salientar a questão da formação dos trabalhadores, não se podendo menosprezar o impacto da transformação digital e as exigências que dela decorrem em termos de competências pessoais e profissionais e que justificariam, por isso, novas medidas.

Espera-se também que o OE permita manter o objectivo de investimento global em I&D de 3% do PIB até 2030, garantindo a convergência com as metas da União Europeia, mencionado quer no programa do Governo quer em diversas Resoluções do Conselho de Ministros (RCM nº 32/2016, de 3 de junho, que aprovou a Agenda “Compromisso com o Conhecimento e a Ciência” para os anos 2016 a 2020, ou mais recentemente a RCM nº 25/2018, de 8 de março, que aprovou uma nova Estratégia de Inovação Tecnológica e Empresarial para Portugal.

O OE 2019, ao chegar à opinião pública, tocando sobretudo o seu lado A, aquele que mais ouvimos, precisa de ser acompanhado por um lado B, focado na essência das políticas que defende, explicando aos portugueses como se pretende avançar, a partir das alternativas, escolhas e decisões em que assenta, na concretização das diversas estratégias sectoriais que, embora menos destacadas, são determinantes para o futuro de Portugal.

Com a recente mudança na composição do Governo, esperemos que a par da frescura e competência, sobretudo de quem assume novas responsabilidades, consigamos encontrar o perfil obreiro de que precisamos.

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.