Para o senso comum o planeamento é uma actividade sensata e prudente, recomendável tanto na vida familiar como no mundo do trabalho. Todavia, na economia, aquilo que ao senso comum parece evidente (a importância do planeamento em vários domínios da vida familiar, laboral, empresarial, etc.) dá lugar a uma aversão ao planeamento, visto como uma interferência naquilo que deveria ser um mercado livre e concorrencial.

Uma dissonância tão grande com o senso comum sugere uma causa profunda, que se encontra na chamada guerra fria, onde o bloco soviético era associado às economias planificadas, e o bloco ocidental era associado à chamada economia de mercado. Uma leitura atenta do que foram esses dois blocos, todavia, sugere que essa dicotomia não é tão estrita como muitas vezes se supõe.

Como historiadores marxistas como Eric Hobsbawm reconhecem, o sistema de distribuição soviético foi em variadas ocasiões demasiado ineficiente para poder sobreviver sem o mercado secundário informal que se foi formando.

E no bloco ocidental, a concorrência foi sempre demasiado imperfeita, num contexto onde monopólios e oligopólios eram (e ainda são) estruturantes em variados sectores, sendo grande parte da coordenação económica feita por planeamento empresarial (que inclui a fixação administrativa de preços de forma a posicionar o produto ou serviço num segmento de mercado), como Alfred Chandler notou ao renovar a área da história empresarial.

Michal Kalecki resume bem a questão explicando que o planeamento era central para ambos os blocos da guerra fria, mas subordinado aos interesses particulares de determinados agentes (políticos ou empresariais), sendo o desafio conseguir um planeamento democrático, sujeito ao escrutínio público.

Sem alguma forma de planeamento, será difícil que a acção de múltiplos actores económicos leve a uma dinamização dos sectores económicos que tenha em conta as interligações do sector produtivo necessárias para uma estratégia de desenvolvimento articulada, e que resolva os actuais desafios sociais dentro dos limites ecológicos.

O facto da teoria económica focar-se quase exclusivamente nos mecanismos de mercado, enquanto forma de distribuição do que é produzido, leva a que se negligencie o sistema produtivo que sustenta essa distribuição, e as interligações tecnológicas que condicionam os efeitos de qualquer política de desenvolvimento.

Esta negligência, além de tornar opaco o processo de desenvolvimento, tem também implicações éticas. Pois torna-se difícil, se não impossível, haver consciência ética num contexto em que não conhecemos a cadeia de produção do que consumimos, e os seus impactos sociais e ecológicos.

Neste contexto, referências à sustentabilidade tornam-se inócuas enquanto não houver consciência do funcionamento dos sistemas produtivos que sustentam a distribuição dos bens e serviços. Pois só essa consciência permitirá que qualquer forma de planeamento ou organização do nosso futuro comum seja democrática e responsável.