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De Ricardo Salgado a João Rendeiro: conheça os banqueiros portugueses na mira da Justiça

O Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) já está a escrever a acusação do processo Universo Espírito Santo que deverá ficar concluída esta semana. Ricardo Salgado está no vértice da acusação. Na semana passada o ex-presidente do desaparecido BPP foi condenado pela Relação a 5 anos e 8 meses de prisão efetiva. Mas ainda pode recorrer. Até agora o único banqueiro preso foi Oliveira e Costa. Para além do ex-ministro Armando Vara que também foi administrador de bancos.
13 Julho 2020, 08h15

Depois de esta semana o ex-presidente do Banco Privado Português, João Rendeiro, ter sido condenado a 5 anos e 8 meses de prisão efetiva, pelo Tribunal da Relação, na próxima semana é a vez do Ministério Público concluir a acusação da ação principal contra Ricardo Salgado, ex-presidente do Banco Espírito Santo.

No despacho de acusação do processo principal do Universo Espírito Santo, segundo uma notícia divulgada pelo jornal Público deste sábado, o Ministério Público sustenta que Ricardo Salgado criou dentro do BES uma estrutura paralela que funcionava sem o conhecimento dos órgãos de gestão e controlo (que não era conhecida dos outros administradores) e também dos supervisores, com o objetivo de manter o Grupo Espírito Santo, financiando a dívida das empresas da família.

Serão mais de 3 mil páginas de acusação ao antigo líder do Grupo Espírito Santo, num megaprocesso que tem 41 arguidos. O despacho de acusação está a ser ultimado por uma equipa de procuradores liderada por José Ranito.

Ainda que a justiça seja lenta e os sucessivos recursos judiciais possam levar muitos dos casos à prescrição, a verdade é que já temos uma quota significativa de banqueiros nas barras dos tribunais e alguns condenados a prisão efetiva.

Ricardo Salgado, o emblemático presidente do BES

O antigo todo-poderoso presidente do Banco Espírito Santo é alvo de inúmeros processos crime. Só à conta do Ministério Público, Ricardo Salgado tem de responder por quatro processos: Monte Branco, Universo Espírito Santo, Operação Marquês e CMEC.

Recorde-se que, a 28 de setembro de 2016, a Procuradoria-Geral da República (PGR) anunciou que tinham sido abertos sete inquéritos autónomos no âmbito deste caso Universo Espírito Santo. Dois anos e meio depois, a 28 de março de 2019, a PGR revelou que a “investigação ao designado Universo Espírito Santo compreende um processo principal, ao qual estão apensos (juntos) 252 outros”. Isto é, os sete inquéritos abertos até setembro de 2016 foram alvo de fusão numa única investigação, sendo que as queixas dos clientes do BES subiram para 252.

Ora o processo principal tem o despacho de acusação a ser ultimado por uma equipa de procuradores liderada por José Ranito.  Segundo o Expresso, prevê-se que a acusação aos responsáveis pela derrocada do grupo por crimes como associação criminosa e corrupção esteja terminada até 16 de julho, antes das férias judiciais.

A investigação começou em 2014 e o processo tem, segundo a última informação divulgada pela Procuradoria-Geral da República, 41 arguidos. Um já morreu (José Castella). Além de Ricardo Salgado, foram ainda constituídos arguidos mais 33 cidadãos nacionais e estrangeiros e oito pessoas coletivas.

O Jornal “Público” deste sábado diz que o Ministério Público se “inclina” para a tese de que Ricardo Salgado liderou uma associação criminosa dentro do Grupo Espírito Santo. Segundo o jornal, a tese do Ministério Público é que foi criada uma estrutura fraudulenta dentro do banco, centralizada no Departamento Financeiro e de Mercados – que tinha tutela direta de Amílcar Morais Pires, antigo diretor financeiro do banco, e que era gerida por Isabel Ferreira.

O Ministério Público defenderá na acusação de que essa foi uma estrutura criada dentro do banco e que escapava ao conhecimento da maioria da equipa de gestão do banco de do Grupo (isto é, escapava ao conhecimento da maioria dos administradores) e das entidades de fiscalização do banco, incluindo o Banco de Portugal. Essa estrutura, segundo o Público, fazia pagamentos ocultos, cometia fraudes no comércio internacional e desviava fundos de centenas de milhões de euros para corrupção. Era uma entidade que, envolvendo o banco, sustentava as necessidades financeiras do Grupo Espírito Santo.

