Orçamento do Estado para 2026: Os desafios e prioridades para o Ensino Superior e Ciência em Portugal
No contexto da proposta de Orçamento do Estado para 2026 (OE2026) e das reformas em curso, faço notar os seguintes pontos críticos:
Um problema central: o subfinanciamento
Este ponto domina a discussão. É impossível não referir o relatório Education at a Glance da OCDE, que é fundamental. Razões:
. Coloca o problema em perspetiva internacional: não se trata apenas de “falta de dinheiro”, mas de um défice estrutural que coloca as instituições portuguesas em clara desvantagem na atração e retenção de talento, na investigação e na oferta de serviços de qualidade aos estudantes.
. É uma questão de competitividade: se Portugal quer ter um sistema de ensino superior e científico competitivo, ao nível dos seus pares europeus, precisa de aproximar o financiamento por estudante da média da OCDE. A “paridade de poder de compra” é uma métrica correta, pois anula diferenças de preços, mostrando o investimento real.
Logo, o primeiro destaque relativo ao OE2026 é a tensão entre a ambição reformista e a base financeira sobre a qual as reformas estão a ser construídas.
As reformas estruturais em curso: o “como” e o “quê”
O OE2026 pode ser motor ou travão das grandes reformas anunciadas:
– O MECI faz coexistir na mesma pasta a Educação, a Ciência e a Inovação, o que sugere potencial para reformas integradas do sistema. Isto seria importante para assegurar, por exemplo, a fluidez da ligação entre o secundário e o superior, que como demonstra o último Concurso Nacional de Acesso está longe de estar assegurada. O OE2026 mostrará se o MECI é uma junção administrativa ou se tem a força para se acompanhar de um orçamento integrado e robusto que potencie sinergias reais.
– Fusão da FCT (Fundação para a Ciência e Tecnologia) e da ANI (Agência Nacional de Inovação): Esta é uma mudança central. O objetivo é criar uma “agência âncora” para todo o sistema científico e de inovação. Será crucial ver no OE2026 se a nova agência herdará os orçamentos da FCT (investigação fundamental e bolsas) e da ANI (interface com empresas e inovação) de forma simplesmente aditiva, ou se haverá um aumento orçamental significativo para esta nova estrutura. A fusão, por si só, não resolve a falta de financiamento para projetos e bolsas de doutoramento.
– Lei de Graus e Diplomas: Esta reforma pretende dar mais autonomia às instituições para criarem cursos mais adaptados às necessidades do mercado e da sociedade. A autonomia sem recursos é uma “autonomia vazia”. O OE2026 deve ser capaz de fornecer às instituições recursos e flexibilidade financeira para acompanhar a sua autonomia. Conseguirão elas realocar verbas livremente para investir nos novos cursos?
O OE2026 como “Prova de Fogo”
O Orçamento que será aprovado em Conselho de Ministros é a materialização concreta das intenções políticas. Os aspetos a destacar na sua análise são:
– Aumento da Dotação para o Ensino Superior: Haverá um aumento líquido que comece a colmatar o défice face à OCDE? Ou será um orçamento de “manutenção”, que não resolve o problema de fundo?
– Financiamento da Ciência e Inovação: Qual o montante alocado à nova agência (FCT+ANI)? O valor destinado a bolsas de doutoramento e pós-doutoramento cresce, ou mantém-se? Estes valores são um termómetro do compromisso do governo com a ciência.
– Fundos para a Reestruturação: As próprias reformas (fusão de agências, reorganização ministerial) têm custos de implementação. O orçamento prevê verbas específicas para a transição?
Conclusões
A tensão entre a ambição reformista anunciada pelo governo e a realidade do financiamento, comprovado pelos dados da OCDE, traduz uma das expectativas relativas a este orçamento.
O OE2026 será a primeira indicação clara da vontade do governo: quer realmente financiar a mudança ou está apenas a remodelar-se, sem mudar nada de verdadeiramente transformador?
A Fusão FCT+ANI é um indicador chave. É a reforma mais concreta e impactante no curto prazo. O montante alocado à nova agência será o sinal mais claro da prioridade dada à Ciência e Inovação. Um valor baixo significará que a fusão será mais sobre cortar custos administrativos do que sobre estimular o sistema.
A Autonomia vs. Financiamento: a moldura legal renovada só faz sentido se as instituições tiverem recursos para executar. O OE2026 dirá se as instituições terão “permissão para inovar” ou “meios para inovar”.
O OE2026 será um teste à seriedade do projeto de reestruturação do sistema científico e de ensino superior nacional.