Em maio de 2020, na sequência de uma entrevista do anterior líder do CDS, que, quando questionado sobre uma possível coligação com o Chega nas eleições autárquicas, respondeu que “depende do caderno de encargos”, das “linhas vermelhas” do CDS e “das políticas concretas a avaliar localmente”, isso obrigou-me a lembrar publicamente que: “Em relação à extrema-direita, o CDS tem feito uma coisa que é dizer: Chega p’ra lá. Uma vez que são partidos que vão contra a nossa matriz e o nosso posicionamento” e também que a matriz centrista do CDS “não permite conviver com partidos extremistas”.

Felizmente que Nuno Melo, e bem, tem mantido a tradição do CDS naquele que deve ser o distanciamento a partidos radicais e populistas, como é o caso do Chega. Porém, é necessário distinguir entre aquilo que são acordos pré-eleitorais ou de governo, e o diálogo democrático entre todos os partidos.

Luís Montenegro foi sempre claríssimo em relação ao Chega com o “não é não” para o Governo, mas deixou sempre claro que havia disponibilidade da AD para a existência de acordos parlamentares em diferentes matérias onde os partidos convergem nas suas propostas. A AD vai dialogar com todos os partidos, do Bloco de Esquerda ao Chega, e tentará reunir os consensos possíveis para poder governar e cumprir o programa que apresentou aos portugueses.

Confesso que não compreendo a estratégia do Chega e de André Ventura quando insistem em integrar um Governo. Inicialmente pensei que era “bluff”, mas não, o Chega queria mesmo ter pastas governativas. Eu acredito que a força e o crescimento do Chega só existe se estiver de fora de um Governo a protestar contra tudo e contra todos. Foi assim que passou de um para 50 deputados. E só dessa forma conseguirá crescer mais.

Por outro lado, para além de questões aqui referidas neste artigo, o Chega e André Ventura são muito pouco confiáveis. E não é sequer pelo facto de André Ventura querer ocupar o espaço da AD e de todos os outros partidos, isso é normal em democracia, é pela circunstância do aval do Chega não dar nenhum tipo de confiança e segurança no cumprimento de um acordo.

Ao contrário do que ouvi de muitos comentadores – e principalmente se tivermos em conta a dificuldade que existe hoje no recrutamento de bons quadros para o exercício de qualquer tipo de funções públicas em Portugal – é justo reconhecer que os 17 ministros que compõem o Governo da AD surpreenderam pela positiva. E mais, quando comparamos este novo Governo com os ministros do anterior governo socialista, verificamos que essa diferença é grande e para muito melhor no novo elenco governativo.

O Governo da AD tem um calendário muito limitado e, como referi num artigo que escrevi há umas semanas, a gestão política dos próximos meses será determinante para o sucesso ou insucesso da governação.

O objetivo de Luís Montenegro deverá ser tentar fechar rapidamente várias matérias, porque em novembro, no momento de discussão do Orçamento do Estado (OE) de 2025, poderá ter que ir a votos novamente. E, até lá, temas relativos aos pensionistas (o aumento do CSI), às forças de segurança, aos militares, aos professores, aos médicos e enfermeiros, ao novo aeroporto ou à TAP, devem ser a marca da capacidade de decisão e afirmação do novo primeiro-ministro.

No tema do novo Aeroporto e da TAP, até tendo em conta o histórico de vários erros no passado e da complexidade dos temas, não deve, nem pode, existir precipitação nas decisões. Em ambos deve rapidamente ser consensualizado um calendário político, entabulando processos transparentes e racionais sobretudo na ótica das finanças públicas – envolvendo os diversos interessados – cujo sucesso não deixará indiferente todo o eleitorado, e em particular os jovens.

Se Luís Montenegro chegar a novembro com uma boa imagem em termos de capacidade de decisão e de afirmação política, isso permitirá comparar a competência das decisões do primeiro-ministro com as do líder da oposição, Pedro Nuno Santos, quando foi “Ministro da República”. E, assim, Luís Montenegro não só estará em condições de ir a votos e reforçar a votação da AD, bem como isso permitirá o condicionamento do Partido Socialista (que num cenário destes evitará eleições) elevando a fasquia no OE para que o seu programa de governo seja em grande medida politicamente caucionado pelo Partido Socialista.