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Os desafios futuros do sistema bancário português

A melhoria da rendibilidade, a adaptação à nova regulação, as alterações no modelo de governo e o investimento na inovação são os grandes desafios que o sistema enfrenta.
Mario Proença/Bloomberg
19 Janeiro 2017, 09h00

Onde estamos?
Nos últimos anos verificou-se uma redução contínua e significativa do endividamento dos particulares e das sociedades não financeiras (Gráfico 1). Os níveis de dívida permanecem, contudo, muito elevados e o esforço de desalavancagem deverá prosseguir para garantir resiliência perante evoluções adversas que afetem a capacidade de servir a dívida.

Em contraste, o endividamento das administrações públicas continuou a aumentar e representa hoje uma importante vulnerabilidade da economia portuguesa a alterações nas condições de mercado. A continuação de uma trajetória de consolidação orçamental é essencial para a redução sustentada do nível de endividamento público e para criar condições favoráveis ao crescimento económico.

Um facto muito positivo dos últimos anos, que importa salientar, é a redução significativa da alavancagem do sistema bancário português, tendo o rácio de transformação caído de valores superiores a 150% em 2010 para próximo de 100% em 2015. Atualmente, os bancos financiam a economia apenas com recursos dos clientes, quando em 2011 cerca de 40% do financiamento era feito com base em recursos externos.

Em consequência dos novos requisitos regulatórios, mas também do esforço dos respetivos stakeholders, os bancos portugueses estão hoje mais capitalizados do que em 2011 e com fundos próprios de melhor qualidade (Gráfico 2). No final do primeiro semestre de 2016, o rácio de fundos próprios do setor bancário situou-se em 12,1% (CET 1) , superior aos 8,7% (CT1)  em 2011. Contudo, o setor bancário português continua a apresentar um rácio CET 1 inferior à média dos pares europeus.
No quadro da crise económica e financeira, a rendibilidade dos bancos sofreu uma redução significativa e caiu para valores negativos. No período mais recente assistiu-se a alguma recuperação da rendibilidade, embora para níveis ainda muito reduzidos.

Os baixos níveis de rendibilidade dos bancos condicionam fortemente o reforço do seu capital na medida em que não permitem gerar capital próprio suficiente por via interna e restringem a capacidade de atrair novos investidores pelas baixas perspetivas de retorno do investimento.

A queda dos proveitos dos bancos foi acompanhada de alguns esforços de racionalização das suas estruturas. Apesar disso, os rácios cost-to-income permanecem elevados face aos valores de referência das instituições europeias mais eficientes.
Por outro lado, o elevado stock de ativos não geradores de rendimento nos balanços dos bancos, sobretudo os non-performing loans (NPL), bem como a necessidade de reconhecimento de perdas por imparidade associadas a estas exposições, limitam de forma determinante a geração de resultados positivos. No final de 2015, os ativos não geradores de rendimento do conjunto dos sete maiores bancos do sistema ascendiam a 53 mil milhões de euros e as imparidades a 21 mil milhões de euros. Estas imparidades estão maioritariamente associadas a créditos concedidos antes de 2010. Na comparação com os pares europeus, o sistema bancário nacional é particularmente penalizado pelos maiores níveis de imparidades, uma vez que o resultado bruto de exploração é semelhante à média europeia.

Em suma, apesar dos desafios que o sistema bancário português atualmente enfrenta, alguns dos quais de natureza global, os bancos têm hoje uma situação de liquidez e solvabilidade muito melhor do que aquela que tinham em 2010. Importa por isso tirar lições do passado e assegurar que no futuro não são cometidos os mesmos erros.

De onde vimos?
Seis fatores estiveram na origem das fragilidades acumuladas pelo sistema bancário português durante o período da chamada “grande moderação”:

i. Estrutura acionista dos bancos
A ausência de acionistas com “real money” (e em alguns casos a relutância em abrir o capital a estes acionistas) potenciou fenómenos de concessão de crédito que se transformavam em participações acionistas, as quais, por sua vez, eram usadas em garantia dos créditos concedidos. Esta prática iniciou-se com a reprivatização dos grupos financeiros no início dos anos 1990 e prosseguiu nos anos subsequentes. O financiamento de partes relacionadas através de mecanismos opacos usando jurisdições não cooperantes foi uma das vertentes deste fenómeno.

Quando, no quadro da crise financeira, as ações dos bancos se desvalorizaram, muitos acionistas deixaram de conseguir fazer face ao serviço da dívida dos créditos que tinham contraído, o que agravou ainda mais a situação financeira dos bancos por via das imparidades de crédito. Acresce que alguns destes acionistas para garantirem essas participações, comprometeram também ativos que detinham na economia real, o que teve efeitos destrutivos acrescidos sobre a economia.

ii. Financiamento para aquisição de participações sociais
Os bancos portugueses também concederam crédito para a aquisição de participações sociais em empresas do setor não financeiro, aceitando as mesmas como garantia do próprio crédito. No contexto da crise, e da utilização das garantias para liquidação dos financiamentos, grande parte dessas participações acabaram por ficar no balanço dos bancos que se tornaram acionistas de empresas de variados ramos de negócio.

