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O poder

O Poder, e as suas mais variadas manifestações, é estudado, refletido e executado desde que o homem se organiza em grupo. Apesar disso, nos últimos anos, percebemos uma importante evolução do seu significado. Na forma como é executado. E não é pelas melhores razões, como mais à frente perceberemos. Além dos poderes instituídos pelo separação […]
12 Julho 2019, 07h15

O Poder, e as suas mais variadas manifestações, é estudado, refletido e executado desde que o homem se organiza em grupo. Apesar disso, nos últimos anos, percebemos uma importante evolução do seu significado. Na forma como é executado. E não é pelas melhores razões, como mais à frente perceberemos.

Além dos poderes instituídos pelo separação “Montesquiana” é consensual reconhecermos o poder que o capital, o património ou o lobby a si reservam.  Existe também o poder das armas. Da violência. Ainda que o legítimo poder de coação dos Estados exista para o prevenir, tantas vezes nos sentimos frustrados ao sabermo-nos vítimas daqueles que simplesmente ignoram a lei porque se sentem inimputáveis. E isso vale para o desvairado da fila de trânsito como para o meliante que violenta de arma na mão. Na guerra, no campo de batalha, podes matar alguém desarmado que nada, em princípio, te acontecerá. Só a ética e a dignidade te salvarão. Como um dia disse Roger Waters, há momentos de pânico que são eternizados pelo próprio medo, e nesses momentos a lei não nos acude. Quando os travões falham, quando acordamos com um incêndio em casa, quando estamos entre uma parede e uma arma. Ficamos órfãos.

Um dos poderes mais singulares que conheço é o que está reservado para o Presidente da República Portuguesa, resultado das sucessivas revisões da nossa Constituição. A quase ausência de poderes, excluindo a desafortunadamente chamada “bomba atómica”, leia-se dissolução da Assembleia da República. De resto o Presidente pode ter um enorme poder de influência pela palavra, subsequentemente pelos silêncios, e pela gestão dos seus apoios e censuras ao Governo e Assembleia. Daí que seja tão interessante aprofundar a forma como o Presidente legitima os seus poderes(,) de facto. Se nos lembrarmos, Cavaco Silva terminou o seu mandato em guerra aberta com uma comunicação social que nunca (o) apreciou, além da declarada incompatibilidade com uma solução governativa que, contrariado, foi obrigado a empossar, resultando numa retirada geral de qualquer poder de influência no espaço público (e) político. Já Marcelo, que adora e é adorado pelas luzes dos flashes e objectivas, contrasta a montanha russa de intervenções e aparições com uma minuciosa relação de suporte ao Governo, que lhe confere um estatuto central no xadrez político e uma influência até aqui inédita.

“Com um grande poder, vem uma grande responsabilidade”, é um aforismo que aprendemos desde pequeninos graças aos filmes da Marvel, antes de percebemos que o mesmo tem origens mais nobres, em Comte.
Mas o ser humano é inigualável na sua astúcia para tentar “dar-se bem, sem olhar a quem”. Uma argúcia que colocaria os olhos em bico a ilustres pensadores sobre a temática do PODER, como os já citados Montesquieu e Comte, ou mesmo Clausewitz e o nosso Pessoa, além dos que já tinham os olhos rasgados,como Lao Zi ou Confúcio.  Nomeadamente a manha de ter poder sem qualquer responsabilidade. Seja ela criminal ou patrimonial.
Alguém com poder político tem, necessariamente, poder em mais áreas do que a abordagem restrita à sua intervenção implica. Seja numa primeira fila de um espetáculo, num jantar que não lhe é cobrado, ou noutro qualquer obséquio que o cargo indiretamente lhe proporcione. Mas a coisa pode ser mais perversa. Alegadamente , políticos como Sócrates ou Lula patrocinavam grandes esquemas de corrupção tendo como contrapartida o usufruto de um conjunto de mordomias, móveis ou imóveis, que nunca estariam nos seus nomes. Ou seja, tinham a sua propriedade de facto, sem nunca as ter legalmente, com todas as (ir)responsabilidades acarretadas. Era tudo “emprestado”!

Já  Joe Berardo, segundo percebemos, ter-se-á alegadamente socorrido de uma teia de blindagens nos estatutos das “suas” empresas e associações, que detêm todo o património que controlará, estatutos esses que lhe conferirão um  poder absoluto de fazer corar de modéstia as antigas Golden Shares, através de autonomeações vitalícias para a presidências dos CA ou da curiosa condição de associado instituidor. Como referi, tudo isto alegadamente desprovido de quaisquer titularidades nessas empresas ou associações, habilmente descartadas através de permutas, títulos de participação, aumentos de capital/operações harmónio, entre outras. Tudo controlar sem nada declarar.

Que “maravilha”!

Já no âmbito do desporto, lamentava Paulo Bento esta semana que no futebol de alto nível o poder do treinador está francamente diluído face à influência dos principais craques, mas também dos presidentes da SAD e dos sempre orbitantes agentes de futebolistas. Ora, isso pressupõe que uma contratação, um empréstimo, ou mesmo uma titularidade ou dispensa de um jogador possam ter razões extra qualidade futebolística intrínseca. Essa evidência, já tão óbvia mas revelada por quem já treinou grandes clubes e a seleção, obriga a uma reflexão sobre os limites da legalidade dos fabulosos negócio das transferências. Se o produto transacionável não é quem justifica o valor acrescentado do negócio, e aqui nem há “futuros” que o expliquem , então poderemos estar no campo da especulação, ou mesmo algo mais grave. A acompanhar.

Por fim, e regressando à política, temos a situação suis generis do PS da Madeira. Para os leitores que lêem estas linhas fora desta Região Autónoma, registe-se que algo de totalmente exótico se passa no PS local. Como já devem ter reparado o antigo presidente da Câmara do Funchal manda de facto no partido desde fevereiro do ano passado, mesmo sem ser militante. O Presidente Emanuel Câmara, que se apresentou com o pressuposto de abrir as portas a Paulo Cafôfo para uma candidatura à presidência do Governo regional, se já nada mandava, com o aproximar das eleições regionais manda cada vez menos. Só assim se percebe que tenha sido o próprio Cafôfo a convidar por telefone a recém eleita Eurodeputada pelo PS da Madeira. Visto de fora parece um absurdo. Mas uma vez empurrado para fora da Câmara, dados os péssimos resultado obtido pelo PS/madeira na Europeias, Cafôfo, formalmente sem militância e sem cargo, aparenta continuar a dominar a seu belo prazer, tanto partido como a autarquia. Até a reforçar poder. Só assim se justifica que tenha imposto a sua equipa de gabinete ao seu sucessor, e que nas ações diárias de campanha que promove se faça acompanhar de presidentes de Junta, do seu antigo (?) chefe de gabinete, de adjuntos da vereação camarária, sem sombra de militantes de base, sem réstia do partido profundo. Como dizia uma velhinha da minha terra “menino, uma vergonha!”.

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