Esta semana começou em Nova Iorque a 74.ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), que junta chefes de estado e de governo de todo o mundo. Este ano boa parte da atenção está virada para o debate sobre as alterações climáticas e a falta de ambição de grande parte dos países em implementarem o acordo de Paris e verdadeiramente resolver este complicado problema de uma forma justa, equitativa e responsável. A comunidade científica tem lançado apelos cada vez mais urgentes para uma rápida ação na resolução deste problema, e a ocorrência cada vez mais frequente de catástrofes naturais como furacões, nevões e períodos de seca prolongados têm demonstrado cada vez mais esta urgência, e levado muitos países a anunciar uma aceleração dos seus objetivos de redução de emissões.

Como forma de reforçar a importância deste tópico, o Secretário-Geral da ONU, António Guterres, organizou uma Cimeira da Ação Climática, que incluiu um discurso emocionado da ativista sueca Greta Thunberg, hoje em dia um símbolo no combate às alterações climáticas. Este discurso continuou o movimento lançado pela adolescente em Agosto do ano passado quando se manifestou em frente ao parlamento sueco com um cartaz com as palavras de ordem “School Strike for Climate”, e posteriormente quando discursou no parlamento europeu. Este movimento rapidamente se tornou global, com estudantes de todo o mundo a faltarem à escola e a saírem à rua às sextas-feiras para demonstrar o seu descontentamento com a aparente inação dos respetivos governos no que às alterações climáticas diz respeito.

Ainda que Greta tenha razão quando diz que, por toda a parte, políticos têm evitado agir de forma ambiciosa para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa, o problema não é assim tão simples de resolver porque são necessárias medidas difíceis e impopulares. Ainda que necessária e inevitável, esta transição energética, se feita à pressa e sem considerar todas as consequências, pode acabar por deixar para trás uma boa parte da população mais pobre, normalmente suburbana ou rural. Isto foi evidente em França com os protestos dos coletes amarelos a fazerem o governo francês abandonar uma proposta de aumentar os impostos sobre combustíveis fosseis. Esta parte da população já se encontra bastante insatisfeita devido à redução do seu poder de compra e o aumento do custo de vida, normalmente vive “de mês a mês” e muito dificilmente algum dia poderá comprar um Tesla ou instalar painéis solares em casa.

Contudo, e apesar da maioria das sondagens refletirem uma crescente preocupação da sociedade com as alterações climáticas, e os jovens estarem mobilizados e motivados para o problema, o problema não será de fácil resolução. Isto assim é também porque praticamente todos os países desenvolvidos são democracias, e por isso sujeitos a eleições regulares que tornam propostas impopulares ainda mais complicadas de implementar. Aliás, já estão bem identificadas soluções para reduzir significativamente a nossa pegada ecológica mas, quando os eleitores são questionados sobre se estão dispostos a alterar os seus comportamentos para acelerar esta transição (i.e. comer menos carne, voar menos, reciclar mais, utilizar uma bicicleta em vez do carro, deixar de trocar de telemóvel regularmente, não utilizar tanto o ar condicionado, etc.) as respostas são bem menos favoráveis, e demonstram as dificuldades que os políticos têm em assegurar o necessário apoio para implementar estas soluções. Por isso é que governos têm preferido focar a sua atenção na plantação de árvores (para reabsorver C02), financiamento para adaptar populações a condições climáticas adversas e outras medidas com um impacto menor.

Para se ter uma imagem mais clara do problema, importa melhor perceber quem são os maiores responsáveis pelas emissões de gases com efeito de estufa. Em termos globais esta responsabilidade é totalmente desproporcionada: os 10% mais ricos da população são responsáveis por 90% das emissões enquanto os 50% mais pobres responsáveis por apenas 10%. Este é o principal motivo pelo qual muitos países em desenvolvimento olham para este debate como sendo uma discussão “entre os ricos”, e optam muitas vezes por estar focados em melhorar a esperança média de vida dos seus cidadãos e dedicam menos tempo e recursos às alterações climáticas.

Esta posição é perfeitamente compreensível porque boa parte da população dos países em desenvolvimento não tem sequer um fornecimento estável de eletricidade, passa ainda por situações graves de guerra, insegurança e instabilidade governativa. Aliás, a própria ONU reconhece que hoje em dia metade da população mundial não tem acesso a serviços essenciais de saúde, e custos de saúde levam quase 100 milhões de pessoas à pobreza extrema a cada ano. Aliás, quando ocorrem catástrofes naturais e situações de clima extremo são estes os que mais sofrem. Olhando para esta disparidade, pareceu-me manifestamente infeliz a declaração de Greta Thunberg de que os seus sonhos e a sua infância lhe foram roubados devido à inação dos governos quanto a este problema, isto enquanto a infância de muitas crianças pobres por este mundo fora é marcada pela falta de comida e de medicamentos essenciais.

Tudo isto nos leva a uma situação ainda mais complicada e a um paradoxo de difícil resolução: melhorar as condições de vida do mundo em desenvolvimento provavelmente implicará o aumento das respetivas emissões, à semelhança do que sucedeu no mundo desenvolvido nos últimos 50/60 anos, onde o crescimento económico e melhoria das condições de vida fez-se à base de combustíveis fosseis baratos e abundantes. Apenas assim foi possível sustentar uma classe média em expansão e um modelo económico baseado no consumo, e por isso será necessário desenvolver um novo modelo económico que evite cometer os erros do passado, mas ao mesmo tempo inove e seja capaz de responder aos desafios do futuro e possibilitar melhores condições de vida à população global.

O mundo de Greta Thunberg é muito mais complicado do que os seus discursos aparentam e, apesar da adolescente ter razão quando diz que, apesar de uma retórica otimista, a política de redução de emissões de gases com efeito de estufa é um falhanço retumbante, as razões para este falhanço vão provavelmente continuar a dificultar ações concretas nesta matéria. Infelizmente, apenas uma maior frequência de catástrofes naturais e um constatar diário de condições climáticas adversas têm levado a uma mudança da opinião pública nesta matéria. Suspeito que, infelizmente, apenas o agravar desta situação levará eleitores um pouco por todo o mundo a exigir aos seus respetivos governos para agirem. Esperemos que não seja tarde demais.