A DECO ‘consagrou’ recentemente o Jumbo como a insígnia da distribuição moderna com o cabaz de produtos mais barato. O Continente surge quase colado no segundo lugar.

Refere a DECO, em nota de imprensa, que para o estudo foi definido “um cabaz de referência, composto por 243 produtos, onde combinámos os produtos das marcas mais vendidas no País com alguns bens vendidos sob marca exclusiva das diferentes lojas“.

A defesa dos direitos dos consumidores está constitucionalmente consagrada, como na Lei Fundamental está igualmente consagrado o direito das associações de consumidores de ser ouvidas sobre as questões que digam respeito à defesa dos consumidores.

A Lei de Defesa do Consumidor define os respetivos direitos, incluindo-se neles o direito à informação para o consumo. O mesmo diploma estabelece também os direitos das associações de consumidores, entre os quais o estatuto de parceiro social em matérias que digam respeito à política de consumidores, o direito a representar os consumidores no processo de consulta e audição públicas a realizar no decurso da tomada de decisões suscetíveis de afetar os direitos e interesses daqueles, e o direito à presunção de boa-fé das informações por elas prestadas.

Em Portugal, o associativismo na área do consumidor tornou-se uma realidade no pós-25 de Abril, muito embora a sua principal entidade – a Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor (DECO) – tenha sido constituída em Fevereiro de 1974.

A DECO, reconhecidamente a mais importante associação nacional nesta área alargou amplamente a sua área de atuação a partir do início da década de 80, com o desenvolvimento da sua atividade editorial e, mais tarde, com a criação da Edideco. Hoje em dia, entre Associação e Editora são à volta de trezentos os colaboradores respetivos.

Atualmente, para além de guias temáticos pontuais, a DECO publica regularmente quatro revistas que se impuseram como referências: a Proteste, a Dinheiro & Direitos, a Teste Saúde e a Proteste Investe. E é exatamente através destas publicações que a Associação realiza grande parte do seu labor de informação ao consumidor.

Em muitas situações fornece ao consumidor os dados necessários a uma escolha sensata e adequada. Várias vezes coloca o dedo na ferida. Em diversos casos utiliza o seu estatuto e poder de reclamação para induzir a alteração de comportamentos (públicos e privados) na relação com o consumidor. E, repetidamente, utiliza esse mesmo estatuto e a sua suposta equidistância para se converter numa fonte de recomendação, numa entidade prescritora!

E é precisamente quando assume essa função prescritora que por vezes estala a polémica. Ao promover a escolha, o processo passa a ser objeto de escrutínio e a essa presunção de boa-fé tem que se adicionar um forte cuidado quanto ao formato em que se realiza a correspondente avaliação.

Um bom exemplo deste processo de recomendação é exatamente este ranking dos hiper e supermercados mais baratos. O ranking tem uma ampla divulgação, seja pela própria DECO, seja pela quase totalidade da comunicação social, nacional e local. Ou até pelas próprias entidades objeto da avaliação: as insígnias do retalho alimentar. Obviamente, por aquelas que surgem nos primeiros lugares no ranking. Contudo, aquela que aparenta ser uma boa ideia – dar a indicação de quais as lojas mais baratas – e muito em linha com uma das principais preocupações do consumidor atual (escolher a melhor relação qualidade-preço), acaba por gerar inúmeras questões e algumas reservas.

Este ranking é realizado através da ‘compra’ de cabazes pré-definidos de produtos. Nada contra o conceito, mas ficam perguntas no ar. Os produtos escolhidos são relevantes, representativos e podem ser encontrados nos vários espaços comerciais? Os retalhistas têm prévio conhecimento dos produtos abrangidos? As cadeias de distribuição têm indicação antecipada do momento em que a recolha de preços será efetuada?

E – a avaliar pelos contactos que estabelecem com os fornecedores respetivos – os retalhistas parecem, aparentemente, ter indicação prévia sobre quais os produtos que serão incluídos no cabaz e em que período essa a verificação de preços é realizada.

A obtenção do título de ‘O Mais Barato’ é, no atual cenário de smart shopping, algo muito importante seja para a insígnia, a nível nacional, seja para a loja, a nível local. E isto ‘justifica’ todo um conjunto de manobras que tendem a embaratecer artificialmente os produtos que integram os cabazes. No fundo, aquilo que este ranking acaba por premiar não é sempre o ‘mais barato’, mas sim – e demasiadas vezes – o mais ‘esperto’.

Essas manobras, como é fácil adivinhar, provocam problemas comerciais às empresas cujos produtos estão incluídos. E cria problemas concorrenciais às empresas que possuem produtos que competem com aqueles que fazem parte dos cabazes!

Por outro lado, a cada anúncio dos novos rankings segue-se uma profusa campanha publicitária e de comunicação dos correspondentes vencedores. O nome da DECO é usado e – diria – ‘abusado’ nessas campanhas. E fica a dúvida: será legítimo utilizar publicitariamente um resultado ou uma recomendação de uma associação de consumidores?

Apenas a título de exemplo, líamos há semanas uma notícia proveniente de Espanha que referia que a principal associação de consumidores espanhola (a OCU) havia interposto – e ganho – uma ação judicial em que impedia uma dada insígnia de utilizar,  na sua comunicação, os resultados dos testes realizados pela própria OCU.

Deve ser elogiado o propósito da DECO e a sua intenção de proporcionar a melhor informação ao consumidor. Não temos dúvida que este tipo de estudos capta a atenção do consumidor, que somos todos nós. Mas é também nossa convicção – como já por diversas vezes comentamos com os seus responsáveis – que há demasiadas situações de ‘embelezamento’ dos resultados, sempre na ânsia de conquistar o reconhecimento de ‘o mais barato’.

Do lado dos fabricantes mantém-se o total interesse e disponibilidade em contribuir para a total transparência destes processos.