Segundo a notícia, Ricardo Salgado geria as operações em Lisboa recorrendo a paraísos fiscais nas Ilhas Virgens britânicas, no Panamá ou nas Caraíbas, por exemplo. O acompanhamento destas operações seria feito a partir da Suíça com recurso a vários testas de ferro. Nesta estratégia terá sido fundamental a empresa Eurofin que tinha uma ligação não assumida ao Grupo Espírito Santo. Era a partir da Eurofin que se movimentavam os fundos emprestados pelos clientes do BES. O dinheiro era usado para acudir às dificuldades financeiras das empresas do grupo.

Um dos crimes que deverá ser imputado a Salgado e a outros ex-responsáveis do GES e do Banco Espírito Santo (BES) é o de associação criminosa. No processo que está agora a ser concluído, estão ainda em causa os alegados crimes de corrupção ativa e passiva no setor privado, corrupção com prejuízo no comércio internacional (de titulares de cargos políticos e públicos da Venezuela), branqueamento de capitais, burla qualificada, infidelidade e falsificação de documentos.

João Rendeiro, condenado a prisão efetiva pode recorrer

João Rendeiro foi condenado a 5 anos e 8 meses de prisão efetiva, esta sexta-feira. A Justiça deu como provados os crimes de falsidade informática e falsificação de documento, que lesaram o Banco Privado Português que acabou por desaparecer em 2010. São 5 anos e 8 meses de prisão efetiva para Rendeiro e 4 anos e 8 meses para Paulo Guichard, ex-administrador do banco que faliu em 2008.

Mas embora tenham sido condenados pelo Tribunal da Relação ainda podem recorrer e não está dissipado o risco do processo se poder perder no tempo.

Na primeira instância tinham sido condenados a pena suspensa. Agora a Relação tornou as penas efetivas e aumentou ligeiramente o tempo de prisão, embora ainda não tenham transitado em julgado.

Está em causa a alegada falsificação da contabilidade do BPP, imputada à administração liderada por João Rendeiro para esconder os prejuízos financeiros da instituição que era especialista em gestão de fortunas.

O ex-presidente executivo foi acusado, em junho de 2014, pelo DIAP de Lisboa, de seis crimes de falsidade informática e um crime de falsificação de documentos. Foram ainda acusados, na altura, os ex-administradores Paulo Guichard, Salvador Fezas Vital e Fernando Lima e um quadro do BPP chamado Paulo Lopes.

Segundo o Observador, em vez do habitual crime de falsificação de documentos, o Ministério Público optou por acusar João Rendeiro e os restantes ex-responsáveis do crime de falsidade informática, porque a informatização e a digitalização documental em vigor no dia-a-dia das sociedades comerciais faz com que apenas exista uma contabilidade em suporte informático — e não em papel. O crime de falsidade informática tem também uma pena máxima de prisão até cinco anos — muito superior à pena máxima do crime de falsificação de documentos, que não vai além dos três anos. A diferença entre as penas máximas faz também com que os prazos de prescrição do crime de falsidade sejam maiores, explica ainda o Observador que confirmou a notícia avançada pela SIC nesta sexta-feira.

João Rendeiro, Paulo Guichard e Salvador Fezas Vital têm ainda outros dois processos a aguardar decisão, no caso relacionado com a holding Privado Financeira, que está à espera há 3 anos no Tribunal da Relação. Os ex-administradores do BPP foram acusados de burla qualificada pelo Ministério Público, que entende estar na origem do prejuízo de 40 milhões de euros provocado a cerca de 100 investidores. Foram absolvidos pela primeira instância, mas o Ministério Público recorreu para a Relação de Lisboa.

Há ainda um caso de fraude fiscal e abuso de confiança, que está em fase de julgamento, e que, além daqueles três antigos responsáveis do BPP, envolve também o ex-administrador Fernando Lima. Aqui, vão ser julgados pelos crimes de abuso de confiança, fraude fiscal e branqueamento de capitais por terem alegadamente desviado cerca de 30 milhões de euros do BPP em prémios e outro tipo de remunerações sem a aprovação dos acionistas do banco.

O caso remonta a 2008. O BPP, com graves problemas de liquidez, vê ditado o seu fim em novembro de 2008, quando as autoridades de supervisão negaram o pedido de ajuda de 750 milhões de euros, solicitado por João Rendeiro, o homem que liderou a instituição durante 12 anos e que renunciou ao cargo em 28 de novembro desse ano.

