Permitam-me algumas pistas para reflexão, que à primeira vista poderão parecer desconexas entre si, mas que na realidade se encontram interligadas.
O Instituto Nacional de Estatística (INE) revelou os dados da inflação sobre 2021, situando-a em 1,3%. Confirma-se, portanto, a razoabilidade das reivindicações sindicais de aumentos no mínimo desta grandeza, salvaguardando uma repartição equilibrada dos ganhos de produtividade.
É inteiramente justa, como se confirma, a luta dos que não se conformaram com propostas de aumentos de 0,4%, nem dão por encerrado o tema das atualizações das tabelas de expressão pecuniária relativas a 2021.
Adicionalmente, estarão na ordem do dia, em Portugal, no ano que agora começa, temas como a utilização de algoritmos no recrutamento e as ferramentas de monitorização de atividades sociais e de tempos livres dos trabalhadores.
O potencial de discriminação é imenso, ausência de regulação é evidente, o que constitui um caldinho onde podem fermentar os abusos de toda a espécie. Por isso, os sindicatos deverão estar atentos e pugnar pela transparência e prestação de contas, no mínimo, a quem utiliza tais ferramentas.
Isto dito, os setores do turismo (e o do acolhimento em geral), agricultura, construção, cuidados aos mais idosos e vários outros de contato com o público, têm vindo a sentir a falta de trabalhadores. Não creio que seja apenas uma questão de escassez de mão de obra.
Há, aliás, diversos fatores que contribuem para a menor disponibilidade de trabalhadores. Os horários desregrados, a diminuição dos fluxos imigratórios e dos trabalhadores sazonais, e o menor número de reformados que reentram no mercado de trabalho são algumas das causas que explicam essa escassez. Contudo, o valor das remunerações é também enormemente responsável pela diminuição da oferta de trabalho.
Com os salários médios estagnados em termos nominais (e a perderem poder de compra em termos reais), com o despedimento de trabalhadores qualificados maduros e a sua substituição por contratos precários em empresas externas, com a falta de oportunidades para todos os que se qualificaram e estudaram, o problema está em quem nem da inflação quer compensar os trabalhadores.
Infelizmente, nas últimas duas décadas, temos caminhado para um padrão de distribuição de rendimentos pouco compatível com os valores vigentes na União Europeia. Algo apenas possível graças a uma mundivisão empresarial pequenina e ao alheamento dos cidadãos e do poder político.
Talvez tenha chegado a altura de colocar o trabalho no pedestal que lhe é devido, e apenas esse: algo que não pode colocar em causa a dignidade da pessoa, que não é o alfa e o ómega do valor da vida humana. Todas as sociedades devem procurar que os trabalhadores tenham salários dignos e acesso a educação, saúde e habitação em condições razoáveis, independente da lotaria genética ou familiar de cada um dos cidadãos.
Importa reconhecer o papel vital do trabalho para a vida humana, valorizá-lo em termos salariais e torná-lo equiparável, não superior, a outras formas de valorização e de significado da vida humana. É isto que nos deve mobilizar enquanto sociedade.