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Operação “Páscoa em Casa”: PSP contabiliza 127 elementos infetados com Covid-19, dos quais 119 são polícias

Em entrevista ao Jornal Económico, o Superintendente da PSP, Luís Elias, revela que desde 2 de abril e até ao último dia da Operação Páscoa em Casa, a PSP registou 89 detenções por desobediência, 22 das quais por infrações mais graves de indivíduos infetados que não cumpriram o confinamento obrigatório.
13 Abril 2020, 17h04

Termina hoje, 13 de abril, às 24h00, a operação “Páscoa em Casa”, iniciada conjuntamente pela PSP e pela GNR às 00h00 de quinta-feira, 9 de abril. Durante estes dias, segundo referiu ao Jornal Económico o Superintendente da PSP, Luís Elias, vigoram medidas mais restritivas do Estado de Emergência, em especial a proibição de circulação para fora do concelho de residência.

A poucas horas do fim da operação, são contabilizadas – mas desde 2 de abril – 89 detenções por desobediência, 22 das quais por infrações mais graves de indivíduos infetados que não cumpriram o confinamento obrigatório. No conjunto destes dias, a PSP registou 127 elementos seus infetados com Covid-19, dos quais 119 são polícias e os restantes são civis que trabalham na PSP.

A situação de confinamento tem vindo a evidenciar diversos problemas individuais e familiares – além dos mais graves, relacionados com situações de violência doméstica –, como são os casos de excesso de ansiedades e ou as súbitas necessidades de contacto com agentes da autoridade por motivos muito variados e específicos. Como é que a PSP responde a essas situações?

As pessoas que sentem necessidade de um contacto urgente com a Polícia têm possibilidade de o fazer. Qualquer pessoa, seja vítima, familiar ou vizinho que tenha conhecimento de uma situação de violência doméstica deve denunciá-la obrigatoriamente às forças de segurança ou à autoridade judiciária para que haja depois um processo subsequente, nomeadamente, para tomada de medidas de proteção da própria vítima.

Isso já começa a ser interiorizado pela generalidade da população portuguesa? Essa prática de denúncia de situações perigosas é seguida pelas pessoas?

A disponibilização dos contactos telefónico e do endereço eletrónico é para que durante este período as pessoas não fiquem reféns do próprio isolamento. Para terem a noção de que podem entrar em contacto com as autoridades policiais. Por outra forma que não a deslocação a uma esquadra policial e, digamos assim, sendo uma alternativa eficaz à denúncia formal. Podem fazer este contacto e a PSP deslocará meios ao local e tomará medidas imediatas, se for o caso disso, no sentido de afastar o agressor da vítima.

A atuação da PSP faz-se nos maiores aglomerados urbanos existentes no país. Presumivelmente, nos locais, vilas e cidades em que há maior concentração de casos da Covid-19. Entre os efetivos da PSP tem havido algum reflexo dessa exposição, do contacto direto com muitas pessoas?

No início da operação tínhamos 80 polícias infetados e oito civis, técnicos que trabalham nos quadros da PSP. No total, havia 88 pessoas infetadas na nossa instituição. O maior grau de incidência desta infeção tem sido no Porto, onde o nível de contágio parece ser maior. No último dia da operação, 13 de abril, temos 127 infetados na PSP, dos quais 119 polícias.

Até ao momento, este número de infetados na PSP ainda não afeta a nossa atividade operacional, nem contamos que afete após o período de confinamento e depois do período considerado pela autoridade de saúde como necessário para a recuperação. Aguardamos que estes polícias regressem rapidamente a funções, depois de atestada a sua condição de saúde.

Apesar deste número de infetados, não temos nenhuma situação considerada grave. Portanto, apesar deste nível de contágio, que é decorrente do nosso contacto com os cidadãos, e da nossa proximidade com as pessoas, perante o fato de desenvolvermos a nossa ação em zonas onde a cadeia de contágios está mais ativa, temos um número que não consideramos ainda muito elevado de pessoas infetadas, mas estamos atentos. Temos contado com uma grande colaboração do INEM e da Cruz Vermelha Portuguesa. Abriram uma ‘via verde’ para a testagem dos profissionais da PSP, e também temos tido uma excelente colaboração das autoridades de saúde para o seu tratamento.

Como é que tem sido a convivência da PSP com a atividade que os militares das Forças Armadas (FA) têm desenvolvido para dar apoio ao SNS?

A convivência tem sido normal. Portanto, com as FA, enquanto agente de Proteção Civil, à semelhança das forças de segurança. Têm desenvolvido diversas ações meritórias de apoio às populações e à comunidade e nós também temos trabalhado em conjunto nesse aspeto. Não há nada de particularmente relevante a apontar relativamente a esse aspeto.

