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Operadores portuários admitem contratar estivadores fora do SEAL

Empresas e sindicato não se entendem e trocam acusações quanto à greve convocada até 30 de março. Agitação laboral recorrente leva porto da capital a ser o único a perder quota no Continente.
6 Março 2020, 12h00

“Se os serviços mínimos não forem cumpridos, os operadores [portuários de Lisboa] já estão a trabalhar numa solução que lhes permita retomar a normalidade”, garantiu Diogo Vaz Marecos, presidente da A-ETPL – Associação Empresas de Trabalho Portuário de Lisboa, pertencente ao grupo turco Yilport, em declarações exclusivas ao Jornal Económico. O presidente desta empresa acusa que “os serviços mínimos não estão a ser cumpridos” e avisa que “o Governo está atento”, em particular a tutela do setor, que passou a ser assumida por Pedro Nuno Santos, ministro das Infraestruturas e da Habitação.

Questionado sobre qual seria essa solução equacionada pelas empresas de estiva, este responsável respondeu que “iremos recorrer a um novo processo de recrutamento, preferencialmente com trabalhadores antes contratados pela A-ETPL; se não conseguirmos, iremos recrutar no mercado, de uma forma normal”.

A A-ETPLtinha um total de 143 estivadores contratados. Face à situação de desequilíbrio financeiro – validado por um estudo da consultora EY, a que o Jornal Económico teve acesso – solicitou, no passado dia 26 de fevereiro, o pedido de insolvência, aguardando-se a nomeação do respetivo gestor de insolvência. Neste momento, o presidente da A-ETPL garante que a empresa está disponível para contratar, através de uma outra empresa de recrutamento de estivadores, a Porlis, os estivadores que eram funcionários da A-ETPL, nas mesmas condições salariais e contratuais, abandonando a exigência de corte nos ordenados de 15%, que levou o Sindicato dos Estivadores e Atividade Logística (SEAL) a convocar a greve em curso. Mas, em vez de contratar os 143 anteriores estivadores, só deverão ser recrutados cerca de 80, deixando mais de 40 de fora, o que faz antever um novo braço de ferro com o sindicato liderado por António Mariano.

“Não temos dívida ao Estado. A empresa também não deve nada à banca. Deve aos trabalhadores. Neste momento, temos parte dos salários de janeiro em atraso e os ordenados de fevereiro em atraso na íntegra”, revela Diogo Marecos.

Segundo o referido estudo da EY, a A-ETPL teve uma faturação de 5,2 milhões de euros no ano passado, contra cerca de cinco milhões de euros com custos de pessoal. “Qualquer associação pode ter lucros, mesmo que não seja o seu objetivo. A lei permite que uma das formas de organização para o recrutamento de trabalho portuário seja uma associação empresa. Os restantes 200 mil euros não chegaram para pagar aos restantes fornecedores, incluindo água, eletricidade, rendas à administração portuária, sistemas de segurança, sistemas de tecnologia de informação, seguros, etc. A empresa, tal como está, não tem liquidez”, assegura Diogo Marecos.

O presidente da A-ETPL sublinha ainda que, tal como apurou o estudo da consultora EY, o porto de Lisboa e os seus operadores sofrem um fator de distorção da concorrência, uma vez que os ordenados pagos aos estivadores, uma média mensal de 1.645 euros, são valores 14,5% e 53,6% acima dos pagos nos concorrentes portos de Leixões e de Sines, respetivamente.

Adianta ainda que “não aumentamos o tarifário cobrado aos nossos clientes desde 1994”, data de fundação da empresa. “Aliás, não há mexidas nas tarifas na maioria dos portos nacionais há muitos anos. Durante 19 anos, esses preços não foram mexidos no porto de Leixões, por exemplo”, garante.

“O modelo financeiro da empresa funciona, desde que não haja greves e quebra de atividade portuárias que essas greves geram. Parte do agravamento dos custos deve-se ao facto de uma parcela significativa dos custos com pessoal ser feita através de trabalho suplementar. E não podemos aumentar os tarifários, que vão fazê-los refletir sobre os armadores, que podem ir a outro lado, a outros portos, como têm feito”, explica Diogo Marecos.