Houve então uma operação de crédito ao BPP por parte de seis bancos (Caixa Geral de Depósitos, BCP, BES, Santander Totta, BPI e Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo), no montante de 450 milhões de euros, com garantia do Estado. A operação foi na altura justificada pelo Ministério das Finanças (liderado por Teixeira dos Santos, do governo socialista de José Sócrates) como sendo para salvaguardar depósitos e não as aplicações da área de gestão de fortunas.

Entre novembro de 2008 e abril de 2010 decorreu a intervenção do Banco de Portugal na instituição. Em julho de 2009, Paulo Guichard e Salvador Fezas Vital, dois ex-administradores do BPP foram suspensos pelo Banco de Portugal, juntamente com João Rendeiro, depois de serem constituídos arguidos no processo do caso BPP, que indiciava falsificação de contas, crimes fiscais e branqueamento de capitais.

Em 15 de abril de 2010, o Banco de Portugal, “depois de verificada a inviabilidade dos esforços de recapitalização e recuperação desta instituição”, decretou o fim do Banco Privado Português. O processo de liquidação esse que ainda decorre.

A pena de prisão já tinha sido aplicada a João Rendeiro e a Paulo Guichard em 2018, quando a 15 de outubro, o ex-presidente do BPP foi condenado pelo Tribunal de Lisboa a cinco anos de prisão com pena suspensa sob condição de pagar 400 mil euros à associação Crescer. João Rendeiro e mais quatro antigos administradores do banco foram julgados por terem ocultado contabilisticamente o prejuízo do banco.

O ex-administrador Paulo Guichard foi, por sua vez, condenado a quatro anos e três meses, pena suspensa na sua execução, se pagar 25 mil euros à associação Os anjos.

 

José Oliveira e Costa, o arquiteto do BPN que chegou a estar preso

Morreu no dia 10 de março deste ano o histórico Presidente do Banco Português de Negócios (BPN) que, em risco de colapsar, foi nacionalizado em novembro de 2008 (governo de Sócrates, sendo Teixeira dos Santos ministro das Finanças). Nesse ano começaram as investigações criminais.  Em 2008 José Oliveira e Costa foi detido por suspeitas de burla, abuso de confiança e fraude fiscal (entre outros crimes) e acabou condenado em 2017. Foi até agora o único presidente de um banco que esteve efectivamente preso.

Assumiu a presidência do BPN em 1998 mas no final de 2008, depois da nacionalização do banco, foi preso preventivamente e mais tarde condenado a 15 anos de prisão no megaprocesso-crime do BPN.

Além de Oliveira Costa, outros três arguidos – Luís Caprichoso, Francisco Sanches e José Vaz Mascarenhas – foram condenados a penas de prisão efetivas, com o tribunal a considerar que as suas condutas foram especialmente graves.

Além dos processos-crimes a que foi condenado – 15 anos no megaprocesso e mais 12 num outro processo por burla e fraude fiscal -, Oliveira e Costa foi ainda condenado ao pagamento de coimas por parte do Banco de Portugal e da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (tal como aconteceu com todos os outros banqueiros). As coimas aplicadas pelas condenações do supervisor da banca e do regulador do mercado a Oliveira e Costa não chegaram a ser pagas.

O fundador do BPN foi condenado pelo Banco de Portugal ao pagamento de uma coima de 950 mil euros por factos ocorridos entre 2002 e 2007 e em 2012, não recorreu para o tribunal mas também não pagou. Disse não ter dinheiro para o fazer e que tinha os bens arrestados.

O caso BPN remonta também a 2008 e entre as organizações envolvidas encontram-se, além do banco, a Sociedade Lusa de Negócios e o Banco Insular.

O Ministério Público considera que, a partir do ano 2000, Oliveira e Costa, Francisco Sanches (ex-administrador do BPN) e Luís Caprichoso decidiram alargar os negócios do grupo BPN a sectores não financeiros, designadamente imobiliário, turismo e novas tecnologias, como forma de escapar à supervisão do Banco de Portugal. A acusação concluiu que este trio de administradores utilizou “terceiros de confiança” para actuarem como “fiduciários” em projectos de investimento, que na realidade pertenciam e eram comandados pelo grupo que dirigia o Banco Português de Negócios (BPN). O MP sustenta que Arlindo de Carvalho e José Neto terão recebido indevidamente cerca de 80 milhões de euros do BPN e do Banco Insular de Cabo Verde na qualidade de homens de confiança em negócios dirigidos à distância por Oliveira Costa e outros dirigentes do BPN/Sociedade Lusa de Negócios (SLN).

