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Os bancos centrais podem ser ‘cool’ e lançar moedas digitais? Sim, mas pedem tempo

Jerome Powell, ‘chair’ da Fed, Jens Weidmann, presidente do Bundesbank e Agustín Carstens, diretor do Bank for International Settlements, dizem que os bancos centrais têm de continuar a inovar, incluindo no lançamento de moedas digitais. Os beneficíos podem ser enormes, mas tendo em conta os riscos e os impactos, o processo não pode ser apressado, alertam.
22 Março 2021, 18h10

Quem diz que os banqueiros centrais não podem ser ‘cool’? A Innovation Summit do Bank for International Settlement (BIS) começou com esta questão inusitada, colocada pela moderadora no início de um painel que foi dominado pela análise do tema dos projetos dos bancos centrais para lançarem moedas digitais, (ou CBDC, sigla em inglês para central bank digital currency).

Jerome Powell, presidente da Reserva Federal (Fed) dos Estados Unidos, respondeu que os bancos centrais “precisam e têm obrigação de estar na linha da frente de conhecimento sobre os desafios tecnológicos e perceber os custos e os beneficios”.

Em relação a uma moeda digital, explicou que a Fed está a explorar o assunto, mas não está ainda em posição de tomar uma decisão.

“Porque o dólar é a moeda de reserva do mundo, não precisamos de apressar este processo, não precisamos de ser os primeiros a chegar ao mercado”, disse. “Um CBDC em dólar poderá ter implicações enormes nos EUA e no mundo, portanto podem ter a certeza que vamos colaborar de forma muito alargada com o público antes de chegarmos a uma decisão.

O presidente da Fed sublinhou que a pergunta crucial é se o público quer ou precisa de uma moeda digital emitida pelo banco central e que complemente um sistema de pagamentos que já é muito eficiente, fiável e inovador. Entre os benefícios elencados por Powell está um sistema mais eficiente e inclusivo.

“Mas também há riscos significativos, como o risco cibernético, o branqueamento do capital, o financiamento do terrorismo e riscos à estabilidade financeira”, alertou. “Não queremos desestabilizar um sistema de dois níveis, no qual nós somos o garante da estabidade”.

Powell explicou que a Fed tem um tech lab, com mais de metade dos bancos de reserva estaduais a trabalharem na investigação sobre o assunto. O banco central está a colaborar com o Massachussetts Institute of Technology num projeto para criar uma hipotética moeda digital. O chair sublinha que é um projeto de longo prazo para explorar as vantagens e riscos, e não para criar um protótipo.

Antes de avançar para o lançamento da moeda, a Fed irá pedir autorização ao Congresso através de legislação específica, e também da presidência. “E ainda não começamos o trabalhar de interação com o público”, concluiu.

Zona euro: horizonte ultrapassa três anos, diz Weidmann

Deste lado do Atlântico, o Banco Central Europeu (BCE) já está um passo à frente nesse processo, tendo anunciado em janeiro que recebeu oito mil respostas na consulta pública lançada em outubro sobre o euro digital .

A análise da consulta será divulgada esta primavera, mas isso não significa que o BCE espera estar em posição de lançar a divisa digital no curto prazo. Questionado no painel do BIS se isso poderia acontecer em dois ou três anos, Jens Weidmann, presidente do alemão Bundesbank, respondeu: “Esse horizonte é certamente curto demais”.

“A previsão é que estamos todos a trabalhar seriamente no assunto e que muitos bancos centrais irão a prazo desenvolver moedas digitais”, disse, adiantando que o debate sobre os criptoativos ilustra que as necessidades e as preferências dos consumidores mudam, no contexto da procura por métodos de pagamento convenientes, rápidos e adequados ao uso na internet.

Weidmann sublinhou que cabe aos bancos centrais fornecer a estrutura para esses sistemas, possibilitando aos bancos comerciais oferecer os serviços associados e fazer a interface com os clientes.

O alemão lembrou, contudo, que os bancos centrais têm decisões difíceis a tomar em relação às moedas digitais. “Com dinheiro, quanto mais for usado, melhor é para todos, portanto iremos ter de aumentar a atratividade das CBDC. Mas por outro lado essas moedas deverão vir com efeitos colaterais e riscos, e para mitigar estes teríamos de reduzir a atratividade das moedas”.

“Um desses riscos é a desintermediação. As moedas digitais dos bancos centrais tornar-se-ão substitutas dos depósitos bancários, e em tempos de stress a atrativadade dessas moedas iria superar as dos depósitos e um risco de uma corrida para levantar dinheiro, o que iria aumentar a dependência dos bancos no financiamento dos bancos centrais e aumentar os nossos balanços”, vincou.

Weidmann adiantou que quando o BCE estiver pronto para lançar o euro digital, “será certamente com um base jurídica sólida”, um aspecto no qual o banco vai começar a trabalhar depois da fase da consulta pública.

“É melhor irmos devagar, porque temos pressa”

“Pode não ser muito conhecido, mas os bancos centrais estão a inovar há anos”, referiu Agustín Carstens, diretor-geral do BIS, apontando para todo o sistema de pagamentos rápidos que foi desenvolvido pelas instituições monetárias.

Carstens reconheceu, no entanto, que o desenvolvimento tecnológico no setor privado tem ocorrido a uma velocidade acelerada e que “os bancos centrais não querem ficar para trás e, em muitos aspectos, querem liderar”.

O BIS tem um hub para as moedas digitais, que serve para criar centros de inovação à volta do mundo e para produzir avanços comuns e juntar esforços para que os bancos centrais “não tenham cada um de inventar a água quente”.

Um recente inquérito do BIS revelou que a maioria dos bancos centrais estão desenvolver CBDC e que daqui a três anos um quinto da população terá acesso a essas moedas, mas Cartens nega que haja urgência.

“A maioria dos bancos centrais não está a abordar isto como uma corrida, isto é um avanço muito grande”, disse, adiantando que são projetos complexos, que não podem falhar, têm de ter resiliência, pois têm muitas implicaçõe para a arquitectura do sistema financeiro e para a política monetária”, explicou.

“Não parece haver um verdadeira urgência para ter uma CBDC em cima da mesa amanhã, e o que é necessário é ter um horizonte de médio prazo e certificar que há qualidade e zero espaço para erros”.

“Este é o tipo de problema no qual é melhor irmos devagar, porque temos pressa”, concluiu.

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