Este responsável recorda que nos últimos dez anos a empresa foi alvo de 124 pré-avisos de greve e 34 greves. Estes números já incluem a paralisação em curso, que começou a 19 de fevereiro, com o pré-aviso de greve decretado pelo SEAL ao trabalho suplementar e já está neste momento como uma greve geral, que se deverá prolongar, pelo menos, até 30 de março. No período entre 2012 e 2019, o porto de Lisboa registou um total de 577 dias com paralisações ao trabalho de estiva, o que é incomportável para qualquer armador internacional, uma vez que cada navio, em média, custa 16 mil dólares por dia para operar, cerca de 14.355 euros ao câmbio atual. Esse desvio das cargas para outros portos nacionais, mas também para portos espanhóis, com destaque para Barcelona, Valência e Algeciras, originou que o porto de Lisboa fosse o único de Portugal Continental que registou uma quebra de mercadorias movimentadas no período entre 2008 e 2018, menos 1% (ver tabela).

SEAL considera contratação a “confissão de um crime”
O SEAL considera que a intenção da Porlis contratar estivadores é a “confissão de um crime”. “A oferta de emprego da Porlis, empresa do grupo Yilport, é a confissão de um crime, de uma tentativa encapotada de despedimento coletivo através da insolvência fraudulenta da A-ETPL, tal como o sindicato tem vindo a denunciar”, disse ontem o presidente do SEAL, António Mariano, à agência Lusa.

“Estamos perante um total desrespeito da legislação portuguesa e do acordo do porto de Lisboa, que foi celebrado em 27 de maio de 2016, entre o SEAL e as empresas de estiva de Lisboa, sob mediação do Governo”, acrescentou o dirigente do SEAL.

Segundo António Mariano, as empresas de estiva de Lisboa estão a substituir a A-ETPL (empresa de cedência de mão-de-obra) pela empresa Porlis, do grupo Yilport, que, nos termos do acordo de 2016 já deveria ter sido extinta, e por uma nova empresa de trabalho portuário, que é a ETE-PRIME, do grupo português ETE (Empresa de Tráfego e Estiva, S.A.)”.

“Defendemos que, a exemplo do que aconteceu com a ex-ministra do Mar, Ana Paula Vitorino, num processo mediado pelo Governo que culminou com o acordo do Porto de Lisboa em 2016, haja uma intervenção do Governo. Os trabalhadores só exigem que lhes paguem os salários a que têm direito, que se cumpra o acordo assinado no Porto de Lisboa e que seja respeitada a legislação portuguesa, porque Portugal ainda continua a ser um estado de Direito”, disse o presidente do SEAL.

Apesar de o conflito estar em fase de escalada, Diogo Marecos não revela os valores dos prejuízos já causados para os operadores portuários, em particular, e para a economia nacional, em geral, dizendo apenas que “as empresas estão a perder muito dinheiro”.

No passado dia 25 de fevereiro, a organização mundial de estivadores (IDC – International Dockworkers Council) exigiu uma intervenção do Governo de Portugal “para repor a legalidade dos acordos em vigor e forçar os patrões portuários a pagarem os salários em atraso aos estivadores de Lisboa”. O IDC, que representa cerca de 140.000 estivadores em centenas de portos de todo o mundo, garantiu ainda que os estivadores do Porto de Lisboa não vão caminhar sozinhos nesta luta e deixou claro que iria tomar medidas contra o diz ser a postura antissindical do grupo Yilport.

“Deixamos claro que estamos dispostos a tomar medidas nas centenas de portos onde estamos presentes, para bloquear a ação danosa das empresas, nomeadamente do Grupo Yilport e da sua reconhecida postura antissindical que, tal como em exemplos anteriores, atinge agora a vida e a dignidade dos estivadores portugueses”, lê-se num comunicado publicado na página oficial do IDC, citado pela Lusa.

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