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O Perfeito Português

O país ainda não se encontrou, e, digo-o com mágoa, precisa de mais um pouco de areia neste deserto, para que exista uma urgência de mudança.
14 Junho 2021, 07h15

Rui Rio foi ao congresso das direitas dizer, pela enésima vez, que o PSD, o seu PSD, é um partido de centro. O que nos seus cânones é até um favor pois, lembrou,  a matriz inicial era de força política de centro-esquerda. Não sendo novo o discurso, como já referi, não deixa de criar estranheza a forma bipolar, de autêntica esquizofrenia política, com que Rio oscila entre esse mesmo centro-esquerda e uma extrema-direita, ou  direita radical, mal amanhada como é a protagonizada por André Ventura, olvidando que é precisamente no oceano político-ideológico que medeia esses dois eixos que o PSD tem a sua natural vocação, onde deve centrar a sua ação discursiva, e é nessa latitude que os portugueses esperam que o partido consiga apresentar uma alternativa governativa.

O que faz Rio recusar as águas naturais do seu partido, e flutuar entre dois polos nos quais não tem hipótese de constituir uma base de apoio para uma maioria, constitui um mistério. É para ser do contra? É por gosto de conflitualidade interna? É por sentir que carrega um desígnio divino? Ninguém sabe.

Assim como poucos compreenderão, regressando à questão da conflitualidade, como consegue abrir tantas frentes internas, ao mesmo tempo que mantém uma postura cooperante com um Governo, a qual deveria chefiar a oposição.

O pé de guerra com o Conselho de Jurisdição parece estar para durar, sendo obrigatório lembrar que este não é propriamente formado pela formiga branca, nem por passistas. A bem da verdade, quase metade do órgão foi eleito sob sua proposta, em listas suas. O conflito com muitas, demasiadas, concelhias, às quais se esqueceu de ouvir, ou olimpicamente ignorou, na hora de indicar os candidatos autárquicos também não constitui um retrato muito simpático para o desgastado, e agastado, “líder”.

Assim, o PSD nacional depara-se com uma situação de impasse. As autárquicas não vão correr bem, como já se percebeu, a menos que Rui Moreira fosse impedido de se candidatar no Porto e que os Lisboetas tomassem um banho de urbanidade, cosmopolitismo e sentido cívico, e rejeitassem Medina, dando ao mais qualificado candidato dos milhares que se apresentam para dirigir os 308 concelhos lusos.

Mas se Moedas ganhasse, ou ganhar, ficaria em situação privilegiada para se apresentar como alternativa a Rio, com a garantia que a sua banda larga político-ideológica tem uma capacidade de unir e agregar que envergonharia Rio, até nos dias em que este acorda bem-disposto.

Mantendo em lume brando essa hipótese, que se apresenta remota, não obstante as continuadas tropelias de Medina, vide agora “caso Alvim” em que o entertainer se revelou a única pessoa com sentido de responsabilidade, não se afigura fácil perspetivar que estará disponível para, em janeiro de 2022, reunir os cacos de Rio.

O regresso de Passos seria um erro. Não quero com isto afirmar que o ex-primeiro ministro está morto para a ação governativa. Pelo contrário. Ele é a grande figura, a maior referência, do centro-direita, e da direita democrática, o tal espaço que Rio desconhece, em idade de governar (excluamos aqui Cavaco, numa reforma ativa, e Marcelo, em exercício de funções de Presidente da República).

E há um universo muito grande de portugueses que desejaria expectante um governo passista onde este pudesse, por fim, aplicar o seu programa. Com uma baixa generalizada de impostos, nomeadamente para as empresas fomentado o investimento e o emprego, uma reforma séria da justiça, voltando a colocá-la a salvo dos apetites partidários, dando liberdade ao Ministério Público para atuar e voltando a colocar a venda na estátua que corporiza o 3º poder do Estado. Um programa que preparava Portugal para uma sustentabilidade ambiental responsável, livre dos lobbies e das negociatas verdes, para a transição digital e para a centralização de Portugal como hub comercial, com o reforço das redes transeuropeias e transatlânticas.

Tudo isto é verdade, mas (ainda) não é o tempo.

O país ainda não se encontrou, e, digo-o com mágoa, precisa de mais um pouco de areia neste deserto, para que exista uma urgência de mudança. No fundo um povo em permanente bipolaridade, entre a festa e a mingua, sempre à margem da responsabilidade dinâmica. Nessa lógica de extremos e de estados de alma Rio, não obstante o seu correto sotaque alemão, corporiza o português típico.

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