O lema presente na bandeira do Brasil, que levou Salazar a questionar Gilberto Freyre sobre como iam as suas investigações sobre a temática, continua a ser objeto de leituras díspares. Assim, a direita revê-se na ordem indicada, uma vez que considera que só garantida a ordem se poderá alcançar o progresso. Porém, a esquerda revela muitas dificuldades em conviver com a palavra “ordem”. Adepta da liberdade, encara a ordem como passível de limitação da liberdade e coloca a tónica no progresso, pois julga que este será condição necessária e suficiente para uma melhor organização da sociedade.
Trata-se de uma discussão antiga, muito anterior à dicotomia esquerda-direita da Revolução Francesa, pois, na Antiguidade, Cícero já tinha teorizado a questão do Direito Natural e clarificado que a lei servia para limitar o poder dos magistrados e garantir a liberdade dos cidadãos. Nas suas palavras, somos servos da lei para que possamos ser livres. Uma discussão que permanece na atualidade e sem fim à vista.
Assim, quando surgem problemas que evidenciam o crescimento da criminalidade e a consequente diminuição da segurança individual e coletiva, ressurgem vozes a clamar pela instauração da ordem e, simultaneamente, fazem-se ouvir as queixas dos que se sentem vítimas da ordem instalada.
As primeiras acusam o Estado de se demitir da sua função ao não saber usar o seu poder e, como tal, de estar a perder autoridade, tornando-se uma espécie de refém de grupos minoritários de diversa índole que, por um lado, questionam o modelo vigente e, por outro, chegam a colocar em causa a vida e a propriedade dos cidadãos.
As segundas vozes, conotadas com o discurso politicamente correto, veem xenofobia, racismo e abusos das forças de segurança em todas as situações de violência e, como tal, vitimizam-se em relação às ações desencadeadas por agentes que agem em nome do Estado.
Como é lógico, Portugal não passa ao lado desta problemática, apesar de ser considerado um país de brandos costumes e ter fama de saber integrar as minorias e os imigrantes, com a agravante de, em nome do politicamente correto, vigorar a tendência para não proceder a uma destrinça de farinhas e colocar tudo no mesmo saco.
Verdade que o comportamento de alguns agentes de segurança, como aconteceu no processo relativo à morte violenta de um cidadão ucraniano nas instalações do SEF no aeroporto Humberto Delgado, encarregam-se de dar razão a essas vozes. Só que uma árvore não faz a floresta. Uma forma de dizer que, ao contrário do que alguns pretendem mostrar, este comportamento não é a imagem de marca dos agentes, quer pertençam ao SEF, à PSP, à GNR ou a outra força de segurança pública. Agentes que no concelho do Seixal passaram a usar colete à prova de bala com receio de represálias pela morte de um cidadão português que respondeu a tiro de caçadeira à ordem de detenção e que foram desautorizados quando quiseram parar uma festa de casamento com mais de 50 convidados que durava há seis dias em Alter do Chão.
Fingir não perceber que o crescimento do apoio ao populismo identitário, mesclado com laivos de antissistema, decorre do mediatismo e da sensação de impunidade de quem enfrenta ou diaboliza toda a ação que visa manter a ordem representa mais do que um erro de análise.
Em democracia, o progresso e a ordem requerem que o Poder se respeite e seja respeitado. Portugal não pode ser exceção.