A Comissão Europeia pretende aumentar o orçamento da UE para quase 2 biliões de euros, de acordo com a proposta apresentada esta quarta-feira, após uma maratona de negociações e adiamentos sucessivos da apresentação ao Parlamento Europeu. O aumento é maior do que se esperava e a falta de transparência está a abrir fissuras entre os eurodeputados, incluindo no grupo parlamentar de Ursula von der Leyen.
As notícias que vinham sendo veiculadas nos últimos dias falavam de um aumento planeado do orçamento da UE, formalmente conhecido como quadro financeiro plurianual para 2028-2034, de 1,2 biliões de euros para 2 biliões, embora, em termos líquidos e relativos, o aumento seja menor. Apesar do salto nominal de 1,13% para 1,26% do rendimento nacional bruto (RNB) europeu, depois de descontados os reembolsos ao abrigo do NextGenEU, o novo orçamento representa 1,15% deste indicador.
“É um orçamento para uma nova era, que corresponde à ambição europeia”, escreveu von der Leyen na sua conta do X, juntamente com a apresentação das linhas gerais da proposta – uma apresentação que estava inicialmente marcada para as 12h30 de Bruxelas (mais uma hora que em Lisboa), mas que foi adiada por duas vezes até ser conhecida às 16h30 locais.
Já na conferência de imprensa da presidente da Comissão, von der Leyen defendeu que “este QFP é o mais ambicioso já proposto”, além de “mais flexível, mais estratégico, mais transparente”.
Em sentido contrário, o eurodeputado responsável por representar o Parlamento nas negociações orçamentais, o romeno Siegfried Mureșan, deixou fortes críticas à forma como a proposta foi apresentada – isto apesar de pertencer à mesma família política que von der Leyen, o Partido Popular Europeu (PPE).
“Espero que também traga consigo documentos oficiais, dado que esta distinta câmara não foi ainda informada oficialmente pela Comissão Europeia quanto às decisões tomadas hoje”, afirmou publicamente, apontando o dedo a Piotr Serafin, responsável orçamental da UE e também do PPE.
O que muda com a proposta?
Como também vinha sendo falado, Bruxelas pretende fundir a Política Agrícola Comum (PAC) com a política de coesão, uma proposta que conta com a oposição da maioria dos Estados-membros, incluindo Portugal. Segundo a Comissão, esta fusão torna o acesso aos beneficiários mais simples e permite uma resposta mais ágil, mas os agricultores europeus já se expressaram contra.
São 865 mil milhões de euros alocados às ‘Parcerias Nacionais e Regionais’, nova designação dos programas que passam a incluir a PAC e fundos de coesão, segundo a apresentação de Bruxelas. Na prática, as autoridades regionais perdem controlo sobre estes fundos, que passam a ser geridos com maior input dos governos nacionais, sendo que o rendimento do país é que passa a ser determinante para o envelope que recebe – por oposição ao atual modelo, que olhava diretamente para as contas das regiões.
A título de exemplo, o sul de Itália sairá prejudicado pelas alterações, dado que o PIB do país é influenciado pelas regiões mais ricas do norte.
No detalhe, as verbas associadas à PAC também sofrem um corte considerável, com o portal Euractiv a falar numa redução de 387 mil milhões de euros para 300 mil milhões. Combinadas, a PAC e a política de coesão representavam quase dois terços do anterior orçamento; na nova proposta, não chegam a metade.
Outra novidade prende-se com a introdução do Fundo Europeu para a Competitividade, que contará com 410 mil milhões de euros de dotação para as áreas da inovação empresarial – sendo 35% deste montante destinado a projetos relacionados com a questão climática, revelou von der Leyen. Aqui incluídos estão também os 131 mil milhões destinados à defesa e ao espaço.
Este constituirá o grosso do segundo pilar, completado por programas como o Erasmus+ ou o AgoraEU, focado na cultura, juventude, desporto e igualdade.
Finalmente, o terceiro pilar, chamado de ‘Europa Global’, aloca 200 mil milhões à diplomacia europeia, com 60 mil milhões destinados a África e 43 mil milhões para o leste europeu e o Médio Oriente, respetivamente.
Medidas de discórdia
Durante o dia, um grupo de agricultores esteve em protesto no exterior da Comissão, embora sem os seus tratores, como sucedeu em manifestações passadas que paralisaram parcialmente Bruxelas e geraram alguns momentos de tensão nas ruas. Para estes, a proposta da Comissão é incompreensível após meses de consultas ao setor, afirmaram os representantes do protesto.
Também entre os políticos europeus houve manifestações de desagrado e desacordo com a proposta. Viktor Órban, primeiro-ministro húngaro e uma voz recorrentemente dissonante das instituições europeias, considerou que a Ucrânia é a principal beneficiada com a proposta orçamental, dado o aumento nas verbas que recebe.
“Este plano arrisca deixar de lado a Europa rural e ameaçar famílias por todo o continente. Bruxelas não pode abandonar os agricultores europeus para financiar a Ucrânia”, acusou no X.
Num raro momento de alinhamento, o PPE, os Socialistas, o Renascimento e os Verdes deixaram fortes críticas à proposta e, sobretudo, à forma como foi apresentada. Estas famílias políticas pró-europeias consideram que a Comissão está a minar o poder de supervisão do Parlamento e a “renacionalizar políticas comunitárias de bandeira”, arriscando “comprometer os valores europeus”.
Também João Oliveira, eurodeputado pelo PCP, foi a voz das acusações à esquerda, apontando ao aumento nos gastos com defesa. O orçamento para esta área dispara de 10 mil milhões no atual quadro para 131 mil milhões na nova proposta, uma prioridade que “não tem nada a ver com as dos nossos cidadãos”, afirmou o eurodeputado português.
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