Em muitos casos o crédito concedido para esta finalidade substituiu capital estrangeiro anteriormente investido nessas empresas. Em termos macroeconómicos isto significou uma descapitalização da economia e um aumento do risco sistémico por via do aumento do endividamento dos agentes económicos nacionais privados.

iii. Subestimação do risco e maximização da concessão de crédito
Durante vários anos o sistema bancário orientou-se por um regime de incentivos que promovia os resultados de curto prazo em detrimento dos resultados de médio prazo, de que são exemplo as políticas de remuneração e a distribuição de dividendos. Este sistema de incentivos – assente em objetivos comerciais e resultados trimestrais – conduziu, em diversas instituições, a uma política de maximização do montante de crédito concedido, em muitos casos sem uma avaliação adequada do risco associado.
Para além disso, como o registo de imparidades não era efetuado de forma preventiva (mas apenas perante eventos de crédito que justificassem o seu reconhecimento), a cobertura de riscos foi transferida para o futuro e, por conseguinte, os dividendos distribuídos foram superiores aos que uma política conservadora de constituição de imparidades aconselharia.

iv. Financiamento a setores dependentes da procura interna
Grande parte do crédito bancário concedido concentrou-se em setores muito dependentes da capacidade de endividamento dos respetivos clientes – como a construção e atividades imobiliárias – o que acabou por deixar as instituições financeiras muito vulneráveis à alteração na procura destes setores de atividade (Gráfico 3). Parecia existir a ilusão de que a procura dirigida a estes setores e o seu financiamento seriam ilimitados.

Neste aspeto a responsabilidade dos agentes públicos é muito grande porque são eles que dão os sinais com base nos quais os agentes económicos privados sustentam as suas decisões. Políticas económicas com incentivos inconsistentes do ponto de vista temporal geram situações de insustentabilidade. E não é possível ter políticas insustentáveis sem que isso se venha a refletir nos bancos. Uma das lições desta crise foi precisamente a importância de rever os instrumentos de acompanhamento dos mercados financeiros e de salvaguarda da estabilidade financeira. A política macroprudencial assumiu uma posição de destaque nestas reformas.

Quando a economia começou a revelar os primeiros sinais da crise, as empresas mais sensíveis ao ciclo económico – como a construção e obras públicas – começaram a apresentar dificuldade em reembolsar a dívida. Assim, assistiu-se a um aumento significativo do crédito bancário em incumprimento nestes setores, penalizando os resultados das instituições de crédito com desfasamentos temporais significativos face ao momento da sua concessão.

v. Financiamento de empresas com reduzidos níveis de capitais próprios.
Os bancos financiaram empresas com níveis muito reduzidos de capitais próprios, as quais são mais vulneráveis a possíveis alterações do contexto macroeconómico sobre a sua capacidade de reembolso da dívida (Gráfico 4). Acresce que muitas destas empresas apresentavam grandes debilidades na transparência das contas e deficientes modelos de governo interno.

vi. Financiamento a particulares com elevada exposição ao ciclo económico.
Em 2010 quase 40% das famílias endividadas tinham uma dívida superior a 300% do seu rendimento e para 17% das famílias o serviço da dívida excedia 40% do seu rendimento (Tabela 2). O elevado endividamento das famílias aumentou a sensibilidade da sua situação financeira a choques sobre o rendimento, sendo este risco exacerbado pelo facto de uma proporção significativa do rendimento das famílias ter origem no setor dos não transacionáveis que foi o mais afetado pela crise.

Para onde devemos ir?
A recuperação económica sustentada requer bancos fortes, com capacidade para aumentar o crédito à economia à medida que a atividade económica se fortaleça. Neste contexto é fundamental que os bancos ultrapassem com brevidade algumas das dificuldades associadas à crise económica e financeira que ainda subsistem, e que, em simultâneo, ponham em prática estratégias que lhes permitam responder às oportunidades e desafios associados à revolução da tecnologia digital.

O sistema bancário nacional defronta atualmente quatro grandes desafios, alguns de natureza mais global:

i. Melhorar de forma sustentada a sua rendibilidade
ii. Adaptar-se às novas exigências regulatórias e assegurar a sua observância
iii. Introduzir alterações no modelo de governo e na cultura organizacional que permitam recuperar a confiança dos stakeholders
iv. Investir em inovação, quer em termos operacionais quer ao nível da prestação de serviços aos clientes.

No imediato, o reforço da rendibilidade dos bancos é o desafio primordial, quer para gerar capital interno quer para atrair capital externo e, deste modo, criar condições que permitam pôr em prática estratégias de reposicionamento perante o futuro.
Neste contexto, é necessário implementar soluções que reduzam o peso dos ativos improdutivos no balanço. Isto significa que os bancos devem adotar estratégias ativas e implementar medidas que permitam acelerar a diminuição desse stock. O prolongamento da atual situação tem consequências adversas significativas para o setor bancário nacional, não só ao nível da rendibilidade e capital, mas também em termos da perceção dos mercados acerca da solidez das instituições, num quadro regulamentar mais exigente.

Adicionalmente, as perspetivas de manutenção de um crescimento económico moderado e de taxas de juro muito baixas por um período prolongado impõem uma reavaliação abrangente dos modelos de negócio e da estrutura de custos das instituições financeiras. Embora nos últimos anos se tenha assistido a uma melhoria do rácio de eficiência, há ainda um caminho a percorrer para ajustar a estrutura de custos ao volume de negócios, sendo necessárias medidas adicionais de racionalização de custos.

A continuação do processo de ajustamento dos modelos de negócio deverá também ter em conta as exigências e as oportunidades associadas ao novo paradigma da “banca digital”. A introdução da tecnologia digital veio revolucionar os padrões de procura dos clientes bancários e a forma como a banca de proximidade se faz. A adaptação bem-sucedida do sistema bancário requer um elevado investimento inicial em infraestruturas tecnológicas e em competências, mas representa também uma oportunidade para reduzir de forma estrutural os custos operacionais.

Finalmente é muito importante que se verifique uma mudança da cultura e do comportamento das organizações, demonstrando segurança, integridade, fiabilidade e qualidade nos serviços prestados aos clientes, como forma de recuperação da confiança de todos os stakeholders, contribuindo de forma decisiva para a estabilidade do sistema financeiro nacional.

[Notícia publicada na edição impressa de 13 janeiro]

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