Houve uma situação entre a Polícia e as FA, que foi reportada na audição ao ministro da Defesa Nacional durante a Comissão parlamentar de Defesa, que ocorreu em Vila Real. Evidenciou maior necessidade de coordenação mútua?

Esse assunto foi tratado entre as hierarquias do Estado Maior General das Forças Armadas e da Polícia de Segurança Pública. É um assunto que está resolvido. Há que referir que a atuação das FA nesse caso em concreto de Vila Real se inseriu numa perspetiva de Proteção Civil. Se, de alguma forma, houver necessidade de apoio das FA ao sistema de segurança interna, há um protocolo que tem de ser seguido, nomeadamente, uma coordenação entre o Chefe do Estado Maior General das FA e o Secretário Geral do Sistema de Segurança Interna. E também há um plano de articulação operacional, em caso de participação das FA, no quadro da Segurança Interna, em que estas ficam sob a direção operacional da força de segurança territorialmente competente. É isso que está previsto. Foi isso que foi coordenado e decidido. No caso concreto do que se passou em Vila Real, não se tratava de nada disso. Tratava-se de uma situação de Proteção Civil que foi um incidente pontual que foi devidamente resolvido e discutido entre as hierarquias das FA e da Polícia de Segurança Pública.

Relativamente à evolução dos casos de Covid-19, os últimos dados disponíveis apontam para um aplanar, ou alisar, do número de infeções. Como o aumento do número de casos não tem sido particularmente complexo, mesmo assim a PSP admite que o número de infetados possa vir a aumentar para além 127 elementos da PSP infetados?

Sim, pelo facto de estarmos a trabalhar 24 horas por dia, todos os dias da semana, e de estarmos muitas vezes em interação com cidadãos; e pelo facto também da cadeia de contágio já estar disseminada na comunidade. Isso leva depois a que nos próprios contactos que os polícias têm com os seus familiares haja essa possibilidade de contágio. São tudo situações que podem trazer novos casos. Mas a nossa esperança é que o nosso esforço coletivo nos ajude a conter esta cadeia de contágio e que, entretanto, também os polícias infetados se recuperem e regressem ao serviço sem sequelas. E que este trabalho de um largo conjunto de profissionais, desde as forças de segurança até aos profissionais de saúde, médicos, enfermeiros, aos bombeiros, e a um conjunto de outras classes profissionais, seja suficiente para conter esta cadeia de contágio em Portugal, para que possamos no mais curto espaço de tempo possível regressar a uma situação de normalidade.

Que conclusão se pode retirar desta experiência diferente e imprevisível que a sociedade portuguesa está a viver nestes tempos de crise? O que é que a PSP apreendeu de todos este problema vivido em Portugal? Somos um país regrado e com grande espírito cívico?

Há duas constatações principais: a primeira é que apesar de alguns comportamentos pontuais de negligência – e sublinho que são pontuais –, a generalidade dos cidadãos tem cumprido as regras, tem evitado saídas sem necessidade e cumprido as normas de distanciamento social e de isolamento nas suas residências. As situações que nós temos detetado de saídas à via pública, na generalidade dos casos são situações justificadas. Outra constatação importante tem sito o trabalho cooperativo entre diversas instituições. Nesta crise tem sido vincada a cooperação entre diversas forças de segurança com as FA, com os bombeiros, com a Proteção Civil, com os profissionais de saúde, com os jornalistas, porque tem havido um grande trabalho conjunto. As instituições têm-se articulado e os profissionais têm trabalhado em cooperação. A comunicação social tem feito eco dos nossos apelos, tem dado bastante visibilidade ao trabalho das forças de segurança e aos nossos apelos também. Penso que essa é uma tónica muito positiva que se constata nesta crise pandémica.

Quer dizer que Portugal é um exemplo para muitos países da União Europeia?

Diria que sim, mas com cautelas, porque de vez em quando temos registado também fluxos viários que não são justificáveis. Sumariamente, a regra geral é a de confinamento e de cumprimento das regras. Creio que o perigo pode surgir se nós eventualmente embandeirarmos em arco. Por isso é que devemos ser moderados no elogio que fazemos, porque à medida que os dias forem passando é natural que possa haver uma tentativa de desculpabilização de alguns comportamentos e esses comportamentos são tanto de risco no primeiro dia como são no último dia do Estado de exceção, ou como serão depois, porque nos próximos tempos temos de facto de mudar um pouco os nossos comportamentos até que a epidemia seja de facto erradicada…

E, isso, quando será?

…até haver uma vacina. O risco que pode haver é de se criar aqui uma situação de autoconfiança e de nós começarmos a entrar numa cadeia de autoelogio e não nos convencermos que apesar dos resultados atuais não serem idênticos aos de outros países que têm uma situação de crise pandémica bastante pior que a nossa, se nós aligeirarmos um pouco os nossos comportamentos podemos incorrer na mesma situação.

