Com o Reino Unido cada vez mais perto da porta de saída da União Europeia (UE), a acontecer provavelmente daqui a semanas ou meses, é inevitável um certo realinhamento dos estados-membros. Tradicionalmente, a Alemanha servia de fiel da balança entre o tendencialmente liberal Reino Unido e a mais socialista França. Com o Brexit, este equilíbrio tenderá a desaparecer, e resta saber se resultará num maior poderio francês, num maior domínio alemão sobre os destinos europeus ou numa situação fragmentada e imprevisível onde vários grupos de Estados-membros se juntam de acordo com interesses pontuais.

Procurando liderar em antecipação, no dia 22 de janeiro a chanceler alemã Angela Merkel e o presidente francês Emmanuel Macron assinaram o tratado de Aix-la-Chappelle em Aachen, na Alemanha. Este acordo prossegue os mesmos objetivos do tratado do Eliseu, assinado no mesmo dia em 1963 por Konrad Adenauer e Charles de Gaulle, e renova e reforça a cooperação e integração entre a França e a Alemanha. Deverá levar a uma maior integração económica e cooperação militar alargada, incluindo a criação de um novo Conselho de Segurança e Defesa franco-alemão.

Contudo, e apesar de incluir matérias como cultura, inovação, saúde e transportes, não vai tão longe como Macron desejaria pois não inclui importantes propostas francesas em matéria de tributação digital ou a criação de um orçamento comunitário com receitas próprias. O primeiro passo prático teve lugar na passada segunda-feira com a primeira reunião da assembleia parlamentar conjunta entre os dois países.

O novo pacto franco-alemão gerou inúmeras fake news (por exemplo, artigos e vídeos online espalharam boatos e mentiras das quais se destaca a de que o tratado serviria para França devolver a Alsácia e a Lorena à Alemanha), bem como fortes críticas de vários quadrantes políticos que temem uma integração europeia acelerada a várias velocidades, deixando de fora nomeadamente a Europa de leste.

Aliás, enquanto Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia, optou por um tom positivo para descrever o acordo, o polaco Donald Tusk, presidente do Conselho Europeu, usou da palavra durante a cerimónia de assinatura para alertar para a necessidade imperativa de responder a estas críticas e para pedir a Berlim e Paris para dizerem claramente que a cooperação entre os dois países não é, nem pode ser, uma alternativa a uma colaboração entre todos os Estados-membros da UE.

O apoio do eixo franco-alemão é tido muitas vezes como essencial para o sucesso de futuras reformas comunitárias. Mas importa perceber que hoje em dia os dois países têm consideravelmente menos peso na UE do que em 1957 quando a Comunidade Económica Europeia (CEE) foi criada. Nessa altura, entre seis países da CEE, a Alemanha e a França tinham juntas 47% dos votos, enquanto hoje em dia, numa Europa a 28, têm apenas 16,8% dos votos no Conselho Europeu. Isto demonstra a menor importância relativa dos dois países, e a importância de consensos alargados no contexto comunitário.

Para complicar ainda mais esta situação, a posição de Macron em França encontra-se de momento bastante fragilizada por causa dos violentos protestos do movimento dos coletes amarelos, e consequente recuo em certas reformas em França. Os últimos meses de violentos protestos em França demostraram que muitos franceses estão desiludidos com o seu presidente, e retiraram muita da aura de invencibilidade que Macron havia adquirido com a sua subida ao poder em 2017.

As recentes sondagens dão conta disso mesmo ao colocarem o partido de Marine Le Pen à frente nas intenções de voto para as eleições europeias. Como François Hollande bem demonstrou com a sua fracassada presidência francesa, um presidente francês fraco é meio caminho andado para uma União Europeia fraca, e Macron deverá ter consciência disso.

Na Alemanha a situação não é muito melhor, pois Merkel não só governa limitada pela coligação com os socialistas alemães, como também anunciou a sua reforma e apontou Annegret Kramp-Karrenbauer (conhecida como AKK) como sucessora na liderança partidária, e porventura na chancelaria. AKK tem um perfil mais conservador, nomeadamente em matérias de imigração, e não é certo que venha a obter semelhante sucesso ao de Merkel que é chanceler desde 2005, lidou com sucesso com quatro presidentes franceses, e é ainda carinhosamente tratada por muitos alemães por “mutti” (a mãe).

No seguimento do tratado de Aachen, e procurando ganhar de novo a confiança do eleitorado francês depois dos protestos dos últimos meses, Macron publicou uma carta aberta relembrando o sucesso do projeto europeu de paz e prosperidade, e enumerando as suas propostas para o futuro da Europa.

Entre outras, estas incluem: a formação de uma agência europeia de proteção das democracias; a criação de uma polícia de fronteiras comum e um serviço europeu de asilo; a assinatura de um tratado de defesa e de segurança comum; uma proposta para proibir na Europa as empresas que prejudicam interesses estratégicos e valores essenciais europeus como normas ambientais, a proteção dos dados e o justo pagamento do imposto; assumir, nas indústrias estratégicas e nos concursos públicos, uma preferência europeia; uma proposta para um salário mínimo europeu, adaptado a cada país e discutido coletivamente a cada ano; assim como inúmeras propostas para responder ao desafio das alterações climáticas incluindo a criação de um banco europeu do clima.

Curiosamente, e porventura por saber que tais propostas estariam mortas à nascença, Macron optou por não mencionar reformas da zona euro como prioridades para reformar a UE. As propostas de Macron foram recebidas com cautela e ceticismo pela maioria dos governos europeus. É de duvidar que a maioria dos Estados-membros, bem como Merkel ou mesmo a sua mais que provável sucessora AKK, venham a aceitar a sua grande maioria, o que poderá levar de novo a uma situação de inação em termos de reformas comunitárias, e confirmar a ideia de que o prometido em Aachen foi apenas fogo de vista e sem grande impacto prático.

Para piorar ainda mais as coisas, a Europa de leste não recebeu a carta aberta de Macron de braços abertos, antes criticou o tom paternalista e a ideia de Macron de “uma Europa que progride por vezes em ritmos diferentes, mas permanecendo aberta a todos” como uma forma de um grupo restrito de países deixar de fora os menos desenvolvidos. Eurocéticos e partidos antissistema certamente aproveitarão estes argumentos nas respetivas campanhas para as eleições europeias de maio, e desta vez Macron que os ofertou numa bandeja de prata.