Os números que nos têm chegado acerca de atos tresloucados praticados nos EUA com armas são alucinantes. Desde o início do ano que se contabilizam milhares de episódios, centenas e centenas de mortos, pessoas incapacitadas, feridas e marcadas para sempre, dados que ilustram uma sociedade que carece rapidamente de se repensar. E não é pela repressão que se curará aqueles que buscam uma estranha forma de fama, um inaceitável momento de afirmação extremista, uma representação de heroísmo balofo ou a ilustração de um mero momento de loucura absoluta.

A discussão sobre posse de armas nos EUA é prolongada mas aparentemente ineficaz. De forma recorrente somos, ainda e sempre, surpreendidos com ataques em escolas, vinganças profissionais, ou devaneios psiquiátricos. Pessoas de todas as idades são vítimas em situações em que a maioria dos perpetradores são jovens impressionáveis, que se sentem invencíveis e possuidores de uma qualquer missão.

Estes fenómenos não têm tido significativa expressão na Europa, onde o acesso, uso e fruição de armas nunca se acentuou, como se estivéssemos num faroeste, independentemente de filmes ou histórias que povoam o nosso imaginário juvenil.

Não vivendo estes dramas no quotidiano, tememos outras ameaças e não podemos deixar de meditar nas razões que levam a estes resultados repugnantes. Estes crimes que em nenhum dos lados do Atlântico podem ser imputáveis a migrantes, não podem por isso ser controlados pela simples edificação de um muro, quer físico, quer marítimo.

A abordagem a este tema tem de ser efetuada à escala global na busca de soluções urgentes para estes atos insanos. Não será pela invocação da pena de morte ou pela mera repressão que se encontra um caminho.

A prevenção passa pela não incitação à violência, pela não glorificação dos criminosos, pelo cuidado nas intervenções públicas e por uma campanha de controlo no acesso a armas e uma ação de monitorização das redes sociais, com acompanhamento efetivo de protagonistas radicais e outros mecanismos de controlo digital de violência, mesmos em jogos de computador ou “sites”.

O crescimento destes atos de inimaginável violência tem de ser travado, a publicitação dos acontecimentos deve ser contida voluntariamente, para não proporcionar espaço de vã glória e pretensa realização.

Não sendo um problema concretizado à escala global, ou melhor antes que o seja, importa que nos importemos, que reclamemos soluções e que exemplos nefastos não contagiem outros em busca da notoriedade indesejada. O propósito é evitar mais vítimas inocentes ou heróis isolados. Há notícias que não queremos ouvir, principalmente se decorrer de um tiroteio.

Estão em causa a defesa de direitos humanos perante uma situação de real proteção do direito à vida. Tal por si só merece uma vigorosa intervenção política, lançando a discussão no Conselho dos Direitos Humanos e transpondo a discussão para a escala internacional.

Portugal pode assumir aqui um papel liderante com um contributo relevante, introduzindo esta matéria além da dimensão nacional de um Estado. Na senda de uma tradição que se iniciou com o fim da pena de morte há cerca de 150 anos, também aqui podemos ensaiar a iniciativa de transpor para além-fronteiras a discussão e o lançamento de uma campanha sobre melhores formas de abordar um drama que não deixa ninguém indiferente.