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Orçamento “policromático” permite negociações múltiplas

Ministro das Finanças apresentou o primeiro Orçamento com excedente em 45 anos de democracia. “Talvez o segredo de uma negociação justa seja ninguém estar amarrado a ninguém”, disse Centeno.
18 Dezembro 2019, 07h59

Mário Centeno apresentou ontem o primeiro Orçamento do Estado (OE) com um excedente na história da Terceira República. “Este Orçamento é histórico pelos resultados, o primeiro entregue com previsão de excedente orçamental, nunca antes tinha acontecido. Não é um objetivo em si próprio. Tem que transmitir confiança. Tem credibilizado a politica económica e orçamental em Portugal como nunca antes tinha sido feito”, disse o ministro na conferência de imprensa de apresentação do OE.

A classificação de “histórico” foi utilizada não só devido ao facto de o país registar o primeiro excedente desde 1973, mas também graças à descida do rácio de dívida pública para 116,2% do Produto Interno Bruto (PIB), por via do crescimento deste último indicador. Isto apesar de alguns economistas considerarem “otimista” a previsão do Governo, que aponta para um crescimento do PIB de 1,9% no próximo ano (ver página 8), por assentar na convicção de que os principais mercados das exportações portuguesas vão registar uma melhoria da atividade económica em 2020.

Segundo o ministro das Finanças, também líder do Eurogrupo, a descida do rácio da dívida pública projetada na proposta do OE 2020 demonstra que o Governo está confiante na meta de cortar o endividamento para abaixo dos 100% do PIB no final da legislatura e retirar Portugal do rol de países “na cauda” desse indicador (ver páginas 12 e 13). “A sustentabilidade das finanças públicas resume-se não apenas ao saldo orçamental, mas também na dívida”, referiu.

Centeno aproveitou ainda a conferência de imprensa para tentar desmentir a notícia do “Expresso” sobre divergências com António Costa no Eurogrupo: “Não entendo de onde vem o eco de batalhas internas, isso não existe.”

Reagindo às críticas que têm sido feitas ao aumento da carga fiscal e ao facto de os escalões do IRS serem atualizados abaixo da inflação, defendeu a necessidade de agir com “prudência”, lembrando o sucedido em 2009, no Governo de José Sócrates, dois anos antes da intervenção da troika. “Infelizmente, 2009 é um bom exemplo”, disse.

Na área das empresas, o OE tem poucas novidades (ver página 17), tendo sido recebido com frieza pela CIP. A confederação patronal julga que o Governo poderia ter sido “um pouco mais ambicioso” e “ido mais além” no que toca aos estímulos à economia, reduzindo o IRC para todas as empresas e utilizando a margem atribuída pelo inédito excedente. “Além de termos um excedente orçamental de 0,2% do Produto Interno Bruto (PIB), o que é bom, seria melhor se este se situasse nos 0,1% (200 milhões de euros)”, disse António Saraiva, presidente da CIP, à Lusa.

Transportes, defesa e saúde recebem mais investimento
Ao contrário de orçamentos anteriores, o de 2020 contempla um aumento do investimento público, para cinco mil milhões de euros, o que corresponde a mais 18% do que o valor executado no ano que está a terminar. Os transportes, a defesa (com um investimento de 315 milhões de euros, ao abrigo da Lei da Programação Militar) e saúde são áreas onde o investimento será mais significativo.

Num vídeo divulgado ontem pelo Governo, o primeiro-ministro António Costa defendeu ontem que “este é um Orçamento de continuidade, porque salvaguarda todos os progressos alcançados na anterior legislatura, e avança em novos domínios. Prevemos um reforço substancial do investimento público”. “É atento às necessidades do presente, desde logo na saúde, que é fundamental. O Serviço Nacional de Saúde (SNS) é a principal prioridade deste Orçamento”, salientou. De acordo com a proposta do OE 2020, o orçamento da Saúde será reforçado em 800 milhões de euros, juntamente com um investimento de cerca de 100 milhões de euros destinado à construção de novas instalações, como a ala de pediatria do hospital de São João, no Porto, ou o novo hospital da Madeira.

Por sua vez, os transportes vão receber 589 milhões de euros, mais 350 milhões que em 2019, para distribuir entre ferrovia, metropolitano, navios e autocarros.

Aberto à negociação com várias forças
Além das questões puramente financeiras, assenta numa orientação estratégica que visa combater as alterações climáticas, enfrentar a dinâmica demográfica, liderar a transição digital e reduzir as desigualdades. Num artigo de opinião (ver página 9) o fiscalista Carlos Lobo, partner da EY, diz que é um “orçamento policromático”, que elenca os quatro desafios estratégicos mas não avança com nenhuma “medida revolucionária”, o que pode facilitar entendimentos com diferentes forças partidárias com vista à aprovação. Este aspeto será decisivo dado que o Governo precisa dos votos favoráveis de pelo menos 116 deputados, através de entendimentos com Bloco de Esquerda, PCP, PAN, PEV, Livre ou mesmo os três deputados eleitos pelo PSD Madeira (ver página 14 e 15). Fontes contactadas pelo JE consideram que este documento cria condições para haver negociações com vários parceiros, com vista à viabilização. Neste contexto, temas como os aumentos previstos para os funcionários públicos (que os sindicatos consideraram vexatórios e o Bloco e PCP terão muita dificuldade em aceitar) serviriam para “início de conversa”.

“Talvez o segredo de uma negociação justa e igual seja ninguém estar amarrado a ninguém”, disse Centeno aos jornalistas, na entrega da proposta do OE 2020 no Parlamento, na segunda-feira. E acrescentou: “Tenho muitas dúvidas que alguém possa não se rever num orçamento como este”.

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