…o risco de deitarmos tudo a perder.

Sim. E deitarmos tudo a perder.

As situações habituais de registos de criminalidade, neste período foram muito reduzidas. Confirma?

Sim. A criminalidade denunciada e a criminalidade grave registadas pela PSP têm vindo a reduzir-se. Temos tido menos denúncias e menos situações detetadas em flagrante delito. A criminalidade tem descido, em termos gerais. No entanto, tenho a referir que também temos pontualmente feito uns bons serviços. Há cerca de dois dias, em Oeiras, detivemos um traficante de droga em flagrante delito, com 100 quilos de haxixe. A criminalidade não vai deixar de existir. Digamos que determinado tipo de ilícitos criminais são tendencialmente menos denunciados ou reduzem-se mesmo porque efetivamente não há pessoas na rua, mas há determinadas tipologias criminais que podem também aparecer neste período, a recrudescer, como o que foi referido da violência doméstica, apesar de ainda não aparecer nas estatísticas, há o risco de aumentar; a questão das burlas, a criminalidade informática em geral, que são situações a que temos de estar atentos pelas diferentes forças e serviços de segurança para prevenir ou reagir a essas situações.

Relativamente aos meios de proteção individual que dispõem para o exercício das funções de policiamento e para o cumprimento dos seus objetivos, atualmente a PSP está numa situação mais confortável em termos da sua capacidade operacional?

Se perguntarem isso a um agente da polícia em geral ouvirão que os meios, para nós, nunca são suficientes. Ou seja, nós gostaríamos de ter sempre mais meios. Efetivamente, temos os meios necessários e possíveis de momento. Uma das primeiras necessidades que sentimos com o aparecimento da pandemia, foi adquirirem-nos proteções, quer as máscaras cirúrgicas, quer luvas. Foram-nos fornecidas por diversas entidades. Nós próprios adquirimos em processos de aquisição expeditos, e temos neste momento um conjunto muito assinalável de kits dos designados EPI – Equipamentos de Proteção Individual, em termos nacionais.

Por decisão do Diretor Nacional da PSP, foram manufaturadas 22 mil viseiras em acrílico para distribuir individualmente uma viseira a cada polícia, o que foi uma medida até bastante inovadora, em termos internos, e foi muito visível quando os polícias começaram a aparecer com estas viseiras em acrílico na rua. Causou algum impacto. Até fomos abordados por diversas instituições no sentido de saberem onde é que nós tínhamos adquirido aquele material. Neste momento, não estando a PSP numa situação em que possamos dizer que temos tudo o que necessitamos ou que temos tudo aquilo que quereríamos ter, estamos numa situação algo confortável para o atual índice pandémico. Naturalmente, estamos a dar continuidade em outros processos de aquisição de mais equipamento de proteção porque nós trabalhamos 24 horas por dia, sete dias por semana e temos de adquirir mais material para termos reservas para uma situação inesperada.

O equipamento individual mais necessário serão as luvas?

Sim, as luvas e as máscaras são elementos principais.

É quantificável a necessidade de armazenamento desse tipo de equipamento?

Até há pouco tempo, na semana passada, recebemos 80 mil pares de luvas da Proteção Civil e 120 mil máscaras. Já tínhamos em reserva mais cerca de 52 mil e estamos neste momento a distribuir esses mesmos kits. Naturalmente, existe um protocolo entre a Polícia que é o de não andarmos permanentemente de máscara e luvas. As luvas só são utilizadas quando necessário. A principal medida que adotámos no nosso plano de contingência é a lavagem frequente das mãos, e a distância de segurança para com os cidadãos. Mesmo nas situações de fiscalização com as viaturas, procuramos sensibilizar os nossos polícias para que mantenham uma distância de segurança, para utilizarem obrigatoriamente a viseira em acrílico, porque a máscara cirúrgica e as luvas são um bem escasso. Se nós entrássemos num processo de utilização em cada turno de um par de luvas e uma máscara cirúrgica por efetivo, não havia equipamento que resistisse. Nem um milhão de máscaras e um milhão de luvas seriam suficientes. Em cada turno estão, por exemplo, cinco mil policiais. Todos os dias, 365 dias por ano, a quantidade de EPI que seriam necessários. Não há nenhuma instituição que tenha essa capacidade. Daí, nós termos definido regras para a utilização das luvas, máscaras, etc… A máscara em acrílico, que deve ser lavada, tem utilização obrigatória. As máscaras cirúrgicas e as luvas são utilizadas perante indivíduos suspeitos de estarem infetados, e em situações de detenções de indivíduos com Covid-19. Aí há um protocolo estabelecido internamente, no sentido de criar determinado tipo de mecanismos que implique uma certa racionalização de um bem que é escasso.

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