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O que queremos?

Numa sociedade com elevado grau de homogeneidade é relativamente fácil traçar objetivos que sejam comuns a uma grande maioria da população. Os objetivos comuns podem ser relativamente vagos, mas o simples facto de haver um desígnio comum que una a população já é muito importante.
7 Setembro 2020, 07h15

Em termos económicos, como em outras questões da vida, para se alcançar um propósito, um desígnio, antes de tudo temos de saber o que queremos. A dificuldade em fazê-lo em termos coletivos costuma-se centrar sobretudo na heterogeneidade social. Numa sociedade com elevado grau de homogeneidade é relativamente fácil traçar objetivos que sejam comuns a uma grande maioria da população. Os objetivos comuns podem ser relativamente vagos, mas o simples facto de haver um desígnio comum que una a população já é muito importante.

Numa sociedade em que, por um lado, uma boa parte da população ficaria muito feliz em viver à custa do Estado, sem se dedicar a prosseguir os estudos para além do obrigatório, sem dar importância à formação ao longo da vida, sem grandes ambições, e com uma mentalidade fatalista e de vitimização, e, por outro lado, outra boa parte é ambiciosa, tem um espírito empreendedor, procura viver de forma autónoma e livre, tem uma cultura de se cultivar para ser mais qualificada e preparada para os desafios do futuro, e que se responsabiliza pelos seus fracassos e pelos seus sucessos, é uma sociedade que dificilmente se unirá à volta de um desígnio coletivo.

Quando o desígnio comum não surge naturalmente, pela própria natureza da população, existem formas de tentar tornear a questão. Uma delas, que considero pouco recomendável, é com o surgimento de um líder, do tipo salvador da pátria, a quem se delega a solução de todos os problemas das vidas das famílias e das empresas, e que trata de arranjar um inimigo comum. A principal vantagem desta opção é a facilidade e a rapidez com que se consegue tornear a lacuna naturalmente existente na sociedade, mas com a importante desvantagem de não resolver a raiz do problema, fazendo-se assim um género de coligação negativa da sociedade, para além de se perder a capacidade de se olhar para as fraquezas e vulnerabilidades da própria sociedade que exigem mudanças para que essas fraquezas passem a ser forças e oportunidades.

Outra forma de enfrentar a falta de desígnio comum é mais gradual e sem efeitos imediatos, mas muito mais sólida: educação, formação e cultura. Através da educação, da formação e da cultura é possível haver uma transmissão de valores que sejam comuns a todos e, dessa forma, tornar possível a constituição de um objetivo comum. Claro que estes instrumentos podem ser bem ou mal utilizados. O objetivo não deve ser, por exemplo, usar a escola para doutrinação ideológica nem para nacionalismos exacerbados que conduzam os indivíduos em tenra idade a um sentimento fraco de individualidade, ou mesmo à perda do valor de primazia do indivíduo. O objetivo pode e deve ser o de transmitir valores, pela positiva (não contra seja quem for), que sejam compatíveis, por exemplo, com a história comum, ou com as boas tradições. Por exemplo: a honestidade. Este é um exemplo consensual, aceite por praticamente todas as doutrinas, ideologias e religiões. Se a família, a escola e os formadores em geral, bem como os políticos, forem capazes de transmitir esse valor de forma criativa e com o exemplo, será fácil constituir uma cultura de confiança na sociedade, e com um elevado grau de confiança a sociedade torna-se potencialmente mais próspera, devolve um orgulho salutar de pertença à comunidade, e diminui a conflitualidade (judicial e não só).

Estaremos a fazer do ensino e da formação veículos de transmissão deste tipo de valores? Estarão os políticos a fazer, por exemplo da luta contra a corrupção, a prioridade que urge? Estaremos, cada um de nós, a praticar os valores que esperamos que os outros pratiquem?

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