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Orçamento com poucos segredos tem uma grande incógnita

Vai ou não o Governo inscrever um excedente orçamental no OE2026? E há condições para isso? Haja ou não brilharete no saldo orçamental, a despesa líquida promete ser um desafio para o ministro das Finanças, que já sabe levar às costas 4,5 mil milhões de euros em medidas já em vigor ou aprovadas.
9 Outubro 2025, 07h00

A caminho de um possível terceiro excedente orçamental consecutivo este ano, poderá Portugal chegar a um quarto resultado positivo em 2026? A esta distância — e à luz das contas feitas pelo Conselho das Finanças Públicas (CFP) — parece agora menos provável, mas o simples facto de a pergunta ainda não parecer desfasada da realidade diz bastante do período insólito que as contas do Estado atravessam.

Na verdade, no pós-pandemia, só um pequeno grupo europeu tem obtido mais receitas do que despesas: em 2024, Portugal alcançou um excedente de 0,7% do PIB, tendo sido acompanhado por Dinamarca, Irlanda e Chipre, bem como Grécia e Luxemburgo. No ano anterior, este grupo foi ainda mais restrito, com quatro países, incluindo novamente Portugal (1,2%).

O ministro das Finanças não estará, por isso, pressionado a fazer novo brilharete orçamental, mas o Governo prevê, para já, um excedente de 0,1% do PIB. O número foi avançado a Bruxelas em abril e reconfirmado em setembro por Joaquim Miranda Sarmento. Vai o ministro manter o número?

Conselho das Finanças Públicas põe água na fervura

Sem novas medidas (políticas invariantes), o CFP sublinha que os fundos europeus levam o défice a 0,6%, tal como a Comissão previra em maio. Ainda assim, a entidade que fiscaliza as contas do Estado não descarta um ligeiro excedente em 2026, dependendo da concretização do investimento público, da execução do PRR (três mil milhões de euros em empréstimos) ou da receita com impostos. O Banco de Portugal tinha avançado em junho um défice superior, de 1,3%, mas não atualizou essas previsões desde então.

O saldo orçamental, porém, não permite perceber por si só como são conduzidas as contas. Nesse sentido, o CFP avisa que os resultados recentes têm sido ancorados em excedentes da Segurança Social, devido ao “crescimento muito favorável do emprego, assente em elevados fluxos de imigração” e no momento de expansão da economia.

Além disso, alerta para uma maior despesa líquida, que retira da equação gastos com juros, medidas de receita discricionárias, gastos temporários, entre outros. A entidade liderada por Nazaré da Costa Cabral acredita que este indicador — que ganhou preponderância com as novas regras europeias — deverá subir 6,2% em 2026, mais nove décimas do que o compromisso assumido pelo Governo em Bruxelas. Já em maio, a Comissão tinha sinalizado que Portugal se estava a desviar das metas.

Fora destas contas, até um limite de 1,5% do PIB, está o investimento em defesa no âmbito da nova estratégia europeia.

Em todo o caso, o CFP acredita que Portugal continuará a reduzir a dívida pública — o saldo primário (que não conta com juros) deverá continuar positivo em 2026 (1,5%) e nos anos seguintes, contribuindo para a queda. Após uma redução estimada de 3,7 pontos percentuais este ano, a dívida deverá passar de 91,8% para 90,3% do PIB em 2026.

Importante ainda para as contas do Estado é o crescimento económico. O Banco de Portugal manteve a expectativa de 2,2% para 2026 (apesar de ter revisto em alta as previsões para 1,9% este ano), um número que alinha com a previsão de Bruxelas em maio e fica quatro décimas acima do previsto pelo CFP. Só não chega aos 2,4% antecipados em abril pelo Governo, embora Miranda Sarmento já tenha referido em setembro que deve ficar “em torno dos 2%”.

A CIP já se mostrou preocupada com o facto de o crescimento económico não acompanhar o ritmo dos salários.

Uma mochila pesada de 4,5 mil milhões de euros

Por mais dúvidas que ainda possam existir sobre o Orçamento, nesta altura já muito se sabe, incluindo que o ministro das Finanças carrega um impacto negativo acumulado de 4,5 mil milhões, por via de medidas já em vigor ou aprovadas.

No quadro de políticas invariantes entregue ao Parlamento, o Governo mostrou que conta gastar mais 2.811 milhões em salários e pensões, embora o impacto nas contas seja menor (1.725 milhões) depois de descontadas as respetivas receitas de IRS e contribuições sociais.

Nos salários, estão em causa, antes de descontos, 1.248 milhões, por via do acordo de rendimentos, de progressões e promoções, de acordos salariais e do aumento do salário mínimo.

Já nas pensões, o ministro espera gastar mais 1.563 milhões de euros com a atualização regular e a evolução natural na Segurança Social (maior número de aposentados aliado à subida da pensão média de quem entra no sistema). O complemento solidário para idosos vale mais 100 milhões.

Há ainda aumentos com juros, investimento, habitação, defesa (sem contar com a nova estratégia europeia) e a transferência para o orçamento da UE, que, no total, pesam 1.958 milhões.

Na receita, há um alívio com a reversão progressiva da isenção do ISP para biocombustíveis e o IRS Jovem (em conjunto 350 milhões), mas o Estado gasta mais com a atualização dos escalões e do mínimo de existência (325 milhões), a redução de IRC em 1 ponto percentual (300 milhões) e a nova descida no IRS (111 milhões).

Podem estas medidas travar a ambição do Governo de alcançar um excedente? Não foi o caso no orçamento passado. Miranda Sarmento carregava a priori um valor ainda maior, de 5,8 mil milhões, o que não inibiu então o ministro de apontar para um excedente de 0,3%.

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