 

Armando Vara foi preso 11 anos depois do início do caso Face Oculta

Foi administrador da Caixa Geral de Depósitos e do Banco Comercial Português (BCP), mas as penas de prisão decretadas pelo Tribunal de Aveiro e que foram executadas em 2018 não se referem à sua atividade como banqueiro, mas sim à sua atividade como político, quando foi membro do Governo de Sócrates.

O processo Face Oculta investigou casos de corrupção e outros crimes económicos de um grupo empresarial de Ovar do sucateiro Manuel Godinho e as suas relações com empresas como EDP, REFER e REN, além do ex-ministro Armando Vara.

A investigação começou em 2009, ano em que Armando Vara, então vice-presidente do BCP, foi constituído arguido no processo Face Oculta. Foi condenado em 2014 a cinco anos de prisão, mas só em 2018 o ex-ministro socialista foi preso.

O Processo Face Oculta foi um processo judicial que terminou com a leitura da sentença em setembro de 2014. A fase de instrução foi da responsabilidade da Polícia Judiciária de Aveiro e do DIAP da Comarca do Baixo Vouga (Aveiro).

O Tribunal da Comarca do Baixo Vouga condenou, em 2014, Armando Vara a cumprir cinco anos de prisão efectiva. Esta foi a primeira sentença proferida para o antigo vice-presidente do BCP no processo Face Oculta. Mas o antigo ministro socialista apresentou um recurso ao Tribunal da Relação do Porto que decidiu, em 2017, manter a condenação, subindo o processo ao Tribunal Constitucional, que rejeitou o último recurso.

 

Jorge Jardim Gonçalves, o banqueiro que criou o BCP e acabou a defender-se em tribunal

Na década de 1980, aquele que para muitos ainda é o verdadeiro banqueiro português, envolve-se no projecto da criação de uma nova instituição bancária. Inicialmente designado Banco Comercial do Norte, o projeto foi liderado pelos empresários Américo Amorim, António Gonçalves e Macedo Silva e seria o embrião do Banco Comercial Português, constituído em 1985.

Mas em 2014 foi condenado a dois anos de prisão por crimes de manipulação de mercados – mas com pena suspensa.

Jorge Jardim Gonçalves cessou funções no BCP em março de 2005, tendo-se mantido nas funções de presidente do Conselho Geral e de Supervisão e de presidente do Conselho Superior, até 2008. O cargo de presidente do Conselho de Administração foi assumido pelo seu antigo delfim na instituição, o jurista Paulo Teixeira Pinto. Mas em 2007 uma divisão entre administradores, que se traduziu numa batalha acionista, desencadeia a chamada “guerra de poder no BCP”, com duas fações distintas, sendo a contestatária protagonizada por Joe Berardo.

Em 2008 Jardim Gonçalves deixou de exercer qualquer cargo no BCP na sequência de um polémico conflito entre dois grupos de acionistas no Conselho de Administração, que acabou por levar à saída de Teixeira Pinto.

As denúncias aos supervisores de umas offshores antigas e que não tinham beneficiário, e que tinham comprado ações do banco com empréstimo do próprio BCP, e que, com a crise de 2001, ficaram com perdas que não foram reconhecidas nas contas do banco, porque depois de descobertas foram alvo de operações para lhe atribuir um ultimate beneficial owner, levaram os ex-administradores do BCP à barra dos tribunais.

Em maio de 2014, Jardim Gonçalves foi condenado a uma pena de dois anos de prisão, que ficou suspensa mediante o pagamento de 600 mil euros por crime de manipulação de mercado. Foi ainda condenado a pena acessória da proibição de exercer cargos de administração ou direção em empresas ou instituições financeiras durante quatro anos. Em fevereiro de 2015, o Tribunal da Relação de Lisboa rejeitou o recurso de Jardim Gonçalves mantendo a condenação da primeira instância.

Em março de 2020, uma decisão do Tribunal da Relação de Lisboa decretou que o fundador do BCP vai deixar de ter direito a receber dois terços da pensão de 175 mil euros mensais que recebia do banco. A pensão de Jardim Gonçalves foi uma guerra antiga da fação que lutou pela chamada “renovação” da gestão do BCP, e cujo rosto mais visível da crítica foi Joe Berardo, então acionista do BCP, o que lhe provocou enormes perdas.

O tribunal diz que Jardim Gonçalves terá de devolver os montantes que recebeu desde 2008, altura em que houve ajustamentos salariais na comissão executiva.

O que equivale a 18 milhões de euros pagos ao banqueiro desde 2008. Jorge Jardim Gonçalves fica, ainda, sem as regalias que tinha quando trabalhava no banco — com transportes, deslocações e segurança social.

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