No mês de Dezembro de 2018 estive em Lisboa onde tive a oportunidade de conversar com Manuel dos Santos (membro da Plataforma de Reflexão Angola) sobre o sistema eleitoral angolano, nomeadamente sobre a supressão do direito de voto aos membros da diáspora angolana. O que consagrou efectivamente um silenciar do posicionamento crítico dos angolanos no estrangeiro.

Desta conversa muito ficou por dizer. Vou aproveitar a presente crónica para retomar alguns aspectos desta conversa em Lisboa. O primeiro aspecto a ser realçado é o facto de os membros da diáspora nunca terem exercido o seu direito de voto nas eleições angolanas, nomeadamente, nas eleições legislativas de 1992 e de 2008, apesar de estar previsto constitucionalmente o círculo para as comunidades angolanas no exterior (2 deputados do círculo de África e 1 do círculo do resto do mundo). Isto sucedeu porque os sucessivos governos angolanos alegaram falta de condições logísticas e técnicas para efectivar essa obrigação constitucional.

Ou seja, os deputados da diáspora nunca tiveram assento parlamentar, consagrando-se, desta forma, uma subtracção da representatividade política e social aos cidadãos angolanos a viver fora do país. Esta anulação da representação política criava, na prática, um problema político e constitucional ao Governo angolano. Visto que a Lei Constitucional de 1992 previa 223 deputados, mas apenas 220 estavam representados na Assembleia Nacional. Mesmo assim, a Comissão Nacional Eleitoral (CNE) nunca pressionou o Governo a criar as condições necessárias para efectivar essa obrigação constitucional. Perante essa situação, os partidos da oposição foram sempre bastante críticos desta posição oficial do Governo e suportada pela CNE.

Como os argumentos orçamentais e organizativos já não eram suficientes, os três assentos do círculo da diáspora acabaram por ser extintos com a publicação da Constituição de 2010. Assim, o parlamento angolano passou oficialmente de 223 para 220 deputados, assegurando-se uma representação exclusiva aos eleitores residentes em Angola. A meu ver, observou-se, desta forma, um “sequestro” de um direito natural do cidadão pelo legislador constituinte dominado pelo MPLA, na altura com uma maioria bastante confortável para a aprovação da Constituição de 2010.

Em nosso entender, este sequestro visava eliminar uma inconstitucionalidade gritante e aberrante cometida pelos órgãos organizadores das eleições (Governo e CNE), por um lado. Por outro pretendia-se proteger a imagem do país liderado pelo MPLA, e, por último, salvaguardar um processo eleitoral mais seguro e confortável ao presidente da altura do MPLA. Isto porque o argumento da falta de condições logísticas para impedir o voto da sua diáspora estava esgotado, dado que países mais pobres que Angola conseguiam garantir esse direito às suas diásporas.

Em conclusão, a exclusão eleitoral da diáspora angolana inseriu-se numa estratégia política de perpetuação de poder, pensado em prol de uma só figura política. Uma opção estratégica para afastar da arena política e eleitoral um segmento crítico e contestatário do curso político em Angola. Ainda mais, quando, do ponto de vista eleitoral, este segmento poderia ter um peso importante na disputa política interna, porque, para o apuramento eleitoral presidencial, um cidadão na diáspora teria o mesmo peso eleitoral que um cidadão votante em Angola. Assim, havendo uma disputa renhida os eleitores na diáspora poderiam provocar uma mudança de poder efectivo no país.