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O médico veterinário inserido no conceito “One Health”

Impõe-se, assim, e cada vez mais, que se combata a segregação do saber que ainda persiste nos diferentes organismos profissionais da saúde – como se fosse possível compartimentar dados de vigilância ou respostas a riscos de saúde humana e animal, quando o objectivo final é cada vez mais “um mundo, uma saúde”.
1 Outubro 2020, 07h15

“One medicine, one health” é um novo conceito na saúde contemporânea mundial que interpreta a saúde por um espectro holístico, reunindo todas as “saúdes”: humana, animal e ambiental. A exemplo, esta conceituação evidencia particular importância em situações de controlo de surtos por forma a prevenir crises pandémicas, na medida em que articula vários sectores disciplinares que confluem precisamente para o desenvolvimento de instrumentos capazes de dar respostas rápidas e eficazes em situações de emergência –  ou “simplesmente” antecipar estratégias de prevenção de doenças altamente patogénicas ou doenças emergentes (ou reemergentes). No caso destas últimas, doenças infecciosas emergentes, são vários os factores socioecónomicos que os promovem, de onde se destaca o crescimento demográfico mas também a exponenciação de animais, assim como o comércio destes últimos e dos seus produtos. Mas há outras causas de natureza ambiental e ecológica que também as promovem, como as monoculturas agrícolas, a desflorestação e a crescente aproximação entre os animais (inclusive os silvestres) e os seres humanos, expondo-os a agentes patogénicos que oportunisticamente se podem adaptar a novos hospedeiros, assumindo um carácter zoonótico ou, por outro lado, antropozoonótico.

No que respeita às zoonoses e à saúde animal, é ao médico veterinário que cabe tal incumbência, mas as suas responsabilidades não se esgotam aí – um médico veterinário é um agente fundamental para a promoção da saúde pública, ou seja, interfere, protegendo e prevenindo, directa e indirectamente, a saúde humana e ambiental, mas não de forma isolada, pelo contrário. Hoje, este profissional integra cada vez mais equipas multiprofissionais da saúde e da ciência ambiental, conjugando-se competências e saberes de diferentes áreas que revertem beneficamente para o colectivo – humano, animal, vegetal e ambiental – o que o insere em definitivo, ao médico veterinário, na saúde pública e animal: é a este profissional que cabe a responsabilidade de uma “alimentação saudável de animais saudáveis” e de outras áreas com  inferência epidemiológica e sanitária, com o objectivo de proteger a saúde das comunidades e dos ecossistemas. Desta forma, há que repensar o exercício desta profissão encaminhando-a para um conhecimento diversificado que não se restrinja apenas às diferentes espécies animais, mas que alargue também a sua visão científica para a dinâmica entre o ser humano e os animais, incluindo a inter-relação e até vínculo afectivo que se estabelece entre ambos, e reciprocamente. Porque a verdade é que é diferente o exercício da prática veterinária centrada na relação das pessoas com os seus animais, da prática mais comum que se foca apenas no animal- e para mais num tempo de reconfiguração social em que os próprios animais (sobretudo os de companhia e estimação) já são considerados como “membros de família”.  Aplicando neste novo contexto de interação interespécie a definição de “one health, é o médico veterinário o profissional mais importante desta interacção e o que melhor pode influenciar o seu sucesso, facilitando a comunicação entre as duas espécies – mas para isso, além de ter de requalificar os seus procedimentos e prática veterinária (por exemplo, acrescendo a sensibilização e a educação para o bem-estar animal e para os múltiplos benefícios dos animais para a saúde do ser humano) deve aprofundar os seus conhecimentos sobre outros assuntos como, por exemplo, as terapias e actividades assistidas por animais, cada vez mais utilizadas mundialmente com fins terapêuticos. Mas para isso é necessária a colaboração com outros profissionais da saúde (há “muitos profissionais da medicina veterinária que conhecem bem os animais mas sabem pouco sobre os seres humanos”), para que estas novas abordagens possam ser uma realidade como complemento ou mesmo alternativa à actual terapêutica de várias patologias físicas e mentais do ser humano.
Impõe-se, assim, e cada vez mais, que se combata a segregação do saber que ainda persiste nos diferentes organismos profissionais da saúde – como se fosse possível compartimentar dados de vigilância ou respostas a riscos de saúde humana e animal, quando o objectivo final é cada vez mais “um mundo, uma saúde”. Para todos.

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