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Orçamento traz menor alívio fiscal do que o esperado

O Orçamento para 2023 foi aprovado num contexto de incerteza. Os especialistas fazem reparos positivos, mas também deixam críticas ao Governo, considerando que poderia ter ido mais longe no alívio.
24 Dezembro 2022, 16h00

O Orçamento do Estado para o próximo ano (OE2023) já está aprovado. Depois de vários dias de discussão e votações, recebeu “luz verde” na Assembleia da República, apenas com o voto favorável do PS e as abstenções dos deputados únicos do PAN e do Livre. Para as famílias, o plano delineado pelo Governo de António Costa traz, por exemplo, um alívio do IRS, enquanto para as empresas tem previsto nomeadamente um novo incentivo à capitalização e um benefício para aquelas que valorizem os salários dos seus trabalhadores. Ainda assim, os fiscalistas e economistas ouvidos pelo JE têm reservas e críticas a apontar ao documento que segue agora para Belém, defendendo que se poderia ter ido mais longe na redução da carga fiscal e avisando que em 2024 os portugueses poderão ter uma “surpresa” no momento do acerto de contas anual com o Fisco.

No que diz respeito às famílias, há várias medidas previstas no OE2023, a pensar também no atual cenário de inflação, sendo as “mais emblemáticas”, nas palavras do fiscalista José Pedroso de Melo, da Telles, o reforço do IRS Jovem – a isenção de imposto prevista nesse âmbito sobe de 30% para 50%, no primeiro ano de aplicação do regime –, a atualização dos escalões de IRS – em 5,1%, isto é, em linha com o referencial para o aumento dos salários firmado em Concertação Social entre o Governo, os patrões e a UGT – e a reformulação do mínimo de existência.

Quanto a esta última medida, a intenção do Executivo é tornar o IRS mais progressivo. Isto porque, à luz do modelo atual, havia um “conjunto significativo” de agregados familiares, segundo o OE2023, que tinham um rendimento bruto ligeiramente acima do mínimo de existência, mas que, por não terem direito, então, à isenção fiscal associada a essa medida, acabavam por ter um rendimento líquido igual a esse valor. O que passa a ficar previsto é que o mínimo de existência se aplica antes de se calcular o valor do imposto a pagar, além de passar a ser atualizado em função do Indexante dos Apoios Sociais (IAS).

“Em abstrato, estas alterações parecem positivas, na medida em que permitem abranger salários baixos mas acima do limiar do salário mínimo, o que, infelizmente, cobre uma franja considerável da população”, salienta José Pedroso de Melo. Já Raquel Roque, da CRS Advogados, defende que o Governo “poderia ter ido mais longe”; isto é, teria sido benéfico, por exemplo criar um “rácio própria de cálculo do mínimo de existência”, uma vez que o IAS “também não reflete, com caráter certo, questões de inflação ou outros fatores externos”. Por sua vez, Jaime Esteves, da J+Legal, que realça como aspeto negativo do OE2023 a ausência de uma “redução relevante, pontual ou transversal, da tributação das famílias”, atira que a mudança no mínimo de existência nada acrescenta no sentido de uma “reintrodução dos elementos de pessoalização do imposto”, ou seja, com vista a uma adaptação às “particularidades de cada família”.

Ainda no âmbito do IRS, também a mudança na retenção na fonte incluída pelo Governo no OE2023 merece uma nota positiva acompanhada de alguns alertas, frisam os fiscalistas. Neste caso, a medida tem como objetivo assegurar que um aumento do salário bruto se traduz numa subida do ordenado líquido, através da substituição das taxas únicas de retenção na fonte por taxas marginais. Aproxima-se, assim, o imposto retido mensalmente do efetivo, o que é positivo, dizem os especialistas, mas significará também a perda do “efeito de retenção-poupança”, avisa o fiscalista da Telles. “As famílias deverão estar conscientes de que, com este modelo, não poderão contar com o bónus anual do reembolso de IRS”, sublinha José Pedroso de Melo.

Novo incentivo à capitalização
Também no que diz respeito às empresas, o OE2023 tem preparadas várias medidas, com base no acordo de rendimentos e competitividade celebrado em Concertação Social. Entre elas, está o novo incentivo à capitalização, mas também o fim do limite temporal para a dedução dos prejuízos fiscais, o alargamento do âmbito de aplicação da taxa reduzida de 17% de IRC, e um benefício em sede de IRC para as empresas que valorizem em, pelo menos, 5,1% os salários dos seus trabalhadores no próximo ano.

Aliás, as semanas que precederam a entrega do OE2023 no Parlamento ficaram marcadas por uma discussão em torno da redução transversal (defendida pelo ministro da Economia) ou não do IRC, mas o Governo acabou por optar por um alívio seletivo focado nos empregadores que subam os ordenados. O desenho escolhido para a medida levanta, contudo, o risco de ter um impacto residual. “Os requisitos são tantos e tão dificilmente cumuláveis que o alcance prático da medida será, seguramente, muitíssimo limitado”, antecipa Jaimes Esteves. “Temo que o conjunto de requisitos que a lei estabelece para a obtenção do benefício possa vir a esvaziar o impacto da medida”, concorda José Pedroso de Melo, apelando a uma redução paralela das contribuições pagas pelas empresas para a Segurança Social, “que são o maior desincentivo aos aumentos salariais.”

Assim, os fiscalistas tendem a concordar com António Costa Silva e a defender uma redução transversal do imposto aplicado às empresas, até porque Portugal compara mal hoje a este nível no plano internacional, realçam. Por exemplo, relativamente ao alargamento da taxa reduzida de IRC às empresas com lucros tributáveis até 50 mil euros, Raquel Roque entende que “faltou a visão que permitiria tornar Portugal mais atrativo e apoiar as empresas no seu crescimento.”

Medidas ficam aquém
Apesar de destacarem algumas medidas inscritas no OE2023, os economistas contactados pelo JE focam-se mais no caminho não percorrido, sobretudo no que respeita ao IRS, não compreendendo a falta de compensações pela não atualização do ano passado.

Vera Gouveia Barros, economista, começa por destacar as novas retenções na fonte e a criação de um passe ferroviário nacional como as medidas mais pertinentes no atual contexto, mas gostaria de ter visto uma redução do IRS que conferisse mais rendimento às famílias. Ao mesmo tempo, estranha a concessão de benefícios fiscais para os juros com o crédito à habitação, uma medida que diferencia entre quem tem casa própria e arrenda.

Esta é uma “discriminação” que Pedro Brinca, economista e professor universitário, não entende. O OE2023 “compensa os senhorios por um aumento das rendas abaixo do que estava na lei, mas não tem qualquer verba prevista para apoiar casos de privação extrema de quem tem um empréstimo à habitação”, expõe.

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