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O maravilhoso parque automóvel português

Tem havido notícias sobre o crescimento a dois dígitos do crédito ao consumo e sobre compras ‘recorde’ de veículos particulares. Até que ponto são preocupantes?
24 Junho 2017, 13h00

A recuperação da economia em curso tem inspirado várias discussões e levantado muitas dúvidas (inclusive aqui no Radar Económico). Um dos ângulos de análise preferidos de vários observadores é a evolução da parte ‘financeira’ da economia: o comportamento de variáveis como o crédito bancário, a emissão de dívida, os sobes-e-desces das posições patrimoniais, etc., etc.

Esta preocupação faz sentido, porque muitas destas variáveis podem fornecer indicações avançadas sobre a sustentabilidade de alguns comportamentos que estão a suportar o crescimento. Mas, no geral, tem havido demasiada precipitação, e é claro que algumas das análises são movidas mais por um desejo latente de ‘desmascarar os números oficiais’ do que por rigor analítico.

O caso do crédito ao consumo é um exemplo paradigmático. Desde que a economia começou a levantar-se do lodaçal em que estava, em 2014, que tem havido notícias sobre o crescimento a dois dígitos do crédito ao consumo, as compras ‘recorde’ de veículos particulares, etc. Grande parte destas grandes variações, porém, podem ser facilmente explicadas pelo baixo ponto de partida. Depois de terem atingido níveis baixíssimos durante os anos de crise, é normal – e na verdade inevitável – que as compras de bens duradouros voltem a ganhar terreno. Chama-se o efeito base, e é uma das ilusões de óptica mais comuns em análise económica (ver aqui, aqui e aqui, por exemplo).

Neste particular, o Banco de Portugal deu um contributo interessante (caixa 2, página 27 do Boletim Económico) para que possamos perceber com mais rigor as dinâmicas em jogo: mediu, com o grau de certeza possível, o stock de veículos existentes na economia portuguesa em 2016.

 

Fonte: Banco de Portugal

Se parece fácil à primeira vista, pensem de novo. Em princípio, poderíamos conhecer o parque automóvel somando os veículos comprados a cada ano, ou olhando para os registos oficiais, e obtendo assim uma visão de conjunto. Contudo, este exercício só seria válido se se assumisse que não há desgaste dos veículos, ou que uma viatura com 10 anos tem o mesmo valor e utilidade que um automóvel recém-registado.

Como esta hipótese é obviamente irrazoável, o BdP tentou levar em conta este ‘efeito depreciação’. O objectivo final é ter uma ideia não do ‘número’ de carros, mas sim do ‘valor’ que o parque automóvel existente em cada momento tem para as famílias portuguesas. Ou, por outras palavras, o stock de capital sob a forma de veículos. E o resultado é o seguinte:

O stock de automóveis tem vindo a cair quase ininterruptamente desde 2002. E mesmo depois da ‘explosão’ de crédito de 2014 para cá continua hoje mais ou menos ao nível de 1993. É muito difícil – para não lhe chamar outra coisa – ver aqui qualquer sinal de exuberância.

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