A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) dá conta de indicadores das economias da Zona Euro que apontam para as vulnerabilidades das economias do euro face às subidas de juros, alertando para o elevado endividamento das empresas da moeda única e para a subida nos números de insolvências declaradas. A OCDE partilha, porém, da recomendação para que o Banco Central Europeu (BCE) prossiga a política de aperto monetário devido à maior persistência da inflação, deixando avisos quanto aos riscos para a estabilidade do sector financeiro devido aos efeitos do aumento dos juros no crédito à habitação.
No relatório sobre a situação económica da União Europeia e Zona Euro publicado esta quarta-feira, a organização avisa: “os níveis elevados de dívida das empresas ameaçam levar a uma onda de falências”, realçando o elevado endividamento das empresas da moeda única e a subida nos números de insolvências declaradas.
Na análise, a OCDE destaca que se verifica já um aumento do número de falências, justificando em parte com a retoma da atividade dos tribunais no pós-pandemia e também com o fim de alguns apoios de emergência. A onda de falências está sobretudo a incidir no sector de serviços, em particular, no alojamento e transportes.
Insolvências em Portugal com tendência crescente no arranque do semestre
Recorde-se que as insolvências mantiveram uma tendência de crescimento em Portugal, em termos homólogos, no início do segundo semestre de 2023, com o mês de julho a registar um aumento de 12% nestas ações face ao mesmo mês do ano passado, de acordo com a COSEC – Companhia de Seguro de Créditos. São as micro e pequenas empresas – com um volume de negócios inferior a 500 mil euros – que continuam a registar o maior número de insolvências. Em termos geográficos, Porto e Lisboa são os distritos onde se regista maior número destas ações. Serviços, Construção seguidos de Têxteis e Retalho no topo dos setores mais afetados.
Também a Iberinform dá conta que as insolvências aumentaram mais de 23% em julho face ao período homólogo de 2022, confirmando a tendência de subida que se regista desde maio, e as constituições de empresas caíram 9%. O mês de julho fechou com um total de 286 insolvências, mais 54 que no mês homólogo do ano passado, segundo a filial da Crédito y Caución.
A evolução das insolvências em Portugal continua a ser influenciada pela inflação que em agosto inverteu tendência de queda ao subir para 3,7%, contra 3,1% em julho, o que retira poder de compra às famílias e diminui as margens das empresas, prevendo a Allianz Trade – acionista da COSEC -, que Portugal chegue ao fim do ano com uma subida de insolvências a rondar os 19% em comparação com 2022. As previsões da líder mundial em seguros de crédito sugerem ainda que Portugal terminará o ano com uma taxa de inflação de 5,3%, ligeiramente abaixo dos 5,6% estimados para o bloco da moeda única.
A recessão na Zona Euro, somada à subida dos custos das matérias-primas, ao aumento das taxas de juro e ao crescimento da inflação são “elementos que geram alguma incerteza para 2023”. Isto numa altura em que os motores das economias da moeda única enfrentam contextos mais desafiantes com os persistentes sinais negativos da economia alemã que deverá terminar o ano com uma contração de 0,1%.
De acordo com Vassili Christidis, CEO da COSEC, os principais mercados externos de Portugal estão a enfrentar dificuldades, o que a prazo “terá efeitos nos vários sectores da economia portuguesa e, naturalmente, nas empresas, razão pela qual temos assistido a uma subida homóloga das insolvências, tendência que deverá continuar a registar-se”.
OCDE elogia política monetária europeia e pede maior coordenação do lado orçamental
A zona euro deve manter uma política monetária restritiva para dominar a inflação persistente e elevada, mas tal requer também uma posição orçamental na mesma linha, defende a OCDE. A organização elogia a postura do Banco Central Europeu (BCE), dado o aperto monetário em curso e a dependência dos dados em reuniões futuras, pedindo medidas de apoio mais direcionadas, sob pena de agravarem a dinâmica dos preços.
A OCDE reconhece que as medidas tomadas pelo bloco europeu no último ano ajudaram a amortecer o impacto da subida dos custos, sobretudo pela via energética, mas há ainda um longo caminho a percorrer. Com uma recuperação “desigual”, a zona euro tem visto uma retoma tímida do consumo, um cenário ligeiramente melhor no investimento e um abrandamento claro da procura por crédito.
A subida dos juros tem penalizado as famílias da moeda única, admite o relatório, mas a política monetária tem sido “apropriada”, isto apesar de se verificarem mais riscos. A postura dependente dos dados macro é elogiada e incentivada a manter e a aposta em reancorar as expectativas de inflação é acertada, dado o risco de alimentarem o ambiente de pressão nos preços durante mais tempo.
Mais risco no imobiliário e bancos da zona euro
A OCDE considera ainda que a subida dos juros é um maior risco para famílias com créditos à habitação a taxa variável, ao mesmo tempo que também pressiona o sector bancário. Segundo esta organização, o aumento das taxas de juro “amplifica a vulnerabilidade financeira das famílias, especialmente nos países com um elevado nível de dívida privada e elevadas percentagens de créditos a taxa variável”. Em Portugal, segundo dados do Banco de Portugal, 90% dos créditos à habitação são contratualizados a taxa variável (Euribor).
Importa sublinhar o impacto da subida dos custos de financiamento no rendimento das famílias, um efeito “ainda a acumular” e que ajuda a explicar a quebra nos preços das casas na maioria das economias do bloco euro na segunda metade de 2022. Dadas estas tensões no mercado imobiliário – que podem contagiar facilmente o sistema financeiro – , a OCDE recomenda que sejam tomadas medidas macroprudenciais adequadas para limitar o risco para os bancos.
Estas medidas devem ser, no entanto, direcionadas, temporárias e à medida das populações mais vulneráveis, sob pena de agravarem a dinâmica da inflação e contrariarem a política monetária restritiva em curso. Até agora, a OCDE lamenta que as medidas orçamentais tomadas durante a crise energética tenham sido abrangentes e não-direcionadas.
No caso nacional, que até se apresenta como o terceiro país com medidas diretas com maior peso no PIB, a percentagem de medidas não-direcionadas até é das mais baixas da zona euro, acima apenas de Itália.
Apesar de os riscos estarem agora “mais equilibrados”, nova subida da inflação não pode ser tirada de hipótese, sobretudo olhando para a taxa subjacente. Ao mesmo tempo, e “olhando para o historial” das economias ocidentais após 1950, “não há registo de um banco central conseguir um processo desinflacionário considerável sem sacrifícios económicos substanciais ou uma recessão”, alerta a OCDE.
Enquanto os juros continuam a subir e o aperto monetário se materializa, o BCE deve retirar os estímulos dos últimos anos, continua o relatório. Estes têm suportado economias mais endividadas nos últimos anos, mas, perante o aperto monetário em curso, deixam de fazer sentido. Este é um aspeto em que Portugal compara bem com as restantes economias europeias, ao ser apenas uma de cinco do bloco a conseguir reduzir o seu rácio de dívida em relação a 2019.
A recuperação dos critérios orçamentais de Maastricht também é referida, com a OCDE a advogar uma reforma que aumente o compromisso dos países que violem os critérios com a retoma de sustentabilidade das suas contas públicas, em vez de os castigar financeiramente.
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